THE WASHINGTON POST - Passe bastante tempo no TikTok e você certamente encontrará alguém postando sobre a “vibecession”, termo que se popularizou nos Estados Unidos para descrever uma situação em que as opiniões e percepções negativas sobre a economia não batem com os dados reais.
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Histórias sobre aumentos nos preços dos alimentos ou do aluguel pintam um quadro sombrio de uma economia que, na verdade, está funcionando bem. Alguns usuários preocupados com a inflação vão muito além, publicando números enganosos para defender a ideia de que os EUA mergulharam em uma “Depressão [termo que se refere à Crise de 1929] silenciosa” que rivaliza com qualquer recessão na história americana.
Uma simples olhada nos materiais documentais da década de 1930 - as filas de pão, os campos de trabalho, as imagens de fileiras de miséria enquanto os migrantes fugiam do Dust Bowl para encontrar emprego no Oeste - deveria jogar água fria nessa teoria. Uma fotógrafa, Dorothea Lange, foi responsável pelas mais emblemáticas dessas imagens, fazendo a ponte entre a experiência individual e a história nacional.
O trabalho de Lange inclui algumas das fotografias mais cruas da história americana, imagens que transmitem o ônus da Crise de 1929 com mais clareza do que qualquer gráfico. Os alarmistas que comparam a retomada atual com a da Grande Depressão esperam poder reivindicar o nível de desespero que os retratos de Lange tornaram tão vívido.
No entanto, apesar de toda a sua autoridade moral, o trabalho de Lange também foi um vetor de manipulação e propaganda. Dorothea Lange: Seeing People (”Dorothea Lange: Vendo Pessoas”) uma exposição em exibição na Galeria Nacional de Arte, em Washington, mostra como a artista explorou o retrato e desenvolveu a emergente modalidade documental. Uma forte corrente de pensamento mostra como Lange ajudou a estabelecer e reforçar as narrativas oficiais sobre a resiliência da era da Crise de 1929 e a economia no tempo de guerra.
A exposição Seeing People, habilmente montada pelo curador da Galeria Nacional, Philip Brookman, segue em ordem cronológica ao longo da vida de Lange. Começa com seu trabalho como retratista na Bay Area, em São Francisco, para onde ela se mudou, ainda jovem, de Nova York e se juntou a um grupo de fotógrafos que incluía Imogen Cunningham e Consuelo Kanaga.
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Brookman identifica o interesse de Lange pela justiça social por meio de suas fotos, incluindo um retrato brutal do líder do sindicato dos marinheiros Andrew Furuseth, com seu rosto esculpido capturado de perfil. Lange tinha o olhar de um romancista para os detalhes: Stenographer with Mended Stockings, San Francisco, California (1934) (Estenógrafa com meias remendadas, São Francisco, Califórnia) concentra-se nas texturas góticas das meias surradas de uma mulher, omitindo seu rosto.
Mesmo pessoas que nunca entraram em um museu reconhecerão Human Erosion in California (1936) (Erosão humana na Califórnia), uma das imagens mais poderosas do século passado. A foto captura uma mulher envelhecida olhando para a distância enquanto segura suas três filhas, em um abraço digno de uma pintura renascentista de Madonna com uma criança.
O tecido desgastado de sua blusa e as linhas de preocupação enrugadas em sua testa contam uma história assombrosa de incerteza. Conhecida como Migrant Mother (Mãe Migrante) desde sua primeira publicação, a fotografia de Lange pertence à rara categoria de retratos que ajudam as pessoas a se conectarem tanto com a arte quanto com a história.
No entanto, Migrant Mother não é um documento imparcial, não da maneira como os espectadores podem entender uma imagem jornalística hoje. Em 1935, Lange começou a trabalhar com a Administração Federal de Reassentamento, mais tarde reorganizada como Administração de Segurança Agrícola.
Migrant Mother rapidamente surgiu como um totem para o New Deal, evocando não apenas compaixão por sua personagem sem nome, mas também apoio às políticas destinadas a aliviar o sofrimento dela. Para uma retratista, Lange tinha um poder imenso, capturando a história da Crise de 1929 e, ao mesmo tempo, orientando a percepção do público sobre a reação do Presidente Franklin D. Roosevelt.
A apresentação de Brookman coloca o toque hábil de Lange em primeiro plano. Uma imagem cortada em close de uma figura em uma manifestação em 1934 enquadra uma faixa que diz “Feed us!” (”Alimente-nos!”). - uma composição compacta com toda a carga da pintura revolucionária de Eugène Delacroix Liberty Leading the People (1830).
Em um retrato para a revista Fortune, Lange aproveita um momento entre uma mulher negra e um homem branco perto dos estaleiros; atrás das figuras em Street Encounter, Richmond, California (1943) (Encontro na rua, Richmond, Califórnia), a artista enquadra uma placa que diz “Serve Yourself” - cortada em “Serve You” (”Servir Você”). As fotografias mais conhecidas de Lange são pungentes, mas seu trabalho também pode ser ácido.
Embora Lange estivesse trabalhando em um estilo entre o retrato e o fotojornalismo, ela estava sempre atenta à forma. Uma captura dinâmica de sombras lançadas por trabalhadores da construção de estaleiros em End of Shift, Richmond, California (1942) (Fim do turno, Richmond, Califórnia) ajudou a enviar a mensagem de que os Estados Unidos estavam voltando ao trabalho.
Dispossessed Arkansas farmers. These people are resettling themselves on the dump outside of Bakersfield, California (1935) (Fazendeiros despossuídos do Arkansas. Essas pessoas estão se reassentando no lixão nos arredores de Bakersfield, Califórnia) mostra evidências de Burning (“queima”), uma técnica de câmara escura para tornar parte de uma imagem mais escura (para fins de composição, nesse caso). Burning e “dodging” ainda são os nomes das ferramentas que os artistas usam para manipular a luz e a escuridão no Photoshop atualmente.
A apresentação de Brookman coloca o trabalho de Lange em seu devido contexto político. Depois que Roosevelt assinou a Ordem Executiva 9066 em 1942, autorizando a remoção de 120 mil nipo-americanos para campos de encarceramento, Lange foi contratada pela Autoridade de Realocação de Guerra para documentar o processo. As fotografias tipicamente empáticas da artista - entre elas Japanese American-Owned Grocery Store, Oakland, California (1942) (Mercearia de propriedade de nipo-americanos, Oakland, Califórnia) - nunca foram exibidas durante a guerra.
A própria Lange sofria de certas formas de miopia cultural: Hopi Man, Arizona (1923) e outras fotografias iniciais de indivíduos sem nome correm o risco de apresentar os povos nativos como um tipo, não como indivíduos.
Florence Thompson, a mulher retratada em Migrant Mother, só foi identificada décadas mais tarde, depois que ela reclamou da imagem; a história de Thompson, filha de pais cheroquis, nascida em território indígena e forçada a sair de Oklahoma por causa da desapropriação de terras indígenas pelo estado, tinha pouca semelhança com o sofrimento que Lange foi encarregada de encontrar.
A Galeria Nacional não deixa de impor sua própria sensibilidade política ao trabalho de Lange. O museu alterou vários títulos usados por Lange para aplicar ideias modernas sobre linguagem. Former Slave, Alabama (Ex-escrava, Alabama) é exibida como Formerly Enslaved Woman, Alabama (1938) (Mulher anteriormente escravizada), por exemplo. “Negro” (termo que, no inglês, é considerado pejorativo) também foi alterado para “Black” em toda a obra.
Essas são edições pequenas e justificáveis que, no entanto, ilustram como os fatos mudam com o tempo, distorcidos pelo consenso e, posteriormente, pela história. Tanto naquela época quanto agora, a verdade é um reflexo da edição.
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