Às vésperas da comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, começa-se a discutir se realmente fomos modernos algum dia ou meros importadores de revoluções formais de outras latitudes. Contudo, um dos campos mais férteis da experiência moderna no Brasil foi a fotografia – e o advento dos fotocineclubes no País ajudou a consolidar novas linguagens e escolas. Nomes como os de Thomas Farkas e Geraldo de Barros são rapidamente lembrados como expoentes do fotoclubismo, mas outros fotógrafos atuantes no mesmo Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB) que formou essa dupla foram esquecidos. Resgatados do limbo pelo curador Iatã Cannabrava, eles ressurgem na mostra virtual Homens Trabalhando, da Galeria Almeida e Dale – há planos para uma montagem física da exposição em janeiro, diz o galerista Antonio Almeida.
A mostra pode ser vista no site da galeria (https://almeidaedale.com.br/pt/viewing-room.php) e reúne 54 fotografias de 35 fotógrafos, dos consagrados Eduardo Salvatore e José Yalenti a profissionais de igual estatura mas pouco conhecidos, como Antonio S. Victor e Nelson de Souza Rodrigues, ambos atuantes nos anos 1950 e ligados ao FCCB. A primeira versão da exposição, conta Cannabrava, teria apenas fotos noturnas, para evidenciar a proximidade do modernismo brasileiro com o mexicano e americano. Há ainda alguns exemplares na mostra virtual nessa linha, como a foto Último Passageiro (c.1950), do citado Nelson de Souza Rodrigues, que evoca o clima do cinema ‘noir’ americano com um homem encostado a uma árvore sob a luz de um poste. Ou Hors de Propos (c.1953), cena noturna em que um casal suspeito é observado por um guarda noturno de bicicleta com uma lanterna na mão.
Por que a fotografia, que nasceu política, evoluiu para o formalismo, pergunta Cannabrava, respondendo ele mesmo: “Por causa do apoio de grandes empresas que tinham interesse em vender seus produtos, como a Kodak”. O Foto Cine Clube Bandeirante, segundo ele, beneficiou-se das experimentações formais de seus associados, que ajudavam a atrair novos sócios e o interesse pela fotografia. O fotoclubismo foi um fenômeno nos anos 1950, num Brasil acometido pela febre modernista – a nova arquitetura de Niemeyer, a construção da nova Capital, a industrialização. “Os fotógrafos deixaram de ser provincianos com a prática do fotoclubismo”, observa o curador.
Há exemplos da empolgação pela arquitetura moderna na mostra, como a foto que inspirou o título da exposição, Homens Trabalhando (s/d), de Paulo Pires da Silva, visivelmente inspirada no fotógrafo norte-americano Charles Clyde Ebbets (1905-1978), que ficou famoso com a imagem de operários sentados numa viga de um arranha-céu em construção em Nova York (Lunch atop a Skyscraper, 1932). Ou do próprio Eduardo Salvatore, que presidiu o FCCB por quatro décadas e registrou modernos projetos arquitetônicos. Visionário, Salvatore aproveitou a estreita conexão entre os fotocineclubes internacionais para promover os profissionais brasileiros. Além disso, ajudou, segundo Cannabrava, a impulsionar a foto documental – há uma foto dele na mostra, Dois Polos, em que um padre e um militar aparecem separados por uma coluna.
Hoje, imagens desses profissionais custam uma pequena fortuna. Na mostra, a foto mais barata custa R$ 15 mil, chegando a R$ 100 mil no caso dos consagrados, segundo Antonio Almeida. Nesse Clube do Bolinha que era a FCCB, entraram algumas mulheres, como Maria Cecília Agostinelli e Bárbara Mors – esta mundialmente reconhecida e a primeira mulher a publicar uma foto no Boletim do clube, tendo obras nos acervos do Masp e do MoMA de Nova York.
“As fotos modernas estão cada vez mais escassas no mercado e sua valorização é grande”, observa Antonio Almeida, justificando sua aposta em nomes ainda pouco conhecidos que não estão em grandes coleções.