Primeira exposição individual do artista norte-americano no Brasil, Peter Halley: Novas Pinturas cumpre, de fato, o que anuncia. São decididamente novas as “shaped paintings” produzidas pelo pintor entre o ano passado e este, em plena pandemia. Primeiro, porque renovam o procedimento formal da própria pintura de Halley. Segundo, porque têm algo a acrescentar aos primeiros exemplos dessa série iniciada em 2018, como bem observou o crítico e curador Richard Milazzo a respeito das cinco pinturas que Halley mostra em São Paulo a partir desta quarta, 10, na Galeria Millan.
Ainda que seja pouco conhecido aqui, Peter Halley, pintor maduro de 68 anos, tem uma longa carreira, marcada especialmente pela emergência do neoconceitualismo nos anos 1980, movimento que tinha entre seus integrantes o hoje famoso Jeff Koons. Mas ao contrário de Koons, que conseguiu sua primeira individual graças a Halley, o pintor – associado ao movimento Neo Geo – não foi atraído pela arte paródica. Professor e teórico, ele preferiu seguir o caminho da abstração, influenciado pelas telas de Barnett Newman e Ellsworth Kelly. Entre a pintura existencialista do primeiro e a “hard-edge” do segundo, ele criou uma obra que sintetiza o modo de viver do mundo pós-industrial, cercado por circuitos eletrônicos e o “huis clos” da alta tecnologia.
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Halley é, antes de tudo, um intelectual que pensa o contemporâneo como esse circuito fechado, que pode se abrir com uma nova postura diante da mecanização e um senso cromático incomum – sua pintura usa cores fortes, fluorescentes, que refletem a intensidade dos centros urbanos, normalmente recorrendo à figura do quadrado (como Malevitch e Albers no passado) para explorar sua expansão em termos arquitetônicos. Resumindo bem: células e conduítes representam os elementos estruturais de uma sociedade vista como um diagrama pictórico nas telas do norte-americano.
Integrante de uma família judia nova-iorquina altamente intelectualizada (de Carl Salomon aos tios editores que publicaram os primeiros livros de William Burroughs e Philip K. Dick), Halley não podia fugir à tradição. Em seus textos teóricos é possível ouvir ecos distantes de Barthes, Foucault e Baudrillard, também usados como modelos para pintar suas telas com cores sintéticas que replicam circuitos muito semelhantes aos eletrônicos – e evocam igualmente a estrutura arquitetônica de prisões, pois sua pintura geométrica alude aos espaços criados pela sociedade para confinar e isolar os “desajustados’.
Por vezes, as telas são pequenas demais para a ambição de Halley. Por isso, entre maio e agosto deste ano ele apresentou no Museo Nivola, em Orani, Sardenha, um megaespetáculo pictórico chamado Antesteria, instalação que ocupou as paredes do museu italiano como uma capela. A obra fala sobre a corrupção e a redenção da alma, não esquecendo o Juízo Final, lembra Milazzo.
Não deixa de ser irônico que Haley pinte tanto a prisão contemporânea como esse espaço da transcendência com cores brilhantes – “comerciais” mesmo, como observa Milazzo. Ele diz que a “estética” subversiva de Halley e o raciocínio por trás dela incorporam o social ao sublime de Matisse (ele escreveu uma tese de graduação sobre ele em Yale). E está correto.