Quando o instrutor lhe pediu para descrever sua vida em duas palavras, Walter Enriquez escolheu com cuidado: medo e violência. Ele passou décadas trabalhando como policial no Peru durante os dias mais sangrentos de conflito armado entre forças do governo e guerrilheiros que mataram quase 70 mil pessoas. Mas ele disse que nada poderia tê-lo preparado para o extremo isolamento e solidão que vêm com a quarentena. Tendo perdido um punhado de amigos e vizinhos devido à pandemia do novo coronavírus, o aposentado de 75 anos se voltou para os programas de arteterapia oferecidos pelo Queens Museum em Nova York para melhorar sua saúde mental.
“Não podemos sair e aproveitar nossas vidas como antes”, disse Enriquez. “Mas a arte nos ajuda a capturar o passado e reviver experiências positivas para superar a dor e a tristeza.” Toda quinta-feira, ele espera pacientemente no computador pelo início da aula. Por 30 minutos, ele mexe com lápis de cor, canetas e papéis na mesa dentro do apartamento de sua filha em Richmond Hill, Queens. E com essas ferramentas, ele cria cenas de sua vida com base em orientações de seu instrutor: retratos de sua mãe e amigos; imagens de Goya que lembram demônios de pesadelos representando doenças que, quando reproduzidas no papel, parecem menos ameaçadoras. Os participantes compartilham suas criações por meio do Zoom, usando desenhos e poesias (também parte das aulas) para discutir a vida antes e depois da pandemia. Como milhares de outros nova-iorquinos mais velhos, Enriquez aprendeu recentemente a usar a internet para se conectar com o mundo exterior. La Ventanita, uma das iniciativas do museu em resposta à pandemia de covid-19, oferece a ele a chance de socializar com outros falantes de espanhol por meio de aulas de arte guiadas sobre autoexpressão. “Antes do programa, eu me sentia muito sozinho, agora eu posso aprender a produzir arte”, disse ele, acrescentando que o programa fez renascer sua aspiração infantil de se tornar poeta por meio das instruções semanais que pedem para ele criar poesia com base em sua juventude. Embora os psicólogos reconheçam há muito tempo os benefícios da arteterapia, que décadas de pesquisas científicas sugerem que podem melhorar o humor e reduzir a dor, poucos museus americanos dedicaram recursos para a criação de programas com esse enfoque. Mas as demandas de um público em luto estão agora obrigando instituições culturais em todo o país a criar iniciativas conscientes do trauma que colocam suas coleções de arte e educadores na vanguarda de uma crise de saúde mental criada pela pandemia e pelos protestos mundiais contra a brutalidade policial e racismo após a morte de George Floyd. E diante de projeções de receita em queda, os líderes do setor dizem que não ficariam surpresos se os museus se voltassem para a arteterapia como uma nova fonte de receita ou outras oportunidades de financiamento. “A arteterapia geralmente é financiada pelas seguradoras”, disse Dina Schapiro, presidente assistente do Departamento de Terapia de Artes Criativas do Instituto Pratt. “Você já tem frequentadores entrando em museus e pagando uma taxa. Seria especialmente bom para pessoas que são resistentes aos locais tradicionais de terapia como um consultório.” Embora não planeje cobrar por esses programas, o Metropolitan Museum of Art está procurando começar a realizar iniciativas baseadas em arteterapia. “Estamos nos adaptando a uma nova realidade e estudando como podemos usar a história da arte para refletir sobre experiências compartilhadas de isolamento e trauma”, disse Rebecca McGinnis, coordenadora de educação para acessibilidade do museu. O Metropolitan Museum of Art planeja reabrir como um espaço seguro para os nova-iorquinos da mesma maneira que fez após os ataques terroristas de 11 de setembro. Os curadores estão começando a pensar em como as exposições podem ser organizadas de modo sensível e evitando desencadear mais dor nos visitantes. Rebecca também preparou uma lista de obras de arte que podem ajudar os visitantes a acalmar suas ansiedades após a pandemia, incluindo cenas de tranquilidade doméstica como The Laundress (1863), de Honoré Daumier; representações de resiliência como Street Story Quilt (1985), de Faith Ringgold, e memoriais aos mortos. No Museu de Arte Rubin, os funcionários começaram a fazer perguntas semelhantes à sua própria coleção de objetos tibetanos e nepaleses perfeitamente adequados para a arte da autocontemplação. Por enquanto, o museu planeja reiniciar seu podcast de meditação e direcionar alguns de seus programas de aprendizado para os afetados pela covid-19 com obras de arte pensativas, como uma estátua dourada da deusa hindu Durga no século 13. Adotando outra abordagem, o Museu de Arte de Cincinnati, em Ohio, planeja treinar mais de 100 docentes voluntários em técnicas de arteterapia que os ajudarão a receber visitantes quando o museu reabrir. O fato de os museus levarem a arteterapia mais a sério do que nunca se deve em grande parte a um programa no Museu de Belas Artes de Montreal que permite que os médicos prescrevam acesso gratuito a suas galerias. O museu também foi um dos primeiros na América do Norte a contratar um arteterapeuta em tempo integral em 2017. Stephen Legari, que assumiu o cargo, normalmente atende cerca de 1,2 mil participantes a cada ano, mas as demandas por seus serviços aumentam à medida que Montreal – o epicentro do surto do novo coronavírus no Canadá – reabriu estabelecimentos. “Durante a quarentena, você está olhando as mesmas coisas em seu apartamento todos os dias”, explicou. “A repetição está diminuindo sua capacidade de concentração. Por outro lado, museus são lugares de encantamento, beleza e admiração.” Katerine Caron ingressou no programa de arteterapia há cerca de três anos. Durante grande parte de sua vida, a escritora de 52 anos lidou com danos neurológicos e traumas graves depois de ser atropelada por um carro em alta velocidade enquanto passeava com seus filhos pela rua. Katerine aguarda ansiosamente as sessões de grupo de quarta-feira. Para ela, a terapia criou um espaço sem a pandemia para processar emoções difíceis. “Estou menos ansiosa e agitada”, disse. “Quando vejo obras de outros artistas, sei que não estou sozinha.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA