A ausência de uma legislação específica para a arte urbana na cidade de São Paulo não impediu que um movimento orgânico, espalhado pelos bairros e pelo centro, bem produzido e diverso, surgisse nas últimas décadas. Os grandes painéis já são atrações artísticas para os moradores e turísticas para quem vem de fora. Aquela ausência, agora, pode ser suprimida com um novo projeto de lei na Câmara Municipal que pretende “reconhecer a Cidade de São Paulo como Galeria de Arte a Céu Aberto com Polos Artísticos, Culturais, Turísticos, Históricos e de Economia Criativa em larga escala e de livre acesso”.
O PL 379/2020 foi elaborado por produtores culturais da cidade e apresentado na Câmara pelo vereador Quito Formiga (PSDB), e outros parlamentares já pediram coautoria, entre eles, Eduardo Suplicy (PT) e Toninho Vespoli (PSOL). O texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
O projeto prevê o reconhecimento de 30 localidades na cidade, do centro à periferia, como galerias a céu aberto, e pretende “valorizar, incentivar, preservar e difundir” as intervenções. A legislação facilitaria o acesso e a comunicação, por exemplo, com administradoras e síndicos dos prédios na capital, bem como auxilia os prédios, de maneira pragmática, na Lei 10.518, que determina a limpeza periódica das fachadas por parte dos administradores.
A ideia é também “auxiliar o desenvolvimento social da cidade por meio do acesso a oferta de arte e cultura de rua em larga escala”, bem como “na segurança, com a instalação de iluminação e de câmeras de monitoramento”. O projeto prevê subsídios públicos da Prefeitura nas iniciativas, inclusive em parcerias com empresas privadas.
O poder público também passaria a proteger os corredores culturais da publicidade, restringindo a exploração comercial das empenas ou topos de prédios das galerias, e seria proibido apagar os trabalhos – como aconteceu na Avenida 23 de Maio, no início da gestão de João Doria na Prefeitura.
É um marco legal inédito na história da cidade, segundo o produtor cultural Kleber Pagú, um dos autores do texto.
“A gente vem trabalhando em arte urbana há muito tempo, mas percebemos que o poder público não acompanha essa evolução”, diz Pagú. “Uma realidade é a dos anos 1980, quando começaram os movimentos, mas, desde então, a arquitetura da cidade mudou e a arte urbana também. Outras cidades do mundo não têm a possibilidade arquitetônica de São Paulo, é o maior território vertical de paredes do mundo”, garante. Para ele, unificar iniciativas – como o Museu de Arte Urbana, em Santana, o Beco do Batman, na Vila Madalena, e outros espaços da cidade em uma única legislação – pode causar uma transformação positiva no setor.
Segundo a produtora e bailarina Fernanda Bueno, também autora do projeto, ele se encaixa tanto no Plano Diretor da cidade quanto na Constituição, que prevê acesso às artes. “O texto começou a tomar consistência quando fiz o trabalho de pesquisa para entender relação do espaço privado com o espaço público, na construção do Aquário Urbano (série de intervenções na região da República). Às vezes, encontramos situações como artistas sendo presos ao fazer os trabalho de pintura, ou performances a céu aberto sendo censuradas. Temos que encontrar uma saída juntos, com o poder público e a sociedade. Com o reconhecimento oficial, na legislação, de um movimento que já acontece, também vem um reconhecimento mais amplo da sociedade”, diz Bueno.
O projeto prevê ainda a criação de um conselho gestor com representantes do poder público e da sociedade civil, e autoriza o Executivo a estabelecer incentivos, formas de apoio e recursos financeiros para as ações, como a destinação parcial de recursos arrecadados com filmagens em logradouros públicos, descontos no IPTU dos prédios que aderirem e simplificação de processos para obtenção de autorizações e alvarás.
Moradores aprovam as intervenções artísticas
Moradores de prédios que tiveram intervenções artísticas recentes na cidade falaram à reportagem dos benefícios que as ações trazem. “O que eu percebi de verdade foi a bela transformação que eles (produtores e artistas) fizeram aqui no nosso prédio”, diz a aposentada Vânia Silva Matos, moradora na Rua Augusta. “A gente já estava correndo atrás para pintar a fachada, de acordo com a lei, mas eles resolveram bem, além de fazer um belíssimo trabalho.”
Ela conta que enfrentou alguma resistência dos vizinhos – pessoas idosas, segundo ela –, mas que, após debates e esclarecimentos, a ideia foi bem aceita. “A gente vê o pessoal na rua bater fotos da pintura, parar para olhar. O prédio não precisou bancar nada, o que foi ótimo, porque a gente estava no vermelho. A arte ajuda inclusive a valorizar o imóvel, está muito bonito.” O acordo com o prédio prevê que obra fique por cinco anos ali.
Uma experiência parecida teve o coordenador de projetos socioambientais Felipe Raposo. Ele morava em um prédio da Rua Major Sertório, o primeiro a receber uma pintura do projeto Aquário Urbano. “Vendi esse apartamento recentemente, e a pintura influenciou positivamente na negociação do imóvel. Muita gente que ia visitar falava sobre ela”, explica.
Projeto prevê que 30 locais na cidade sejam classificados como galeria a céu aberto. Veja alguns:
- Elevado Minhocão
Rua Amaral Gurgel
- Calha
Toda a extensão das Marginais
- Aquário Urbano
Rua Major Sertório
- Consolação
Rua da Consolação, entre a Passagem Literária e a Roosevelt
- Beco do Batman
Na Vila Madalena
- Faria Lima
Entorno do Largo da Batata
- Favela Galeria
Rua Archângelo Archiná (Cidade São Mateus)
- Margem
Rua 9 de Setembro (Grajaú)
- MAAU
Avenida Cruzeiro Do Sul entre as estações Carandiru e Tietê
- Subway
Os muros de túneis sob gestão do Município