Já há três anos, a restauradora brasileira Regina Costa Pinto Dias Moreira, profissional que atua no Museu do Louvre, em Paris, realiza um trabalho em parceria com o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp, para restaurar obras do acervo. O mais recente, na obra Anunciação (cerca de 1600), do pintor grego Doménikos Theotokópoulos, mais conhecido como El Greco, acaba de ser concluído.
“A obra necessitava de uma intervenção de restauração da camada pictórica, que se apresentava com desgastes”, explica a restauradora, que já trabalhou em quadros de artistas como Manet, Poussin e Da Vinci. Segundo Regina, os danos foram causados por restauros feitos anteriormente na obra. “Foram consequentes de operações sucessivas de limpezas abusivas, com dissolventes inadequados, com repintes transbordantes e alterados sobre os diversos relevos e lacunas.”
Para executar o restauro, é necessário um trabalho não apenas técnico, mas com um estudo profundo sobre o pintor, suas pinceladas e outras obras feitas sobre os mesmos assuntos. “Trata-se de um trabalho de equipe, cuja colaboração interdisciplinar é indispensável para a boa compreensão da obra e boa execução do trabalho”, afirma Regina.
O restauro feito foi principalmente de ordem estética. “Para restabelecer a leitura da obra e uma melhor apreciação das cores e das formas”, explica. O processo é minucioso, lento e, principalmente, “discreto”, na opinião de Cecília Winter, responsável pelos núcleos de acervo, conservação e restauro do Masp. “Tem que ser o mais discreto possível”, ela diz. “É um trabalho ingrato. Se fica bom, ninguém percebe. Você tem que olhar a obra e ver o El Greco, e não a Regina.”
Winter explica que, hoje, muitos museus no mundo inteiro precisam restaurar obras não por sua deterioração natural, mas porque passaram por intervenções traumáticas. A de El Greco, possivelmente, é uma delas. “É uma tendência mundial, que a gente, infelizmente, não escapa. Nos anos 2000 houve uma revisão muito grande do que é, exatamente, o restauro”, ela conta. “Hoje acaba sendo um trabalho de refazer o que os restauradores dos anos 1970 e 80 fizeram, mais do que intervir nas obras. Há obras, por exemplo, que não eram para ter sido envernizadas e que foram.”
Outros restauros
O Masp é um museu privado, mas sem fins lucrativos. Os principais montantes para o restauro de obras vêm, basicamente, de doações, muitas delas por meio de programas de incentivo fiscal. O restauro da obra de El Greco, por exemplo, vem de um patrocínio da Fundação Scavarelli, que já há alguns anos é a responsável por trazer Regina ao Masp. Há ainda parcerias com a Braskem e o museu está em tratativas junto ao BNDES para aprovação final de um grande projeto de restauração, conservação e modernização do edifício e do acervo – a própria conservação do prédio é, também, uma medida preventiva para as próprias obras. Enquanto as doações específicas para grandes obras de restauro não chegam, no dia a dia do Masp, uma equipe de apenas duas pessoas trabalha na conservação e pequenos restauros de algumas obras. A verba para a equipe vem do orçamento anual do museu, que também vem, em grande parte, de doações.
Atualmente, a lista de obras na fila para restauro tem apenas trabalhos que a curadoria gostaria de expor, seja nos cavaletes de vidro do Acervo em Transformação ou em exposições temporárias. Segundo Winter, o museu busca um aporte para fazer uma reestruturação da área de restauro – para fazer um levantamento, peça por peça, nos mais de 10 mil itens do acervo do museu, para então ir atrás de gente especializada.
“Queremos conseguir um restaurador de papel, foto, madeira, metal, cerâmica. De pintura europeia e de pintura brasileira também, por conta das diferenças técnicas e complexidade dos materiais”, ela explica. “Para então criar uma ficha que vai olhar cada uma dessas obras, dando conta da especificidade de cada material e com índices que sejam transversais à toda coleção.” Segundo Winter, não há, no Masp, no momento, nenhuma obra que precise de restauro urgente ou corra risco de ser irreversivelmente danificada. Há, apenas, obras que precisam de restauro preventivo, antes que sejam danificadas, e outras que precisam de restauro por motivos estéticos, para uma melhor leitura do trabalho.
Atualmente, o Masp também tem conseguido realizar alguns restauros com o apoio financeiro de pessoas físicas, por meio da doação do imposto de renda. Com a campanha “Adote uma obra”, no ano passado foram arrecadados R$ 233 mil, que foram usados para restaurar O Escolar (1889), de Van Gogh, no próprio museu do artista, em Amsterdã. Com o dinheiro arrecadado em 2018, a próxima obra a passar por restauros será Retirantes (1944), de Cândido Portinari.
Por contar com a doação de muitas pessoas, a campanha para as pessoas físicas precisa apresentar, segundo Winter, obras de grande apelo popular, o que deixa muitas outras de fora. “Tem um Frans Post que a gente gostaria de restaurar, mas ficamos nessa dúvida, o que apresentar para conseguir ter uma atração maior? Para convencer cada doador, um Portinari funciona melhor.”