Pela primeira vez desde a sua morte, em 1984, o pintor impressionista paulista Durval Pereira ganha uma grande exposição retrospectiva de sua carreira, que, depois de passar por Recife e Ouro Preto, chegou ontem ao Memorial da América Latina, em São Paulo. A mostra Durval Pereira – Impressões Brasileiras é realizada no ano do centenário de nascimento do artista, uma das muitas coincidências que envolvem a exposição.
A história começa no Recife e é cercada de nostalgia. Provável maior colecionador de Durval Pereira, o advogado Hebron Oliveira teve o seu primeiro contato com o pintor ainda na infância. “Meu pai viajou ao Rio de Janeiro a trabalho e viu um quadro de Durval Pereira numa galeria. Gostou e comprou”, relembra. “O quadro ficou na sala da nossa casa, cresci vendo ele.” Anos depois, numa viagem a Campos do Jordão, há cerca de sete anos, foi a vez do próprio Hebron encontrar, ao acaso, um quadro do pintor num antiquário. A partir dali, começou a buscar na internet leilões de quadros do artista. “Comecei a pensar que a coleção valia um projeto, uma exposição. Nunca consegui entender o motivo de ele ser tão esquecido pela História da Arte.”
O advogado, então, saiu à procura da família de Durval, até chegar ao nome de seu neto, Carlos Eduardo, que ficou incrédulo, de início. “Pensei que era piada. Achei que era uma loucura e não dei muita atenção”, confessa Eduardo, que hoje vive fora do País. Após ser convencido por Hebron, ele foi a Recife e os dois começaram um trabalho de certificação das obras, que contou com ajuda virtual de outros parentes de Durval. Mais de 70 foram identificadas como falsas e destruídas, para evitar que voltassem ao mercado. “Foi emocionante, muitos dos quadros nós conhecíamos, havia quadros que ficavam na parede da minha casa”, relata Eduardo.
O neto de Durval era o único membro da família que vinha, ao longo dos anos, tentando resgatar o trabalho do pintor, com um site na web, feito por ele em 2006. Eduardo explica que a morte do avô, em 1984, foi traumática para a família e até hoje o assunto Durval Pereira é delicado. O pintor, que nunca gostou de lidar com galeristas e marchands, teve um enfarte fulminante ao receber a notícia de um importante prêmio vencido fora do Brasil, La Madonnina di Milano. Por conta de tudo isso, a família não conseguiu administrar o patrimônio e as obras restantes do artista, uma possível explicação para o seu “esquecimento”. “Foi complicado para a minha família. Falar de Durval Pereira sempre foi algo desgastante”, diz Carlos Eduardo. “Coletar os depoimentos para a exposição foi difícil, ainda é um choque.”
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Para montar a exposição de Durval Pereira, o curador Lut Cerqueira teve que desenvolver um trabalho também de historiador, por conta da pouca literatura sobre o pintor. “Foi uma colcha de retalhos”, diz. De início, trabalhou com pouquíssimas informações sobre o pintor, mas, ainda assim, conseguiu convencer alguns espaços a receber a exposição, mesmo sem terem ouvido falar em Durval. Segundo ele, foi o próprio pintor, por meio de sua obra, que conseguiu o feito. “Ninguém sabia quem era Durval Pereira, mas, quando eu mostrava seus trabalhos, ficavam impressionados.” Só depois de quase um ano de projeto, Carlos Eduardo veio ao Brasil e a exposição foi completamente revista.
Um outro fator que também explica o esquecimento de Pereira foi a sua forte produção voltada para o exterior – o pintor tem até mesmo um quadro no acervo da Casa Branca. “Uma coisa que muitas pessoas questionam é como ele conseguiu fazer tanto sucesso lá fora. Ele foi esperto, construiu sua carreira num momento em que o Brasil estava sendo descoberto lá fora como um destino”, explica Lut Cerqueira. “Em seus depoimentos, os filhos dizem que ele recebia a rainha Silvia, da Suécia na varanda de casa.”
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Apesar de o Brasil já estar vivendo a sua fase modernista, quando Durval Pereira começou a pintar, seguiu o estilo de grandes mestres do impressionismo. Sua obra é inspirada principalmente por suas viagens. Não por acaso, três núcleos da exposição exploram bem essa questão. Um deles mostra os casarios de Minas Gerais – principalmente de Ouro Preto, cidade pela qual era apaixonado; outro traz paisagens rurais; e um terceiro conta com cenas litorâneas e de marinha – alguns quadros revelam um interesse por naufrágio. A exposição se completa com núcleos de natureza-morta e de um início de abstracionismo. “Ele era um artista comercial e pintava o que sabia que iria vender. Houve uma demanda por arte abstrata e natureza-morta, coisas que ele não gostava”, explica o curador.
Além de suas obras, um setor inicial da mostra vai relembrar a vida pessoal de Durval e seus muitos prêmios. Segundo Cerqueira, são tantos prêmios que muitos ficaram de fora. Para completar a exposição, o curador selecionou uma obra que ficará deitada, para o público ver de perto os níveis de pincelada do artista. “As obras dele não são feitas para serem fotografadas, não dá a dimensão. Não é uma obra para ser vista em catálogo.”