Abraços voluptuosos e roubados, violência e prazer se misturam, como eros e pathos.
Restaurada em cada uma de suas partes – em uma operação sem precedentes – volta à vida após dois mil anos a “carruagem da noiva” encontrada em 2021 no Parque Arqueológico de Pompeia, no pórtico da vila de Civita Giuliana, a mesma onde apareceram os corpos de dois fugitivos. A restauração foi documentada de maneira exclusiva pela ANSA.
“Um trabalho extraordinário que recupera um artefato único no mundo”, destaca o diretor-geral dos Museus do Ministério da Cultura, Massimo Osanna, que apresentará a peça ao público na mostra “O instante e a eternidade” que será inaugurada em Roma no próximo dia 4 de maio nas Termas de Diocleziano.
Já o ministro da Cultura, Gennaro Sangiuliano, afirmou que essa é uma “pérola que demonstra a unicidade do nosso patrimônio” e que também é uma “coroação de um esforço que viu atuar juntos o Parque Arqueológico de Pompeia, a Procuradoria da República de Torre Anunziata e os carabineiros do Comando para a Tutela do Patrimônio Cultural”.
Escapando por um fio de cabelo dos ladrões de túmulos, que procuravam por essa peça há anos e que quase a encontraram escavando túneis próximos à luxuosa vila na entrada de Pompeia, essa carruagem chamada de “pilentum” pelos romanos, era conhecida por conta das imagens vistas em mosaicos e baixos-relevos e também pelas histórias mostradas nas fontes antigas.
Lívio, Virgílio, Claudiano falavam sobre ela e a associavam aos cultos femininos e descreviam seu esplendor e conforto.
A restauração, após uma delicada escavação, levou cerca de um ano e precisou usar telescópios manuais, em uma equipe liderada pelo time de Emiliano Africano.
“É mais do que uma carruagem luxuosa. Um veículo reluzente de bronze e prata, que encanta. E é incrível que Pompeia tenha essa capacidade de paralisar o tempo por um momento”, destaca ainda Osanna.
E, apesar do uso inevitável de itens modernos, como a madeira nova utilizada no local daquela que acabou sendo destruída pela passagem o tempo, além de elementos de conexão para manter as partes que faltava, ela ainda tem os detalhes de uma máquina de dois mil anos atrás, com sua complexidade e delicadeza.
Sem falar do baú de lenha pintado – bastante estreito – e literalmente coberto de metais reluzentes, de grandes e pequenos medalhões com cenas eróticas muito cruas, imagens de amor e figuras femininas, uma miríade de decorações refinadas e, às vezes, microscópicas espalhadas por toda parte, desde o fundo de bronze até as pinhas que arrematavam as pontas dos cubos.
Tudo foi restaurado em um trabalho artesanal refinado, incluindo as bobinas de ferro onde se enrolavam as cordas – que se imagina sustentavam o corpo da carruagem um pouco como um berço, de modo a oferecer aos que nela viajavam o conforto de um andar calmo.
E depois o encosto do assento do qual hoje só resta o esqueleto de ferro, mas que é fácil imaginar forrado de couro e almofadas confortáveis, com dois braços para facilitar a vida da noiva e de seus acompanhantes. “Quem sabe, ali sentava a mãe da noiva”, especula Osanna, destacando que o banco aparenta ser para duas pessoas.
Uma carruagem semelhante a esta, ressalta o diretor, foi encontrada na Grécia, na antiga Trácia, em um túmulo que pertenceu a uma família de alto escalão.
“Nesse caso, porém, optou-se por deixá-lo no monte sem restaurá-lo ou remontar”, pontua ainda.
Isso também torna a operação do parque de Pompeia extraordinária: é a primeira vez no mundo que um pilentum é reconstruído e estudado em todos os seus detalhes.
Os restauros que tornaram legíveis as decorações, trazendo à luz centenas de detalhes, confirmam a ligação deste carro alegórico com o mundo feminino e com os casamentos. “Agora precisamos trabalhar na iconografia dos medalhões e depoisno sistema de movimentação da carruagem”, explicou ainda Osanna.
Ludovica Alesse e Paola Sabbatucci, restauradoras do parque de Pompeia, supervisionam cuidadosamente o trabalho de montagem e ressaltam que estavam lá “quando a carruagem saiu e os vestígios de cordas, tecidos e madeira ainda eram evidentes nas cinzas” – incluindo a marca das duas espigas de milho deixadas no assento.
A poucos metros dali, no grande estábulo, foram encontrados os restos dos cavalos, inclusive uma espécie de manta ainda enfeitada. As escavações, assim como os estudos, continuam.