MAM mostra a arte antes e depois da Semana


O modernismo não nasceu em 1922, mas antes, segundo as curadoras da exposição, Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros

Por Antonio Gonçalves Filho

A um ano das comemorações da Semana de Arte Moderna de 1922, o Museu de Arte Moderna de São Paulo antecipou a festa e abriu no sábado, 4, a exposição Moderno Onde? Moderno Quando? A Semana de 22 como Motivação, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros. À primeira pergunta do título, as duas curadoras respondem com um time de artistas de vários Estados brasileiros, para provar que o modernismo não foi um fenômeno exclusivamente paulista. À segunda, sobre a gênese do modernismo brasileiro, elas respondem que, antes de 1922, muitos artistas hoje esquecidos já desenvolviam um tipo de arte que fugia aos padrões acadêmicos e ousava tanto na escolha dos temas como na linguagem formal. Enfim, antes de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Brecheret, pintores, escultores, fotógrafos e arquitetos assinaram obras que passam batidas aos olhos de quem vê a antropofagia como o primeiro manifesto moderno brasileiro.

Um exemplo de vocação pré-moderna é o fotógrafo Valério Vieira (1862-1941), um dos artistas da mostra, montada de forma cronológica para que o público possa acompanhar a evolução da arte na virada do século 19 para o 20, que trouxe, segundo Aracy Amaral, um incontrolável impulso de renovação nos grandes centros urbanos – e não só São Paulo e Rio, que era a capital na época, mas em regiões como Amazonas e Pará. A arquitetura eclética desse tempo é uma prova de uma vontade de mudança, o que é possível notar nos prédios construídos principalmente no Rio e nas fábricas paulistas que começavam a receber os imigrantes europeus – e com eles, um anseio de assimilar o que a Europa tinha de melhor a oferecer. 

'Canaval em Madureira" ('1924), tela de Tarsila: ecos de Léger Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo
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Voltando a Valério Vieira, o fotógrafo, nascido em Angra dos Reis, foi um representantes do pictorialismo na fotografia com suas imagens experimentais. Em 1901, por exemplo, ele realizou uma fotomontagem com 30 personagens que ficou conhecida como Os Trinta Valérios – todos, evidentemente, replicando sua figura num sarau, inclusive os bustos e os quadros da sala. Quatro anos depois, Vieira produziu sua primeira experiência panorâmica, um painel de 12 metros de comprimento mostrando São Paulo, cidade que adotou. E, mesclando fotografia e pintura, ele pintou uma 'fotopintura' com uma vista noturna da fachada do Teatro Municipal, em 1911, onde seria realizada a Semana de Arte Moderna uma década depois. Esse trabalho também está na mostra.

Mulheres igualmente avançadas para sua época seguiram a trilha moderna de Valério e, antes que o novo século nascesse, elas já anunciavam a alvorada da modernidade. A carioca Abigail de Andrade (1864-1890) não viveu para ver o século 20 ou conhecer os modernistas, mas sua tela A Hora do Pão (1889), do ano da Proclamação da República, já carrega o embrião da pintura moderna de caráter social. Morreu com 26 anos, em Paris, onde se refugiou com o companheiro, um homem casado com quem teve uma filha (que, aliás, virou pintora, Angelina Agostini). Lá, morreu esquecida. Deixou como legado 50 telas.

E o que dizer do pintor Manoel Santiago (1897-1987), de Manaus, que, três anos antes da Semana de 22, pintou O Cosmo (1919), tela marcada pela abstração? Vale lembrar que ele foi mestre de Milton Dacosta e Pancetti. Sua tela, na exposição do MAM, mostra como os artistas fora do eixo Rio-São Paulo estavam antenados com o que se passava no mundo – e o italiano Eliseu Visconti (1866-1944), introdutor do impressionismo no Brasil, é um dos muitos exemplos históricos de artistas da mostra que se rebelaram contra a Academia para criar o novo. O MAM exibe dele um belo autorretrato de 1902, um ano depois de sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro.

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'O Viioleiro', tela de 1899 pintada por Almeida Jr e com preocupações sociais Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Em arquitetura, muitos consideram o ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972) como o introdutor do estilo moderno no País (e dele a mostra tem maquetes de pioneiras casas modernistas dos anos 1920). Mas Aracy aponta para uma outra maquete, a da Estação Ferroviária de Mayrink, do arquiteto francês criado na Argentina e radicado no Brasil Victor Dubugras (1868-1933). Ele é tido por muitos como um precursor da arquitetura moderna na América Latina. Com justa razão: a estação ferroviária de Mayrink, construída entre os anos de 1906 e 1907, é considerada a primeira estrutura de concreto armado feita no Estado de São Paulo.

No modernismo, diz Aracy Amaral, “tudo é importado”. E justifica: “Somos todos imigrantes, importamos tudo”. E o discurso nacionalista que sempre acompanha as revisões históricas da Semana de 22 sai um pouco arranhado na exposição que será acompanhada por um catálogo com visões contrastantes sobre ela. Um dos textos dissonantes, assinado pelo jornalista e escritor Ruy Castro, critica o eclipse que apagou da história nomes atuantes na articulação da modernidade brasileira, não só do primeiro time como “alguns luminares, sem os quais a Semana não teria acontecido”. O poeta Guilherme de Almeida é um exemplo que ele cita.

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Autorretrato (1902) de Elisei Visconti: introdutordo impressionismo entre nós Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando à mostra, há nela obras de nomes “oficiais” do modernismo, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Brecheret, peças que estiveram, inclusive, na Semana de 22, como Amigos (pastel de 1921), de Di Cavalcanti, ou retratos pintados no mesmo ano da histórica exposição, como o que Tarsila (ela não participou da Semana) fez de Mário de Andrade, um de seus articuladores. As curadoras conseguiram um feito inédito: trazer para o MAM o imenso painel (12 metros de comprimento) Eu Vi o Mundo...Ele Começava no Recife (1926-29) pintado pelo pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Uma obra frágil, técnica mista sobre papel colado em tela, pertencente a um colecionador particular, que viaja só para contar que a modernidade era brasileira, e não só paulista.

Entre os grandes nomes que emergiram na esteira do modernismo, e estão na mostra, destacam-se os de Flávio de Carvalho, Goeldi, Guignard, Ismael Ney, Lasar Segall, Lívio Abramo, Portinari e Raimundo Cela. 

A um ano das comemorações da Semana de Arte Moderna de 1922, o Museu de Arte Moderna de São Paulo antecipou a festa e abriu no sábado, 4, a exposição Moderno Onde? Moderno Quando? A Semana de 22 como Motivação, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros. À primeira pergunta do título, as duas curadoras respondem com um time de artistas de vários Estados brasileiros, para provar que o modernismo não foi um fenômeno exclusivamente paulista. À segunda, sobre a gênese do modernismo brasileiro, elas respondem que, antes de 1922, muitos artistas hoje esquecidos já desenvolviam um tipo de arte que fugia aos padrões acadêmicos e ousava tanto na escolha dos temas como na linguagem formal. Enfim, antes de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Brecheret, pintores, escultores, fotógrafos e arquitetos assinaram obras que passam batidas aos olhos de quem vê a antropofagia como o primeiro manifesto moderno brasileiro.

Um exemplo de vocação pré-moderna é o fotógrafo Valério Vieira (1862-1941), um dos artistas da mostra, montada de forma cronológica para que o público possa acompanhar a evolução da arte na virada do século 19 para o 20, que trouxe, segundo Aracy Amaral, um incontrolável impulso de renovação nos grandes centros urbanos – e não só São Paulo e Rio, que era a capital na época, mas em regiões como Amazonas e Pará. A arquitetura eclética desse tempo é uma prova de uma vontade de mudança, o que é possível notar nos prédios construídos principalmente no Rio e nas fábricas paulistas que começavam a receber os imigrantes europeus – e com eles, um anseio de assimilar o que a Europa tinha de melhor a oferecer. 

'Canaval em Madureira" ('1924), tela de Tarsila: ecos de Léger Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando a Valério Vieira, o fotógrafo, nascido em Angra dos Reis, foi um representantes do pictorialismo na fotografia com suas imagens experimentais. Em 1901, por exemplo, ele realizou uma fotomontagem com 30 personagens que ficou conhecida como Os Trinta Valérios – todos, evidentemente, replicando sua figura num sarau, inclusive os bustos e os quadros da sala. Quatro anos depois, Vieira produziu sua primeira experiência panorâmica, um painel de 12 metros de comprimento mostrando São Paulo, cidade que adotou. E, mesclando fotografia e pintura, ele pintou uma 'fotopintura' com uma vista noturna da fachada do Teatro Municipal, em 1911, onde seria realizada a Semana de Arte Moderna uma década depois. Esse trabalho também está na mostra.

Mulheres igualmente avançadas para sua época seguiram a trilha moderna de Valério e, antes que o novo século nascesse, elas já anunciavam a alvorada da modernidade. A carioca Abigail de Andrade (1864-1890) não viveu para ver o século 20 ou conhecer os modernistas, mas sua tela A Hora do Pão (1889), do ano da Proclamação da República, já carrega o embrião da pintura moderna de caráter social. Morreu com 26 anos, em Paris, onde se refugiou com o companheiro, um homem casado com quem teve uma filha (que, aliás, virou pintora, Angelina Agostini). Lá, morreu esquecida. Deixou como legado 50 telas.

E o que dizer do pintor Manoel Santiago (1897-1987), de Manaus, que, três anos antes da Semana de 22, pintou O Cosmo (1919), tela marcada pela abstração? Vale lembrar que ele foi mestre de Milton Dacosta e Pancetti. Sua tela, na exposição do MAM, mostra como os artistas fora do eixo Rio-São Paulo estavam antenados com o que se passava no mundo – e o italiano Eliseu Visconti (1866-1944), introdutor do impressionismo no Brasil, é um dos muitos exemplos históricos de artistas da mostra que se rebelaram contra a Academia para criar o novo. O MAM exibe dele um belo autorretrato de 1902, um ano depois de sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro.

'O Viioleiro', tela de 1899 pintada por Almeida Jr e com preocupações sociais Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Em arquitetura, muitos consideram o ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972) como o introdutor do estilo moderno no País (e dele a mostra tem maquetes de pioneiras casas modernistas dos anos 1920). Mas Aracy aponta para uma outra maquete, a da Estação Ferroviária de Mayrink, do arquiteto francês criado na Argentina e radicado no Brasil Victor Dubugras (1868-1933). Ele é tido por muitos como um precursor da arquitetura moderna na América Latina. Com justa razão: a estação ferroviária de Mayrink, construída entre os anos de 1906 e 1907, é considerada a primeira estrutura de concreto armado feita no Estado de São Paulo.

No modernismo, diz Aracy Amaral, “tudo é importado”. E justifica: “Somos todos imigrantes, importamos tudo”. E o discurso nacionalista que sempre acompanha as revisões históricas da Semana de 22 sai um pouco arranhado na exposição que será acompanhada por um catálogo com visões contrastantes sobre ela. Um dos textos dissonantes, assinado pelo jornalista e escritor Ruy Castro, critica o eclipse que apagou da história nomes atuantes na articulação da modernidade brasileira, não só do primeiro time como “alguns luminares, sem os quais a Semana não teria acontecido”. O poeta Guilherme de Almeida é um exemplo que ele cita.

Autorretrato (1902) de Elisei Visconti: introdutordo impressionismo entre nós Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando à mostra, há nela obras de nomes “oficiais” do modernismo, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Brecheret, peças que estiveram, inclusive, na Semana de 22, como Amigos (pastel de 1921), de Di Cavalcanti, ou retratos pintados no mesmo ano da histórica exposição, como o que Tarsila (ela não participou da Semana) fez de Mário de Andrade, um de seus articuladores. As curadoras conseguiram um feito inédito: trazer para o MAM o imenso painel (12 metros de comprimento) Eu Vi o Mundo...Ele Começava no Recife (1926-29) pintado pelo pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Uma obra frágil, técnica mista sobre papel colado em tela, pertencente a um colecionador particular, que viaja só para contar que a modernidade era brasileira, e não só paulista.

Entre os grandes nomes que emergiram na esteira do modernismo, e estão na mostra, destacam-se os de Flávio de Carvalho, Goeldi, Guignard, Ismael Ney, Lasar Segall, Lívio Abramo, Portinari e Raimundo Cela. 

A um ano das comemorações da Semana de Arte Moderna de 1922, o Museu de Arte Moderna de São Paulo antecipou a festa e abriu no sábado, 4, a exposição Moderno Onde? Moderno Quando? A Semana de 22 como Motivação, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros. À primeira pergunta do título, as duas curadoras respondem com um time de artistas de vários Estados brasileiros, para provar que o modernismo não foi um fenômeno exclusivamente paulista. À segunda, sobre a gênese do modernismo brasileiro, elas respondem que, antes de 1922, muitos artistas hoje esquecidos já desenvolviam um tipo de arte que fugia aos padrões acadêmicos e ousava tanto na escolha dos temas como na linguagem formal. Enfim, antes de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Brecheret, pintores, escultores, fotógrafos e arquitetos assinaram obras que passam batidas aos olhos de quem vê a antropofagia como o primeiro manifesto moderno brasileiro.

Um exemplo de vocação pré-moderna é o fotógrafo Valério Vieira (1862-1941), um dos artistas da mostra, montada de forma cronológica para que o público possa acompanhar a evolução da arte na virada do século 19 para o 20, que trouxe, segundo Aracy Amaral, um incontrolável impulso de renovação nos grandes centros urbanos – e não só São Paulo e Rio, que era a capital na época, mas em regiões como Amazonas e Pará. A arquitetura eclética desse tempo é uma prova de uma vontade de mudança, o que é possível notar nos prédios construídos principalmente no Rio e nas fábricas paulistas que começavam a receber os imigrantes europeus – e com eles, um anseio de assimilar o que a Europa tinha de melhor a oferecer. 

'Canaval em Madureira" ('1924), tela de Tarsila: ecos de Léger Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando a Valério Vieira, o fotógrafo, nascido em Angra dos Reis, foi um representantes do pictorialismo na fotografia com suas imagens experimentais. Em 1901, por exemplo, ele realizou uma fotomontagem com 30 personagens que ficou conhecida como Os Trinta Valérios – todos, evidentemente, replicando sua figura num sarau, inclusive os bustos e os quadros da sala. Quatro anos depois, Vieira produziu sua primeira experiência panorâmica, um painel de 12 metros de comprimento mostrando São Paulo, cidade que adotou. E, mesclando fotografia e pintura, ele pintou uma 'fotopintura' com uma vista noturna da fachada do Teatro Municipal, em 1911, onde seria realizada a Semana de Arte Moderna uma década depois. Esse trabalho também está na mostra.

Mulheres igualmente avançadas para sua época seguiram a trilha moderna de Valério e, antes que o novo século nascesse, elas já anunciavam a alvorada da modernidade. A carioca Abigail de Andrade (1864-1890) não viveu para ver o século 20 ou conhecer os modernistas, mas sua tela A Hora do Pão (1889), do ano da Proclamação da República, já carrega o embrião da pintura moderna de caráter social. Morreu com 26 anos, em Paris, onde se refugiou com o companheiro, um homem casado com quem teve uma filha (que, aliás, virou pintora, Angelina Agostini). Lá, morreu esquecida. Deixou como legado 50 telas.

E o que dizer do pintor Manoel Santiago (1897-1987), de Manaus, que, três anos antes da Semana de 22, pintou O Cosmo (1919), tela marcada pela abstração? Vale lembrar que ele foi mestre de Milton Dacosta e Pancetti. Sua tela, na exposição do MAM, mostra como os artistas fora do eixo Rio-São Paulo estavam antenados com o que se passava no mundo – e o italiano Eliseu Visconti (1866-1944), introdutor do impressionismo no Brasil, é um dos muitos exemplos históricos de artistas da mostra que se rebelaram contra a Academia para criar o novo. O MAM exibe dele um belo autorretrato de 1902, um ano depois de sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro.

'O Viioleiro', tela de 1899 pintada por Almeida Jr e com preocupações sociais Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Em arquitetura, muitos consideram o ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972) como o introdutor do estilo moderno no País (e dele a mostra tem maquetes de pioneiras casas modernistas dos anos 1920). Mas Aracy aponta para uma outra maquete, a da Estação Ferroviária de Mayrink, do arquiteto francês criado na Argentina e radicado no Brasil Victor Dubugras (1868-1933). Ele é tido por muitos como um precursor da arquitetura moderna na América Latina. Com justa razão: a estação ferroviária de Mayrink, construída entre os anos de 1906 e 1907, é considerada a primeira estrutura de concreto armado feita no Estado de São Paulo.

No modernismo, diz Aracy Amaral, “tudo é importado”. E justifica: “Somos todos imigrantes, importamos tudo”. E o discurso nacionalista que sempre acompanha as revisões históricas da Semana de 22 sai um pouco arranhado na exposição que será acompanhada por um catálogo com visões contrastantes sobre ela. Um dos textos dissonantes, assinado pelo jornalista e escritor Ruy Castro, critica o eclipse que apagou da história nomes atuantes na articulação da modernidade brasileira, não só do primeiro time como “alguns luminares, sem os quais a Semana não teria acontecido”. O poeta Guilherme de Almeida é um exemplo que ele cita.

Autorretrato (1902) de Elisei Visconti: introdutordo impressionismo entre nós Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando à mostra, há nela obras de nomes “oficiais” do modernismo, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Brecheret, peças que estiveram, inclusive, na Semana de 22, como Amigos (pastel de 1921), de Di Cavalcanti, ou retratos pintados no mesmo ano da histórica exposição, como o que Tarsila (ela não participou da Semana) fez de Mário de Andrade, um de seus articuladores. As curadoras conseguiram um feito inédito: trazer para o MAM o imenso painel (12 metros de comprimento) Eu Vi o Mundo...Ele Começava no Recife (1926-29) pintado pelo pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Uma obra frágil, técnica mista sobre papel colado em tela, pertencente a um colecionador particular, que viaja só para contar que a modernidade era brasileira, e não só paulista.

Entre os grandes nomes que emergiram na esteira do modernismo, e estão na mostra, destacam-se os de Flávio de Carvalho, Goeldi, Guignard, Ismael Ney, Lasar Segall, Lívio Abramo, Portinari e Raimundo Cela. 

A um ano das comemorações da Semana de Arte Moderna de 1922, o Museu de Arte Moderna de São Paulo antecipou a festa e abriu no sábado, 4, a exposição Moderno Onde? Moderno Quando? A Semana de 22 como Motivação, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros. À primeira pergunta do título, as duas curadoras respondem com um time de artistas de vários Estados brasileiros, para provar que o modernismo não foi um fenômeno exclusivamente paulista. À segunda, sobre a gênese do modernismo brasileiro, elas respondem que, antes de 1922, muitos artistas hoje esquecidos já desenvolviam um tipo de arte que fugia aos padrões acadêmicos e ousava tanto na escolha dos temas como na linguagem formal. Enfim, antes de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Brecheret, pintores, escultores, fotógrafos e arquitetos assinaram obras que passam batidas aos olhos de quem vê a antropofagia como o primeiro manifesto moderno brasileiro.

Um exemplo de vocação pré-moderna é o fotógrafo Valério Vieira (1862-1941), um dos artistas da mostra, montada de forma cronológica para que o público possa acompanhar a evolução da arte na virada do século 19 para o 20, que trouxe, segundo Aracy Amaral, um incontrolável impulso de renovação nos grandes centros urbanos – e não só São Paulo e Rio, que era a capital na época, mas em regiões como Amazonas e Pará. A arquitetura eclética desse tempo é uma prova de uma vontade de mudança, o que é possível notar nos prédios construídos principalmente no Rio e nas fábricas paulistas que começavam a receber os imigrantes europeus – e com eles, um anseio de assimilar o que a Europa tinha de melhor a oferecer. 

'Canaval em Madureira" ('1924), tela de Tarsila: ecos de Léger Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando a Valério Vieira, o fotógrafo, nascido em Angra dos Reis, foi um representantes do pictorialismo na fotografia com suas imagens experimentais. Em 1901, por exemplo, ele realizou uma fotomontagem com 30 personagens que ficou conhecida como Os Trinta Valérios – todos, evidentemente, replicando sua figura num sarau, inclusive os bustos e os quadros da sala. Quatro anos depois, Vieira produziu sua primeira experiência panorâmica, um painel de 12 metros de comprimento mostrando São Paulo, cidade que adotou. E, mesclando fotografia e pintura, ele pintou uma 'fotopintura' com uma vista noturna da fachada do Teatro Municipal, em 1911, onde seria realizada a Semana de Arte Moderna uma década depois. Esse trabalho também está na mostra.

Mulheres igualmente avançadas para sua época seguiram a trilha moderna de Valério e, antes que o novo século nascesse, elas já anunciavam a alvorada da modernidade. A carioca Abigail de Andrade (1864-1890) não viveu para ver o século 20 ou conhecer os modernistas, mas sua tela A Hora do Pão (1889), do ano da Proclamação da República, já carrega o embrião da pintura moderna de caráter social. Morreu com 26 anos, em Paris, onde se refugiou com o companheiro, um homem casado com quem teve uma filha (que, aliás, virou pintora, Angelina Agostini). Lá, morreu esquecida. Deixou como legado 50 telas.

E o que dizer do pintor Manoel Santiago (1897-1987), de Manaus, que, três anos antes da Semana de 22, pintou O Cosmo (1919), tela marcada pela abstração? Vale lembrar que ele foi mestre de Milton Dacosta e Pancetti. Sua tela, na exposição do MAM, mostra como os artistas fora do eixo Rio-São Paulo estavam antenados com o que se passava no mundo – e o italiano Eliseu Visconti (1866-1944), introdutor do impressionismo no Brasil, é um dos muitos exemplos históricos de artistas da mostra que se rebelaram contra a Academia para criar o novo. O MAM exibe dele um belo autorretrato de 1902, um ano depois de sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro.

'O Viioleiro', tela de 1899 pintada por Almeida Jr e com preocupações sociais Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Em arquitetura, muitos consideram o ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972) como o introdutor do estilo moderno no País (e dele a mostra tem maquetes de pioneiras casas modernistas dos anos 1920). Mas Aracy aponta para uma outra maquete, a da Estação Ferroviária de Mayrink, do arquiteto francês criado na Argentina e radicado no Brasil Victor Dubugras (1868-1933). Ele é tido por muitos como um precursor da arquitetura moderna na América Latina. Com justa razão: a estação ferroviária de Mayrink, construída entre os anos de 1906 e 1907, é considerada a primeira estrutura de concreto armado feita no Estado de São Paulo.

No modernismo, diz Aracy Amaral, “tudo é importado”. E justifica: “Somos todos imigrantes, importamos tudo”. E o discurso nacionalista que sempre acompanha as revisões históricas da Semana de 22 sai um pouco arranhado na exposição que será acompanhada por um catálogo com visões contrastantes sobre ela. Um dos textos dissonantes, assinado pelo jornalista e escritor Ruy Castro, critica o eclipse que apagou da história nomes atuantes na articulação da modernidade brasileira, não só do primeiro time como “alguns luminares, sem os quais a Semana não teria acontecido”. O poeta Guilherme de Almeida é um exemplo que ele cita.

Autorretrato (1902) de Elisei Visconti: introdutordo impressionismo entre nós Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando à mostra, há nela obras de nomes “oficiais” do modernismo, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Brecheret, peças que estiveram, inclusive, na Semana de 22, como Amigos (pastel de 1921), de Di Cavalcanti, ou retratos pintados no mesmo ano da histórica exposição, como o que Tarsila (ela não participou da Semana) fez de Mário de Andrade, um de seus articuladores. As curadoras conseguiram um feito inédito: trazer para o MAM o imenso painel (12 metros de comprimento) Eu Vi o Mundo...Ele Começava no Recife (1926-29) pintado pelo pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Uma obra frágil, técnica mista sobre papel colado em tela, pertencente a um colecionador particular, que viaja só para contar que a modernidade era brasileira, e não só paulista.

Entre os grandes nomes que emergiram na esteira do modernismo, e estão na mostra, destacam-se os de Flávio de Carvalho, Goeldi, Guignard, Ismael Ney, Lasar Segall, Lívio Abramo, Portinari e Raimundo Cela. 

A um ano das comemorações da Semana de Arte Moderna de 1922, o Museu de Arte Moderna de São Paulo antecipou a festa e abriu no sábado, 4, a exposição Moderno Onde? Moderno Quando? A Semana de 22 como Motivação, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros. À primeira pergunta do título, as duas curadoras respondem com um time de artistas de vários Estados brasileiros, para provar que o modernismo não foi um fenômeno exclusivamente paulista. À segunda, sobre a gênese do modernismo brasileiro, elas respondem que, antes de 1922, muitos artistas hoje esquecidos já desenvolviam um tipo de arte que fugia aos padrões acadêmicos e ousava tanto na escolha dos temas como na linguagem formal. Enfim, antes de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Brecheret, pintores, escultores, fotógrafos e arquitetos assinaram obras que passam batidas aos olhos de quem vê a antropofagia como o primeiro manifesto moderno brasileiro.

Um exemplo de vocação pré-moderna é o fotógrafo Valério Vieira (1862-1941), um dos artistas da mostra, montada de forma cronológica para que o público possa acompanhar a evolução da arte na virada do século 19 para o 20, que trouxe, segundo Aracy Amaral, um incontrolável impulso de renovação nos grandes centros urbanos – e não só São Paulo e Rio, que era a capital na época, mas em regiões como Amazonas e Pará. A arquitetura eclética desse tempo é uma prova de uma vontade de mudança, o que é possível notar nos prédios construídos principalmente no Rio e nas fábricas paulistas que começavam a receber os imigrantes europeus – e com eles, um anseio de assimilar o que a Europa tinha de melhor a oferecer. 

'Canaval em Madureira" ('1924), tela de Tarsila: ecos de Léger Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando a Valério Vieira, o fotógrafo, nascido em Angra dos Reis, foi um representantes do pictorialismo na fotografia com suas imagens experimentais. Em 1901, por exemplo, ele realizou uma fotomontagem com 30 personagens que ficou conhecida como Os Trinta Valérios – todos, evidentemente, replicando sua figura num sarau, inclusive os bustos e os quadros da sala. Quatro anos depois, Vieira produziu sua primeira experiência panorâmica, um painel de 12 metros de comprimento mostrando São Paulo, cidade que adotou. E, mesclando fotografia e pintura, ele pintou uma 'fotopintura' com uma vista noturna da fachada do Teatro Municipal, em 1911, onde seria realizada a Semana de Arte Moderna uma década depois. Esse trabalho também está na mostra.

Mulheres igualmente avançadas para sua época seguiram a trilha moderna de Valério e, antes que o novo século nascesse, elas já anunciavam a alvorada da modernidade. A carioca Abigail de Andrade (1864-1890) não viveu para ver o século 20 ou conhecer os modernistas, mas sua tela A Hora do Pão (1889), do ano da Proclamação da República, já carrega o embrião da pintura moderna de caráter social. Morreu com 26 anos, em Paris, onde se refugiou com o companheiro, um homem casado com quem teve uma filha (que, aliás, virou pintora, Angelina Agostini). Lá, morreu esquecida. Deixou como legado 50 telas.

E o que dizer do pintor Manoel Santiago (1897-1987), de Manaus, que, três anos antes da Semana de 22, pintou O Cosmo (1919), tela marcada pela abstração? Vale lembrar que ele foi mestre de Milton Dacosta e Pancetti. Sua tela, na exposição do MAM, mostra como os artistas fora do eixo Rio-São Paulo estavam antenados com o que se passava no mundo – e o italiano Eliseu Visconti (1866-1944), introdutor do impressionismo no Brasil, é um dos muitos exemplos históricos de artistas da mostra que se rebelaram contra a Academia para criar o novo. O MAM exibe dele um belo autorretrato de 1902, um ano depois de sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro.

'O Viioleiro', tela de 1899 pintada por Almeida Jr e com preocupações sociais Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Em arquitetura, muitos consideram o ucraniano Gregori Warchavchik (1896-1972) como o introdutor do estilo moderno no País (e dele a mostra tem maquetes de pioneiras casas modernistas dos anos 1920). Mas Aracy aponta para uma outra maquete, a da Estação Ferroviária de Mayrink, do arquiteto francês criado na Argentina e radicado no Brasil Victor Dubugras (1868-1933). Ele é tido por muitos como um precursor da arquitetura moderna na América Latina. Com justa razão: a estação ferroviária de Mayrink, construída entre os anos de 1906 e 1907, é considerada a primeira estrutura de concreto armado feita no Estado de São Paulo.

No modernismo, diz Aracy Amaral, “tudo é importado”. E justifica: “Somos todos imigrantes, importamos tudo”. E o discurso nacionalista que sempre acompanha as revisões históricas da Semana de 22 sai um pouco arranhado na exposição que será acompanhada por um catálogo com visões contrastantes sobre ela. Um dos textos dissonantes, assinado pelo jornalista e escritor Ruy Castro, critica o eclipse que apagou da história nomes atuantes na articulação da modernidade brasileira, não só do primeiro time como “alguns luminares, sem os quais a Semana não teria acontecido”. O poeta Guilherme de Almeida é um exemplo que ele cita.

Autorretrato (1902) de Elisei Visconti: introdutordo impressionismo entre nós Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo

Voltando à mostra, há nela obras de nomes “oficiais” do modernismo, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Brecheret, peças que estiveram, inclusive, na Semana de 22, como Amigos (pastel de 1921), de Di Cavalcanti, ou retratos pintados no mesmo ano da histórica exposição, como o que Tarsila (ela não participou da Semana) fez de Mário de Andrade, um de seus articuladores. As curadoras conseguiram um feito inédito: trazer para o MAM o imenso painel (12 metros de comprimento) Eu Vi o Mundo...Ele Começava no Recife (1926-29) pintado pelo pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Uma obra frágil, técnica mista sobre papel colado em tela, pertencente a um colecionador particular, que viaja só para contar que a modernidade era brasileira, e não só paulista.

Entre os grandes nomes que emergiram na esteira do modernismo, e estão na mostra, destacam-se os de Flávio de Carvalho, Goeldi, Guignard, Ismael Ney, Lasar Segall, Lívio Abramo, Portinari e Raimundo Cela. 

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