O historiador de arte, professor da USP e curador Tadeu Chiarelli assumiu a direção da Pinacoteca do Estado no último dia 6 de abril, pouco depois de a instituição ter anunciado o corte de 15% de seu orçamento para 2015 (de R$ 27 milhões para R$ 23,5 milhões) e demitir 29 funcionários. “O educativo era a área que mais me preocupava”, conta Chiarelli, que não participou, afirma, das decisões. “A crise foi conduzida de maneira objetiva e não emperrou o andamento da Pinacoteca”, avalia o novo diretor do “museu de arte mais antigo do Brasil”.
De fato, a instituição completa 110 anos em dezembro, efeméride que terá como destaque a realização de uma grande exposição com curadoria do próprio Chiarelli – programada para ser inaugurada em dezembro na Estação Pinacoteca. Em sua primeira entrevista à frente do museu vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, o historiador, que tirou licença de dois anos (renováveis) da Universidade de São Paulo para se dedicar ao cargo, fala sobre planos e desafios.
Você chega à Pinacoteca em uma nova situação de cortes. Quais suas preocupações em relação a esse processo?
O educativo era uma área que me preocupava mais. A equipe do museu fez um levantamento dos educativos de vários museus do Brasil e viu que a Pinacoteca estava muito acima da quantidade de educadores de outras instituições. A média nacional de educadores é em torno de 20, a Pinacoteca, com corte, ficou com 28. Se tinha um quadro de excelência, ela ainda está acima.
O que foi cortado, afinal?
Foram cortados 8 educadores; no setor de infraestrutura, foram demitidas 7 pessoas; e, no atendimento, foram cortados 14 profissionais. Já o que considero a alma do museu, os profissionais que cuidam da coleção, conservação e curadoria, foi possível preservar. O cronograma de exposições teve adaptações, mas nenhuma mostra foi cancelada. Transferimos para 2016, por exemplo, a exposição da Coleção Helga de Alvear (com curadoria de Ivo Mesquita, ex-diretor da Pinacoteca).
Como será sua linha de condução da Pinacoteca do Estado?
Tive uma sorte de o museu estar cumprindo 110 anos em 2015. Uma das minhas ideias é que, nos próximos anos, até 2017, uma das linhas do museu seja refletir sobre a importância que essa instituição teve para a história da arte brasileira. Vai ser lançada, no segundo semestre, a reedição do livro-catálogo Projeto Construtivo na Arte Brasileira. Sou testemunha histórica dessa exposição (de 1977) que a Aracy Amaral (ex-diretora do museu) organizou. Queremos fazer uma série de encontros e ampliar a discussão com exposições.
Qual outra grande contribuição da Pinacoteca para os estudos?
Outra contribuição foi a do Emanoel Araujo (também ex-diretor do museu). De tudo o que ele fez para a Pinacoteca, um dado que acho muito significativo foi como ele ampliou a coleção de artistas de origem africana no Brasil. E é meu papel trabalhar com a ampliação do acervo. Comprar obras de Sidney Amaral e Jaime Lauriano (na feira SP-Arte) sinaliza a tentativa de ampliar o trabalho desenvolvido pelo Emanoel. E pensar uma exposição que reveja essa coleção e mostre para o público essas novas aquisições. O debate sobre o papel dos afrodescendentes no Brasil está em pauta. Com esse projeto, a instituição faz uma revisão de si mesma e se coloca no debate público. Pretendo fazer isso com a mostra dos 110 anos, trazer essa revisão dos artistas afrodescendentes. Vamos iniciar também uma averiguação do curto e conturbado período em que a (artista) Tarsila do Amaral dirigiu o museu.
Você pretende mudar a exposição permanente do acervo?
Nas salas onde ocorrem o diálogo entre acervos da Pinacoteca com outros museus, já está prevista para outubro uma exposição com obras do Museu Paulista, que está em reforma. É um projeto encampado nas comemorações dos 110 anos da Pinacoteca porque ela surgiu do Museu Paulista. Acho que é uma mostra que vai redimensionar a própria coleção da instituição. As exposições de longa duração têm de ser garantidas.
Como avalia a realização da exposição do escultor Ron Mueck no ano passado, recorde de visitação da Pinacoteca?
Foi uma grande oportunidade de atração de um público que nunca tinha vindo à Pinacoteca. O que ainda não tive tempo de avaliar é como o museu aproveitou essa experiência.
É uma nova demanda promover exposições de apelo popular?
Todos museus têm uma demanda de atração de público, mas não acho que o Ron Mueck possa ser desqualificado. Ele é um artista consagrado dentro de uma lógica que não é hegemônica do Brasil, a construtiva. É muito legal você fazer uma exposição do Sean Scully, da Bridget Riley, grandes artistas que apontam para uma vertente da arte, mas o papel do museu é só reforçar uma vertente? Adoraria montar aqui uma exposição do polêmico fotógrafo David LaChapelle, que todo mundo diz que fica entre o kitsch e a publicidade. Ele traz possibilidades para que se repense certos paradigmas da fotografia que se produz hoje no Brasil. Outro artista que adoraria trazer para cá é o Jeff Koons. Contemplar também o contradiscurso da arte brasileira. Mas não consigo deixar de ver nenhuma exposição internacional dessas sem conexão com o acervo.
Qual seria uma prioridade nesse momento para o museu?
Precisamos de espaço, sobretudo, porque temos uma parte do acervo em reservas técnicas particulares. O ideal é que a instituição sempre tenha seu acervo consigo. Um novo edifício, como o projeto da Pinacoteca Contemporânea, que fica agora em suspenso, teria uma reserva incluída. O museu tem, por meio de seus patronos, uma estrutura para adquirir obras, mas precisa de uma reserva maior para sua coleção, que tem em torno de 10 mil peças.
Sobre os comodatos, como os realizados com as coleções Nemirovsky e Roger Wright, é necessário ir atrás de outros acervos para preencher lacunas da Pinacoteca em seu projeto de criar uma narrativa da arte brasileira desde o século 19?
Acreditar em lacunas é acreditar em uma história da arte linear, o que não é meu caso. Mas uma atitude profissional é respeitar quem veio antes de você. É preciso respeitar, estudar, criticar a narrativa consolidada no museu, mas não serei eu quem vai mudá-la. A Pinacoteca tem uma obra de Ismael Nery. Acho uma lacuna por ele ser um artista de uma poética extremamente significativa. Há também pouco Volpi na coleção.