Ângelo Venosa faz sua primeira exposição na Galeria Nara Roesler (até 26 de março) exibindo, em Giusè, três séries de obras que não excluem a pintura, técnica pela qual ficaram conhecidos os representantes da chamada Geração 80, à qual pertence Venosa, que frequentava as aulas do Parque Lage, no Rio, quando esse termo foi cunhado há 30 anos. Ele é um dos poucos escultores dessa geração. Consagrado em mostras internacionais – Bienal de São Paulo (1987) e Bienal de Veneza (1993) – Venosa não se acomodou. Sintonizado com as novas tecnologias, ele surpreende ao exibir peças de pequenas dimensões – ele, que sempre foi associado ao formato pantagruélico – feitas com a ajuda de uma impressora 3D.
Ela é uma das três séries da mostra, que tem mais de 20 peças. As outras duas são diferentes tanto em dimensões como no aspecto morfológico. Na primeira, sólidos concebidos em camadas saem diretamente da parede ou do chão agregados a um suporte bidimensional, assumindo um aspecto híbrido entre pintura e escultura. Na outra, grandes exoesqueletos formados por camadas de compensado presas por parafusos evocam as estruturas rígidas de suas primeiras esculturas, com a diferença de que elas não são mais revestidas por tecido, espuma ou resinas. Restou a “pele” desses corpos orgânicos.
referenceVenosa trabalha há dois anos com a impressora 3D. Não estava bem certo se deveria ou não mostrar os primeiros resultados dessa experiência, peças de inaudita morfologia, entre o orgânico e o artificial, que incorporam os erros de processamento – os “stringings”, em que filetes de camadas saltam das peças como fios da pele do coco, exibindo com desconforto a imprecisão do processo tecnológico e a força do acaso. Venosa, além de descobrir a escala diminuta, liliputiana, ficou fascinado pela possibilidade de brincar com essa “imperfeição” do mundo tecnológico, obcecado pela certeza, pelo impecável.
Outra grande inversão nesse processo foi a série de exoesqueletos feitos de compensado em grande formato. A escultura que vem imediatamente à memória do espectador é a de sua popular Baleia (1990), primeira obra pública do artista, instalada na praia do Leme, Rio de Janeiro. Foi essa ‘Baleia’ (o título é o apelido dado a ela) que despertou em Venosa a possibilidade de explorar o interior dos volumes de suas esculturas. No caso extremo da série agora exibida, a ossatura vira pele, constituindo uma estrutura rígida de placas de madeira rigorosamente iguais. “De maneira curiosa, isso me fez voltar ao começo de carreira, revelando um DNA da forma”, diz o artista, associando, por contraste, a série com pequenas peças feitas com a impressora 3D.
Essas peças foram reunidas pelo escultor em vitrines separadas cobertas por uma cúpula, o que dá a elas um aspecto de gabinete de curiosidades contemporâneo. “Achei que isso favorecia a ideia de um universo fechado, envelopado, em que você se insere num ambiente liliputiano”, observa, evocando um clássico do cinema de ficção, O Incrível Homem Que Encolheu, a história de Scott, atingido por uma estranha nuvem brilhante durante uma viagem de barco, que o reduz ao tamanho de um inseto. Curiosamente, outro artista que o antecedeu na galeria, o uruguaio Marco Maggi, convidava igualmente o visitante a entrar nesse universo por meio de cidades imaginárias de papel filetado com precisão cirúrgica, criando o mesmo ambiente intimista proposto por Venosa, que vai na contramão do espetacular, da dimensão macro das obras de arte contemporâneas.
Filho de marceneiro, desde cedo Venosa exercitou seu talento esculpindo a madeira. “Fui educado dentro da escala real do objeto, aquela coisa modernista, mas descobri que não existe uma escala ótima, perfeita”. O crítico Ronaldo Brito, ao comentar há 30 anos os “seres estranhos” criados em grandes dimensões por Venosa, escreveu que essa fantasmagoria decorria do confronto do escultor contemporâneo com as formas modernas, que ainda buscavam o equilíbrio, a harmonia. Ao modelar pequenas formas com gestos rápidos e criar um modelo tridimensional com a ajuda do computador, Venosa descobriu que era possível desmontar esse modelo e reinterpretá-lo, um salto evolutivo que alia o mecânico (a impressora 3D) à criação, que resulta de um acidente, da transfiguração da matéria – a aparência das pequenas peças não é a de uma obra feita de plástico, mas de algo orgânico de difícil identificação.
De maneira arbitrária, é possível associar a escultura de Venosa à tradição moderna da surrealista Maria Martins ou de Arp, mas será difícil encontrar entre os contemporâneos alguém que estabeleça um diálogo com suas esculturas. Basta lembrar que, em 1993, na Bienal de Veneza, Damien Hirst era o antípoda do artista brasileiro (no referente ao cinismo do artista britânico). Venosa mostrou ossadas de boi espalhadas pelo chão. Hirst exibiu suas vacas fatiadas (Mother and Child Divides). A matéria, em Venosa, conservava seu mistério. No caso de Hirst, ela era apenas veículo para um espetáculo efêmero.GIUSÈ/ÂNGELO VENOSA Galeria Nara Roesler. Avenida Europa, 655, telefone 3063-2344. 2ª a 6ª, 10h às 19h; sáb., 11h às 15h. Grátis. Até 26/3.