Dos 11 projetos arquitetônicos expostos na mostra Ocupação Paulo Mendes da Rocha, que será aberta na quarta-feira, 12, no Itaú Cultural, nove jamais saíram do papel. Isso diz muito sobre o Brasil e a falta de interesse dos governantes em viabilizar projetos visionários. Todos esses projetos nunca foram expostos aqui. Foram vistos apenas na Bienal de Veneza há 18 anos, ou seja, na cidade que inspira Mendes da Rocha e concedeu ao arquiteto, que completa 90 anos em outubro, o Leão de Ouro da mostra internacional (em 2016). Foi um dos muitos prêmios recebidos em sua longa carreira, entre os quais se destaca o Pritzker, em 2006.
Assertivo, o arquiteto capixaba liga pouco para prêmios e mais para os projetos que realizou ou vai deixar como legado. Pensa como Camus: “Criar é também dar uma forma ao destino”. Ou, nas palavras do próprio arquiteto, “os meus são projetos de risco, são para ser discutidos”. De fato, os 11 projetos da Ocupação são mesmo radicais, de um aquário em Santos sem muros nem grades (projeto de 1991) a uma piscina elevada na Praça da República (de 2001), em São Paulo, passando por um porto fluvial no Tietê (1990).
“Paulo pensa a arquitetura como intervenção na natureza, ele é a contracorrente do mainstream”, define o curador da mostra, o também arquiteto Guilherme Wisnik, que reuniu mais de 100 itens – entre maquetes, desenhos e filmes – no primeiro andar do Itaú Cultural que têm como tema comum a água. Filho de um engenheiro atuante na área de recursos hídricos e nascido numa cidade portuária, o arquiteto sempre usou o porto como ponto de partida – daí a presença de projetos relacionados à água na mostra, seja a baía de Vitória (projeto de 1993) ou a baía de Montevidéu (1998).
Mesmo na aridez de uma metrópole como São Paulo, ou até por causa dela, seus projetos na cidade têm a água como elemento essencial. O da Praça da República, no centro, prevê a instalação de uma piscina pública suspensa e uma praia urbana sustentada por pilares. No único projeto paulistano concluído, entre os 11 expostos, o Sesc 24 de Maio, uma gigantesca piscina ocupa o topo do edifício, lavando a alma do deteriorado centro da cidade.
Mendes da Rocha, antes de tudo um artista, é autor do projeto de reforma da Pinacoteca do Estado e do Museu da Língua Portuguesa. Projetou ainda o Museu Brasileiro da Escultura e o Pórtico da Praça do Patriarca, entre outros marcos arquitetônicos. O primeiro é uma bela escultura minimalista. O segundo, obra polêmica, desafia o olhar conservador com um design futurista.
“Os projetos do Paulo são de grande escala, mas não utópicos, delirantes”, observa o curador. Wisnik diz que ele é um visionário ‘avant la lettre’. Seus projetos não perdem a validade e estão à frente do seu tempo. “O do porto fluvial nas águas do Tietê discutia ecologia e sustentabilidade já em 1980, quando nem se falava disso”, conclui Wisnik.
Mendes da Rocha, a respeito, revela que o projeto da cidade, que seria a nova capital de São Paulo, teve resistência até do amigo Villanova Artigas (1915-1985), um dos gigantes da ‘escola paulista’, caracterizada por uma arquitetura limpa (nascida do brutalismo europeu) e socialmente responsável. A cidade do Tietê, que não saiu do papel, é um exemplo. Projetada como um porto fluvial, ela interligaria a rede rodoviária à ferroviária, compondo um sistema intermodal de transporte de carga que desenvolveria a região. “Como o projeto estava ligado a Maluf, disposto a imitar Juscelino e Brasília, Artigas encostou na parede e eu entendi o seu gesto de desaprovação”. Ele entendeu, mas não desistiu. Não gosta de Brasília e novas capitais, mas uma cidade como a do Tietê ainda provará que o rio, definitivamente, não está morto.