Produtor cria ‘conversa’ entre clássicos da música brasileira com IA para exposição; entenda


A nova mostra do Museu da Língua Portuguesa celebra a música brasileira com recriações sonoras e versões exclusivas

Por Danilo Casaletti
Atualização:

O “bom dia comunidade” de Carnavália, canção dos Tribalistas, desperta Roberto Carlos que pergunta “como vai você?”, que recebe uma resposta de Chico Buarque e Paulinho da Viola, que ganha tréplica de Rita Lee também questionando “como vai você?”.

Esse jogo de palavras extraídas de 54 músicas brasileiras, contido na instalação sonora Palavras Cantadas, do produtor musical Alê Siqueira, funciona como boas-vindas da exposição Essa Nossa Canção, que abre nesta sexta-feira, 14 de julho, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

A mostra temporária, com curadoria de Carlos Nader, Hermano Vianna e Isa Grinspum Ferraz e consultoria de José Miguel Wisnik, tem como principal objetivo mostrar de forma sensorial a ligação entre a língua portuguesa e a música produzida no País, de diferentes tempos e gêneros.

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Com esse objetivo, o trabalho proposto por Siqueira começa antes mesmo dos visitantes chegarem ao primeiro andar, onde a exposição ocupa três salas. No elevador que dá acesso ao prédio, trechos de vocalizes de canções conhecidas, entre elas, Ilariê, Prefixo de Verão e Palco, começam a despertar os sentidos dos ouvintes.

A instalação 'Palavras Cantadas', que faz parte da exposição 'Essa Nossa Canção'  Foto: Alex Silva/Estadão

Essa peça se junta justamente à primeira instalação, a Palavras Cantadas, em um espaço à meia luz, rodeado de um pano branco, com caixas de sons que emitem os trechos de músicas com apenas as vozes dos cantores, à capela – todos os acompanhamentos musicais foram retirados. O áudio é apresentado em Dolby Atmos, tecnologia de última geração em matéria de som (veja vídeo mais abaixo).

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Os trechos cantados por nomes como Roberto Carlos, João Gilberto, Elton Medeiros, Elis Regina, Gonzaguinha, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Mano Brown, Lobão, entre outros, dentro de um roteiro, propõem novos significados para a própria canção brasileira.

Siqueira explica que a obra tem como objetivo acolher o visitante. “Essas palavras extraídas das canções e despedidas de seus arranjos, soam de forma vaporosa, etérea. É como se as palavras fossem o vento ou palavras-vento. É um discurso de sons no espaço”, explica Siqueira.

Essa ideia de palavras soltas no ar é bem acentuada quando o autor, em determinado momento, usa a voz de Elis extraída gravação de Carinhoso. A palavra “vem” é congelada por alguns segundos em uma reverb, como se fosse uma onda.

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A partir do “como vai você?” – é incrível que Roberto Carlos tenha autorizado sua voz aparecer dentro de uma obra de arte, à capela – Jorge Ben Jor e Mano Brown mandam um “salve”, Alcione e Maju saúdam com “agô” (licença, em iorubá), Caetano elogia o visitante dizendo “coisa mais bonita é você” e Dominguinhos elogia com “a mais bonita sorriu para mim”.

A trama segue com perguntas como “o que será, o que será?”, “o que é que a baiana tem” e “onde anda você”, até desacelerar para se despedir do ouvinte. A gravação funciona em looping. “É para ser leve, sem o peso das obras (canções)”, diz Siqueira.

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A instalação também agrada quem conhece a música de maneira mais técnica. Esse diálogo de vozes da música brasileira é travado, para além do sentido semântico, em contrapontos harmônicos, polifonias, modulações e polirritmias entre as frases.

Inteligência artificial ajudou, mas não criou obra

Para isolar as vozes dos cantores para a obra Palavras Cantadas, Siqueira utilizou, entre outras, a ferramenta de restauração Izotope – usada, por exemplo, para recondicionar som de vinil antigo. Entretanto, nada foi criado, ou seja, nenhuma voz foi feita de forma artificial.

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“É um filtro, na verdade, para o qual eu dei um comando para que ele deixasse apenas as vozes dos artistas. Toda a organização composicional eu fiz artesanalmente, na mão. Não é purismo, mas gosto de fazer dessa maneira”, explica Siqueira, que não parece muito entusiasmado com as ferramentas de IA que criam vozes. “Prefiro usar as ferramentas a serviço da estética”.

Vídeos trazem clássicos recriados

Carlinhos Brown canta 'O Vento', de Dorival Caymmi Foto: Alex Silva/ Estadão
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A segunda parte da exposição Essa Nossa Canção apresenta 10 monitores que exibem um vídeo de cerca de 40 minutos, dirigido por Daniel Augusto, no qual nomes da música brasileira recriam, também à capela, clássicos da música brasileira.

Tristeza do Jeca, toada de 1922, composta por Angelino de Oliveira, ganha as vozes de Felipe Araújo e João Reis. Juçara Marçal canta Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, e Johnny Hooker recria Conceição, sucesso de Cauby Peixoto. Carlinhos Brown canta O Vento, de Dorival Caymmi, espécie de canção tema da mostra.

Tom Zé e Gilberto Gil estão juntos em Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Garota de Ipanema, clássico de Tom Jobim e Vinicius, é cantada por Xênia de França. José Miguel Wisnik declama os versos originais de Vinicius para essa canção e demonstra como eles não se encaixam na melodia mais ritmada de Tom.

Essa explicação, bastante didática, junto a uma pequena linha do tempo sobre como o ato de ouvir música evoluiu com o passar dos anos, são pontos de caráter mais educacional da mostra, embora o objetivo não seja exclusivamente esse.

“Nós, curadores, fizemos um esforço para que a exposição tivesse um sentido de fruição e não apenas de entendimento. Não queríamos fazer uma tese sobre a música brasileira, mas sim mostrar a ideia de que a canção é a língua potencializada pela música, que penetra nas pessoas por canais não racionais”, explica Carlos Nader, que não nega que possíveis emoções podem, inevitavelmente, despertar reflexões nos visitantes.

A exposição Essa Nossa Canção ainda exibe dois documentários que dão a ideia sobre como a música perpassa a vida do brasileiro. Um deles é As Canções (2011), de Eduardo Coutinho. Nele, o cineasta conversa com anônimos que cantam as músicas de que mais gostam e revelam histórias pessoais relacionadas a essas faixas.

O segundo, inédito, feito para a mostra, com direção de Quito Ribeiro e Sérgio Mekler, é composto por trechos de pessoas, também anônimas, que cantam suas canções preferidas. Dessa forma, o funk Rap da Felicidade (“eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”) como com uma moça que o apresenta no formato voz em violão e continua com uma dupla que o canta em cima de uma base clássica do funk.

Tom Zé recria 'Asa Branca', sucesso de Luiz Gonzaga Foto: Alex Silva/Estadão

O corredor final da exposição traz reproduções de folhas originais nas quais os compositores escreveram suas obras. Entre elas, estão Águas de Março, de Tom Jobim, A Raça Humana, de Gilberto Gil, e Moça Namoradeira, de Lia de Itamaracá.

“Cada pessoa vai vivenciar a exposição de maneira diferente. E vai se reconhecer em algum lugar. A gente não sabe qual. E isso é importante”, diz Isa Grinspum Ferraz.

Serviço - Essa nossa canção

  • Museu da Língua Portuguesa
  • Praça da Luz, s/nº, Luz
  • De 14 de julho a março 2024
  • 3ª a dom., 9h/16h30 (com permanência até às 18h)
  • R$ 20 (grátis aos sábados e para crianças até 7 anos)

O “bom dia comunidade” de Carnavália, canção dos Tribalistas, desperta Roberto Carlos que pergunta “como vai você?”, que recebe uma resposta de Chico Buarque e Paulinho da Viola, que ganha tréplica de Rita Lee também questionando “como vai você?”.

Esse jogo de palavras extraídas de 54 músicas brasileiras, contido na instalação sonora Palavras Cantadas, do produtor musical Alê Siqueira, funciona como boas-vindas da exposição Essa Nossa Canção, que abre nesta sexta-feira, 14 de julho, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

A mostra temporária, com curadoria de Carlos Nader, Hermano Vianna e Isa Grinspum Ferraz e consultoria de José Miguel Wisnik, tem como principal objetivo mostrar de forma sensorial a ligação entre a língua portuguesa e a música produzida no País, de diferentes tempos e gêneros.

Com esse objetivo, o trabalho proposto por Siqueira começa antes mesmo dos visitantes chegarem ao primeiro andar, onde a exposição ocupa três salas. No elevador que dá acesso ao prédio, trechos de vocalizes de canções conhecidas, entre elas, Ilariê, Prefixo de Verão e Palco, começam a despertar os sentidos dos ouvintes.

A instalação 'Palavras Cantadas', que faz parte da exposição 'Essa Nossa Canção'  Foto: Alex Silva/Estadão

Essa peça se junta justamente à primeira instalação, a Palavras Cantadas, em um espaço à meia luz, rodeado de um pano branco, com caixas de sons que emitem os trechos de músicas com apenas as vozes dos cantores, à capela – todos os acompanhamentos musicais foram retirados. O áudio é apresentado em Dolby Atmos, tecnologia de última geração em matéria de som (veja vídeo mais abaixo).

Os trechos cantados por nomes como Roberto Carlos, João Gilberto, Elton Medeiros, Elis Regina, Gonzaguinha, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Mano Brown, Lobão, entre outros, dentro de um roteiro, propõem novos significados para a própria canção brasileira.

Siqueira explica que a obra tem como objetivo acolher o visitante. “Essas palavras extraídas das canções e despedidas de seus arranjos, soam de forma vaporosa, etérea. É como se as palavras fossem o vento ou palavras-vento. É um discurso de sons no espaço”, explica Siqueira.

Essa ideia de palavras soltas no ar é bem acentuada quando o autor, em determinado momento, usa a voz de Elis extraída gravação de Carinhoso. A palavra “vem” é congelada por alguns segundos em uma reverb, como se fosse uma onda.

A partir do “como vai você?” – é incrível que Roberto Carlos tenha autorizado sua voz aparecer dentro de uma obra de arte, à capela – Jorge Ben Jor e Mano Brown mandam um “salve”, Alcione e Maju saúdam com “agô” (licença, em iorubá), Caetano elogia o visitante dizendo “coisa mais bonita é você” e Dominguinhos elogia com “a mais bonita sorriu para mim”.

A trama segue com perguntas como “o que será, o que será?”, “o que é que a baiana tem” e “onde anda você”, até desacelerar para se despedir do ouvinte. A gravação funciona em looping. “É para ser leve, sem o peso das obras (canções)”, diz Siqueira.

A instalação também agrada quem conhece a música de maneira mais técnica. Esse diálogo de vozes da música brasileira é travado, para além do sentido semântico, em contrapontos harmônicos, polifonias, modulações e polirritmias entre as frases.

Inteligência artificial ajudou, mas não criou obra

Para isolar as vozes dos cantores para a obra Palavras Cantadas, Siqueira utilizou, entre outras, a ferramenta de restauração Izotope – usada, por exemplo, para recondicionar som de vinil antigo. Entretanto, nada foi criado, ou seja, nenhuma voz foi feita de forma artificial.

“É um filtro, na verdade, para o qual eu dei um comando para que ele deixasse apenas as vozes dos artistas. Toda a organização composicional eu fiz artesanalmente, na mão. Não é purismo, mas gosto de fazer dessa maneira”, explica Siqueira, que não parece muito entusiasmado com as ferramentas de IA que criam vozes. “Prefiro usar as ferramentas a serviço da estética”.

Vídeos trazem clássicos recriados

Carlinhos Brown canta 'O Vento', de Dorival Caymmi Foto: Alex Silva/ Estadão

A segunda parte da exposição Essa Nossa Canção apresenta 10 monitores que exibem um vídeo de cerca de 40 minutos, dirigido por Daniel Augusto, no qual nomes da música brasileira recriam, também à capela, clássicos da música brasileira.

Tristeza do Jeca, toada de 1922, composta por Angelino de Oliveira, ganha as vozes de Felipe Araújo e João Reis. Juçara Marçal canta Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, e Johnny Hooker recria Conceição, sucesso de Cauby Peixoto. Carlinhos Brown canta O Vento, de Dorival Caymmi, espécie de canção tema da mostra.

Tom Zé e Gilberto Gil estão juntos em Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Garota de Ipanema, clássico de Tom Jobim e Vinicius, é cantada por Xênia de França. José Miguel Wisnik declama os versos originais de Vinicius para essa canção e demonstra como eles não se encaixam na melodia mais ritmada de Tom.

Essa explicação, bastante didática, junto a uma pequena linha do tempo sobre como o ato de ouvir música evoluiu com o passar dos anos, são pontos de caráter mais educacional da mostra, embora o objetivo não seja exclusivamente esse.

“Nós, curadores, fizemos um esforço para que a exposição tivesse um sentido de fruição e não apenas de entendimento. Não queríamos fazer uma tese sobre a música brasileira, mas sim mostrar a ideia de que a canção é a língua potencializada pela música, que penetra nas pessoas por canais não racionais”, explica Carlos Nader, que não nega que possíveis emoções podem, inevitavelmente, despertar reflexões nos visitantes.

A exposição Essa Nossa Canção ainda exibe dois documentários que dão a ideia sobre como a música perpassa a vida do brasileiro. Um deles é As Canções (2011), de Eduardo Coutinho. Nele, o cineasta conversa com anônimos que cantam as músicas de que mais gostam e revelam histórias pessoais relacionadas a essas faixas.

O segundo, inédito, feito para a mostra, com direção de Quito Ribeiro e Sérgio Mekler, é composto por trechos de pessoas, também anônimas, que cantam suas canções preferidas. Dessa forma, o funk Rap da Felicidade (“eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”) como com uma moça que o apresenta no formato voz em violão e continua com uma dupla que o canta em cima de uma base clássica do funk.

Tom Zé recria 'Asa Branca', sucesso de Luiz Gonzaga Foto: Alex Silva/Estadão

O corredor final da exposição traz reproduções de folhas originais nas quais os compositores escreveram suas obras. Entre elas, estão Águas de Março, de Tom Jobim, A Raça Humana, de Gilberto Gil, e Moça Namoradeira, de Lia de Itamaracá.

“Cada pessoa vai vivenciar a exposição de maneira diferente. E vai se reconhecer em algum lugar. A gente não sabe qual. E isso é importante”, diz Isa Grinspum Ferraz.

Serviço - Essa nossa canção

  • Museu da Língua Portuguesa
  • Praça da Luz, s/nº, Luz
  • De 14 de julho a março 2024
  • 3ª a dom., 9h/16h30 (com permanência até às 18h)
  • R$ 20 (grátis aos sábados e para crianças até 7 anos)

O “bom dia comunidade” de Carnavália, canção dos Tribalistas, desperta Roberto Carlos que pergunta “como vai você?”, que recebe uma resposta de Chico Buarque e Paulinho da Viola, que ganha tréplica de Rita Lee também questionando “como vai você?”.

Esse jogo de palavras extraídas de 54 músicas brasileiras, contido na instalação sonora Palavras Cantadas, do produtor musical Alê Siqueira, funciona como boas-vindas da exposição Essa Nossa Canção, que abre nesta sexta-feira, 14 de julho, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

A mostra temporária, com curadoria de Carlos Nader, Hermano Vianna e Isa Grinspum Ferraz e consultoria de José Miguel Wisnik, tem como principal objetivo mostrar de forma sensorial a ligação entre a língua portuguesa e a música produzida no País, de diferentes tempos e gêneros.

Com esse objetivo, o trabalho proposto por Siqueira começa antes mesmo dos visitantes chegarem ao primeiro andar, onde a exposição ocupa três salas. No elevador que dá acesso ao prédio, trechos de vocalizes de canções conhecidas, entre elas, Ilariê, Prefixo de Verão e Palco, começam a despertar os sentidos dos ouvintes.

A instalação 'Palavras Cantadas', que faz parte da exposição 'Essa Nossa Canção'  Foto: Alex Silva/Estadão

Essa peça se junta justamente à primeira instalação, a Palavras Cantadas, em um espaço à meia luz, rodeado de um pano branco, com caixas de sons que emitem os trechos de músicas com apenas as vozes dos cantores, à capela – todos os acompanhamentos musicais foram retirados. O áudio é apresentado em Dolby Atmos, tecnologia de última geração em matéria de som (veja vídeo mais abaixo).

Os trechos cantados por nomes como Roberto Carlos, João Gilberto, Elton Medeiros, Elis Regina, Gonzaguinha, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Mano Brown, Lobão, entre outros, dentro de um roteiro, propõem novos significados para a própria canção brasileira.

Siqueira explica que a obra tem como objetivo acolher o visitante. “Essas palavras extraídas das canções e despedidas de seus arranjos, soam de forma vaporosa, etérea. É como se as palavras fossem o vento ou palavras-vento. É um discurso de sons no espaço”, explica Siqueira.

Essa ideia de palavras soltas no ar é bem acentuada quando o autor, em determinado momento, usa a voz de Elis extraída gravação de Carinhoso. A palavra “vem” é congelada por alguns segundos em uma reverb, como se fosse uma onda.

A partir do “como vai você?” – é incrível que Roberto Carlos tenha autorizado sua voz aparecer dentro de uma obra de arte, à capela – Jorge Ben Jor e Mano Brown mandam um “salve”, Alcione e Maju saúdam com “agô” (licença, em iorubá), Caetano elogia o visitante dizendo “coisa mais bonita é você” e Dominguinhos elogia com “a mais bonita sorriu para mim”.

A trama segue com perguntas como “o que será, o que será?”, “o que é que a baiana tem” e “onde anda você”, até desacelerar para se despedir do ouvinte. A gravação funciona em looping. “É para ser leve, sem o peso das obras (canções)”, diz Siqueira.

A instalação também agrada quem conhece a música de maneira mais técnica. Esse diálogo de vozes da música brasileira é travado, para além do sentido semântico, em contrapontos harmônicos, polifonias, modulações e polirritmias entre as frases.

Inteligência artificial ajudou, mas não criou obra

Para isolar as vozes dos cantores para a obra Palavras Cantadas, Siqueira utilizou, entre outras, a ferramenta de restauração Izotope – usada, por exemplo, para recondicionar som de vinil antigo. Entretanto, nada foi criado, ou seja, nenhuma voz foi feita de forma artificial.

“É um filtro, na verdade, para o qual eu dei um comando para que ele deixasse apenas as vozes dos artistas. Toda a organização composicional eu fiz artesanalmente, na mão. Não é purismo, mas gosto de fazer dessa maneira”, explica Siqueira, que não parece muito entusiasmado com as ferramentas de IA que criam vozes. “Prefiro usar as ferramentas a serviço da estética”.

Vídeos trazem clássicos recriados

Carlinhos Brown canta 'O Vento', de Dorival Caymmi Foto: Alex Silva/ Estadão

A segunda parte da exposição Essa Nossa Canção apresenta 10 monitores que exibem um vídeo de cerca de 40 minutos, dirigido por Daniel Augusto, no qual nomes da música brasileira recriam, também à capela, clássicos da música brasileira.

Tristeza do Jeca, toada de 1922, composta por Angelino de Oliveira, ganha as vozes de Felipe Araújo e João Reis. Juçara Marçal canta Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, e Johnny Hooker recria Conceição, sucesso de Cauby Peixoto. Carlinhos Brown canta O Vento, de Dorival Caymmi, espécie de canção tema da mostra.

Tom Zé e Gilberto Gil estão juntos em Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Garota de Ipanema, clássico de Tom Jobim e Vinicius, é cantada por Xênia de França. José Miguel Wisnik declama os versos originais de Vinicius para essa canção e demonstra como eles não se encaixam na melodia mais ritmada de Tom.

Essa explicação, bastante didática, junto a uma pequena linha do tempo sobre como o ato de ouvir música evoluiu com o passar dos anos, são pontos de caráter mais educacional da mostra, embora o objetivo não seja exclusivamente esse.

“Nós, curadores, fizemos um esforço para que a exposição tivesse um sentido de fruição e não apenas de entendimento. Não queríamos fazer uma tese sobre a música brasileira, mas sim mostrar a ideia de que a canção é a língua potencializada pela música, que penetra nas pessoas por canais não racionais”, explica Carlos Nader, que não nega que possíveis emoções podem, inevitavelmente, despertar reflexões nos visitantes.

A exposição Essa Nossa Canção ainda exibe dois documentários que dão a ideia sobre como a música perpassa a vida do brasileiro. Um deles é As Canções (2011), de Eduardo Coutinho. Nele, o cineasta conversa com anônimos que cantam as músicas de que mais gostam e revelam histórias pessoais relacionadas a essas faixas.

O segundo, inédito, feito para a mostra, com direção de Quito Ribeiro e Sérgio Mekler, é composto por trechos de pessoas, também anônimas, que cantam suas canções preferidas. Dessa forma, o funk Rap da Felicidade (“eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”) como com uma moça que o apresenta no formato voz em violão e continua com uma dupla que o canta em cima de uma base clássica do funk.

Tom Zé recria 'Asa Branca', sucesso de Luiz Gonzaga Foto: Alex Silva/Estadão

O corredor final da exposição traz reproduções de folhas originais nas quais os compositores escreveram suas obras. Entre elas, estão Águas de Março, de Tom Jobim, A Raça Humana, de Gilberto Gil, e Moça Namoradeira, de Lia de Itamaracá.

“Cada pessoa vai vivenciar a exposição de maneira diferente. E vai se reconhecer em algum lugar. A gente não sabe qual. E isso é importante”, diz Isa Grinspum Ferraz.

Serviço - Essa nossa canção

  • Museu da Língua Portuguesa
  • Praça da Luz, s/nº, Luz
  • De 14 de julho a março 2024
  • 3ª a dom., 9h/16h30 (com permanência até às 18h)
  • R$ 20 (grátis aos sábados e para crianças até 7 anos)

O “bom dia comunidade” de Carnavália, canção dos Tribalistas, desperta Roberto Carlos que pergunta “como vai você?”, que recebe uma resposta de Chico Buarque e Paulinho da Viola, que ganha tréplica de Rita Lee também questionando “como vai você?”.

Esse jogo de palavras extraídas de 54 músicas brasileiras, contido na instalação sonora Palavras Cantadas, do produtor musical Alê Siqueira, funciona como boas-vindas da exposição Essa Nossa Canção, que abre nesta sexta-feira, 14 de julho, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.

A mostra temporária, com curadoria de Carlos Nader, Hermano Vianna e Isa Grinspum Ferraz e consultoria de José Miguel Wisnik, tem como principal objetivo mostrar de forma sensorial a ligação entre a língua portuguesa e a música produzida no País, de diferentes tempos e gêneros.

Com esse objetivo, o trabalho proposto por Siqueira começa antes mesmo dos visitantes chegarem ao primeiro andar, onde a exposição ocupa três salas. No elevador que dá acesso ao prédio, trechos de vocalizes de canções conhecidas, entre elas, Ilariê, Prefixo de Verão e Palco, começam a despertar os sentidos dos ouvintes.

A instalação 'Palavras Cantadas', que faz parte da exposição 'Essa Nossa Canção'  Foto: Alex Silva/Estadão

Essa peça se junta justamente à primeira instalação, a Palavras Cantadas, em um espaço à meia luz, rodeado de um pano branco, com caixas de sons que emitem os trechos de músicas com apenas as vozes dos cantores, à capela – todos os acompanhamentos musicais foram retirados. O áudio é apresentado em Dolby Atmos, tecnologia de última geração em matéria de som (veja vídeo mais abaixo).

Os trechos cantados por nomes como Roberto Carlos, João Gilberto, Elton Medeiros, Elis Regina, Gonzaguinha, Clementina de Jesus, Caetano Veloso, Mano Brown, Lobão, entre outros, dentro de um roteiro, propõem novos significados para a própria canção brasileira.

Siqueira explica que a obra tem como objetivo acolher o visitante. “Essas palavras extraídas das canções e despedidas de seus arranjos, soam de forma vaporosa, etérea. É como se as palavras fossem o vento ou palavras-vento. É um discurso de sons no espaço”, explica Siqueira.

Essa ideia de palavras soltas no ar é bem acentuada quando o autor, em determinado momento, usa a voz de Elis extraída gravação de Carinhoso. A palavra “vem” é congelada por alguns segundos em uma reverb, como se fosse uma onda.

A partir do “como vai você?” – é incrível que Roberto Carlos tenha autorizado sua voz aparecer dentro de uma obra de arte, à capela – Jorge Ben Jor e Mano Brown mandam um “salve”, Alcione e Maju saúdam com “agô” (licença, em iorubá), Caetano elogia o visitante dizendo “coisa mais bonita é você” e Dominguinhos elogia com “a mais bonita sorriu para mim”.

A trama segue com perguntas como “o que será, o que será?”, “o que é que a baiana tem” e “onde anda você”, até desacelerar para se despedir do ouvinte. A gravação funciona em looping. “É para ser leve, sem o peso das obras (canções)”, diz Siqueira.

A instalação também agrada quem conhece a música de maneira mais técnica. Esse diálogo de vozes da música brasileira é travado, para além do sentido semântico, em contrapontos harmônicos, polifonias, modulações e polirritmias entre as frases.

Inteligência artificial ajudou, mas não criou obra

Para isolar as vozes dos cantores para a obra Palavras Cantadas, Siqueira utilizou, entre outras, a ferramenta de restauração Izotope – usada, por exemplo, para recondicionar som de vinil antigo. Entretanto, nada foi criado, ou seja, nenhuma voz foi feita de forma artificial.

“É um filtro, na verdade, para o qual eu dei um comando para que ele deixasse apenas as vozes dos artistas. Toda a organização composicional eu fiz artesanalmente, na mão. Não é purismo, mas gosto de fazer dessa maneira”, explica Siqueira, que não parece muito entusiasmado com as ferramentas de IA que criam vozes. “Prefiro usar as ferramentas a serviço da estética”.

Vídeos trazem clássicos recriados

Carlinhos Brown canta 'O Vento', de Dorival Caymmi Foto: Alex Silva/ Estadão

A segunda parte da exposição Essa Nossa Canção apresenta 10 monitores que exibem um vídeo de cerca de 40 minutos, dirigido por Daniel Augusto, no qual nomes da música brasileira recriam, também à capela, clássicos da música brasileira.

Tristeza do Jeca, toada de 1922, composta por Angelino de Oliveira, ganha as vozes de Felipe Araújo e João Reis. Juçara Marçal canta Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, e Johnny Hooker recria Conceição, sucesso de Cauby Peixoto. Carlinhos Brown canta O Vento, de Dorival Caymmi, espécie de canção tema da mostra.

Tom Zé e Gilberto Gil estão juntos em Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Garota de Ipanema, clássico de Tom Jobim e Vinicius, é cantada por Xênia de França. José Miguel Wisnik declama os versos originais de Vinicius para essa canção e demonstra como eles não se encaixam na melodia mais ritmada de Tom.

Essa explicação, bastante didática, junto a uma pequena linha do tempo sobre como o ato de ouvir música evoluiu com o passar dos anos, são pontos de caráter mais educacional da mostra, embora o objetivo não seja exclusivamente esse.

“Nós, curadores, fizemos um esforço para que a exposição tivesse um sentido de fruição e não apenas de entendimento. Não queríamos fazer uma tese sobre a música brasileira, mas sim mostrar a ideia de que a canção é a língua potencializada pela música, que penetra nas pessoas por canais não racionais”, explica Carlos Nader, que não nega que possíveis emoções podem, inevitavelmente, despertar reflexões nos visitantes.

A exposição Essa Nossa Canção ainda exibe dois documentários que dão a ideia sobre como a música perpassa a vida do brasileiro. Um deles é As Canções (2011), de Eduardo Coutinho. Nele, o cineasta conversa com anônimos que cantam as músicas de que mais gostam e revelam histórias pessoais relacionadas a essas faixas.

O segundo, inédito, feito para a mostra, com direção de Quito Ribeiro e Sérgio Mekler, é composto por trechos de pessoas, também anônimas, que cantam suas canções preferidas. Dessa forma, o funk Rap da Felicidade (“eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”) como com uma moça que o apresenta no formato voz em violão e continua com uma dupla que o canta em cima de uma base clássica do funk.

Tom Zé recria 'Asa Branca', sucesso de Luiz Gonzaga Foto: Alex Silva/Estadão

O corredor final da exposição traz reproduções de folhas originais nas quais os compositores escreveram suas obras. Entre elas, estão Águas de Março, de Tom Jobim, A Raça Humana, de Gilberto Gil, e Moça Namoradeira, de Lia de Itamaracá.

“Cada pessoa vai vivenciar a exposição de maneira diferente. E vai se reconhecer em algum lugar. A gente não sabe qual. E isso é importante”, diz Isa Grinspum Ferraz.

Serviço - Essa nossa canção

  • Museu da Língua Portuguesa
  • Praça da Luz, s/nº, Luz
  • De 14 de julho a março 2024
  • 3ª a dom., 9h/16h30 (com permanência até às 18h)
  • R$ 20 (grátis aos sábados e para crianças até 7 anos)

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