RIO - Apesar de o conselho que define a programação do Museu de Arte do Rio (MAR) ter deliberado pela vinda da exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira para a instituição, a exibição não será realizada, por decisão unilateral do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB). As discussões sobre a mostra abriram uma crise entre o museu, que é da prefeitura, e o executivo municipal, que a considera imoral.
As mostras do MAR, desde sua inauguração, em 2013, são decididas internamente e referendadas pelo seu conselho consultivo (Conmar). O conselho se reuniu nesta terça-feira, 3. Com assento no Conmar, a Secretaria Municipal de Cultura, após o encontro, informou que as tratativas para trazer a mostra, retirada de cartaz mês passado do Santander Cultural, em Porto Alegre, porque movimentos conservadores a acusaram de “promover zoofilia e pedofilia”, não foram adiante por conta da posição do prefeito.
Já o Conmar enviou nota informando que “é favorável à realização da exposição, bem como a de qualquer outra atividade que contribua para o exercício da arte como fundamento de nosso processo civilizatório”. O texto diz que o órgão lamenta “o modo como este debate tem sido inflamado por intensas polêmicas, que levaram a Prefeitura do Rio de Janeiro, por ser este um museu de sua rede municipal de equipamentos culturais, a solicitar a não realização” da mostra.
A nota termina dizendo que o Conmar recomenda que o museu, “cumprindo com sua função pública, promova, abrigue e amplie o debate e as reflexões em torno do papel da arte, das instituições e de toda a sociedade para a construção da diversidade e da produção de diálogos calcados na escuta e no respeito às diferenças.”
A secretaria enviou informe explicando que o “Conmar não é um conselho deliberativo e, como tal, não possui poder de veto ante decisões do Executivo Municipal, que já se posicionou claramente pela não realização de ‘Queermuseu’”. A nota da secretaria diz ainda que o Conmar objetiva “o estudo de políticas públicas, a elaboração de diretrizes de programação e estratégias de fomento de atividades a serem realizadas naquele equipamento cultural”, e, atendo-se a este escopo, não pode se voltar contra uma decisão do prefeito .
Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, que se posicionou em sua página na internet contra a exposição, quando de seu cancelamento pelo Santander Cultural. Consta do site um texto que diz que as obras – de artistas de relevo internacional e inconteste, como Candido Portinari, Lygia Clark, Alfredo Volpi e Adriana Varejão – continham “perversidades” e que, por esta razão, a exposição “causou uma revolta quase que generalizada, classificando o que chamaram de ‘obra de arte’ como algo imoral e abominável a qualquer pessoa, independentemente da crença ou opção sexual.” Desde que assumiu a prefeitura, Crivella vem sendo criticado pela parte da população por não apoiar o carnaval e a Parada do Orgulho LGBTQ, motivado por suas convicções religiosas.
Na segunda-feira, o prefeito disse que não permitiria a vinda da mostra: “A população do Rio é soberana e não tem o menor interesse em exposições que promovam zoofilia e pedofilia. Já conversei com a nossa secretária (de Cultura, Nilcemar Nogueira) e não há a menor chance”. Ele acrescentou que “o povo carioca” tem poder de veto em relação à “Queermuseu”.
No domingo, o prefeito já havia divulgado em suas redes sociais um vídeo em que mostra seis populares rechaçando a exibição. Em seguida, aparece Crivella, em tom debochado, dizendo: “Tá vendo? É por isso que aqui no Rio a gente não quer essa exposição. Saiu no jornal que ia ser no MAR. Só se for no fundo do mar. No MAR do Rio, nããão”.
No mesmo domingo, o MAR informara que a exibição seria discutida pelo conselho esta semana. “Museu nenhum do Brasil ou do mundo faria qualquer ação para estimular pedofilia ou zoofilia, precisamos ter cuidado com as interpretações distorcidas e com o uso político dessas polêmicas. Pelo contrário, museus e centros culturais são lugares onde mais se pensa em conteúdos voltados à formação e educação de crianças e adolescentes”, declarou o diretor cultural do MAR, Evandro Salles, ao jornal O Globo.
Na segunda, o museu informou, sobre as tratativas para a exibição, que “diante dos episódios motivados por discursos de ódio e atos de violência, como os que ocorreram no último fim de semana, a segurança apresentou-se como fator prioritário nesta discussão”.
Representantes de instituições culturais de diferentes estados e curadores divulgaram na segunda-feira uma carta pública à sociedade brasileira em que externam seu repúdio a ações orquestradas por movimentos conservadores contra exposições como a Queermuseu, e a Panorama da arte brasileira, em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Ambas as mostras vêm sendo alvos de ataques virtuais e até reais – no sábado, chegou-se à agressão física contra funcionários da MAM –, que se baseiam na premissa, contestada por artistas e curadores, de que elas atentam contra o Estatuto da Criança e do Adolescente. A carta é assinada por 73 pessoas, como Adriano Pedrosa, diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), Antônio Grassi, diretor executivo de Inhotim (MG), Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand, presidente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) e Ricardo Ohtake, presidente do Instituto Tomie Ohtake.
O texto sai em defesa da liberdade de expressão e afirma que “limitar e impedir artistas, curadores e instituições é uma clara política de retrocesso face ao processo histórico que implantou um estado democrático de direito no Brasil”.