Quando o 4 de Julho era feriado no Brasil


Por Matthew Shirts

Voltei das férias nos Estados Unidos ávido para conversar com o professor. Como sabem alguns dos leitores mais assíduos, há 30 anos venho discutindo com Antônio Pedro Tota, "o professor", diferenças entre a cultura americana e a brasileira. Tudo começou em 1979, quando fui ensinar inglês para ele. Acabamos matando logo a aula e indo tomar cerveja. Começou ali a conversa e ainda não terminou. O tema é melhor do que uma comparação entre, digamos, a cultura do Brasil e a da França ou da Bolívia. É que os EUA e nosso país são semelhantes e diferentes demais ao mesmo tempo. São as duas grandes nações do novo mundo. Tanto um como o outro foram colônias de países europeus, movidas pela escravidão, primeiro, e pela imigração, depois. Cheguei das férias com novidades californianas e marquei de caminhar com o Tota na Avenida Sumaré. Mas foi ele quem começou a parte mais intelectual, digamos assim, da conversa: - Sabia que o 4 de Julho já foi feriado nacional no Brasil?, perguntou. Parecia pegadinha. A data da independência americana? - Não, não sabia, respondi. Acho que você já teria me contado. - Descobri só agora, lendo o livro do Frank McCann, A História do Exército Brasileiro (Companhia das Letras, 2007, diga-se). - Fala sério, professor. Quando isso? - Durante o governo Floriano (Peixoto). Lembra da Revolta da Armada? - Do nome, pouco mais, confesso. Bom. Bastou essa confissão de ignorância para que o professor desandasse a dar aula. A Revolta da Armada foi uma reação monarquista e separatista contra a jovem República no Brasil, explicou o professor. Lá pelas tantas, com um governo rebelde já estabelecido em Santa Catarina, e navios dos revoltosos nas águas cariocas, os Estados Unidos concordam em mandar uma frota para a Baía de Guanabara. Duas, aliás. Uma particular, do aventureiro e empresário de armamentos Charles Flint. Outra, da Marinha mesmo. Como escreve McCann, historiador brasilianista dos bons, que li depois, o então presidente americano Grover Cleveland quis apostar nos vencedores: "O comandante americano, almirante Andrew Benham, atuou como mediador entre Floriano e os oficiais rebeldes, que prometeram desistir de lutar se Floriano deixasse o cargo e um civil fosse eleito presidente. De fato, Floriano marcou eleições para 1º de março e o paulista Prudente J. de Morais foi eleito. A combinação das supostas superarmas da frota de Flint com as canhoneiras da Marinha americana arrefeceu o ímpeto dos rebeldes no Rio e expôs as autoridades provisórias em Santa Catarina ao risco de um ataque decisivo vindo do mar. Em comemoração, Floriano tornou o 4 de Julho feriado nacional, o Congresso mandou cunhar moeda com as efígies de Cleveland e Floriano, e cidades de fronteira em Santa Catarina e na Amazônia (posteriormente Amapá) foram batizadas de Clevelândia." - Fantástico, respondi ao Tota, que resumira o mesmo episódio em outras palavras durante a caminhada. - Não é?, disse o Tota, próximo ao Parque Antártica, um pouco cansado, de tanto falar e andar ao mesmo tempo. - É como se o Congresso mandasse cunhar uma moeda com Lula de um lado e Obama do outro! - Mais ou menos isso. - Será que ainda existem exemplares dessa moeda? - Por que você não pergunta aos leitores do Estadão?, sugeriu (respostas para matthew.shirts@gmail.com). Clevelândia do Norte, li depois, se tornaria, pelo menos durante o governo de Artur Bernardes, uma colônia penal, sobretudo para presos políticos, como anarquistas. Hoje é uma base militar. Mas aí já são outros quinhentos...

Voltei das férias nos Estados Unidos ávido para conversar com o professor. Como sabem alguns dos leitores mais assíduos, há 30 anos venho discutindo com Antônio Pedro Tota, "o professor", diferenças entre a cultura americana e a brasileira. Tudo começou em 1979, quando fui ensinar inglês para ele. Acabamos matando logo a aula e indo tomar cerveja. Começou ali a conversa e ainda não terminou. O tema é melhor do que uma comparação entre, digamos, a cultura do Brasil e a da França ou da Bolívia. É que os EUA e nosso país são semelhantes e diferentes demais ao mesmo tempo. São as duas grandes nações do novo mundo. Tanto um como o outro foram colônias de países europeus, movidas pela escravidão, primeiro, e pela imigração, depois. Cheguei das férias com novidades californianas e marquei de caminhar com o Tota na Avenida Sumaré. Mas foi ele quem começou a parte mais intelectual, digamos assim, da conversa: - Sabia que o 4 de Julho já foi feriado nacional no Brasil?, perguntou. Parecia pegadinha. A data da independência americana? - Não, não sabia, respondi. Acho que você já teria me contado. - Descobri só agora, lendo o livro do Frank McCann, A História do Exército Brasileiro (Companhia das Letras, 2007, diga-se). - Fala sério, professor. Quando isso? - Durante o governo Floriano (Peixoto). Lembra da Revolta da Armada? - Do nome, pouco mais, confesso. Bom. Bastou essa confissão de ignorância para que o professor desandasse a dar aula. A Revolta da Armada foi uma reação monarquista e separatista contra a jovem República no Brasil, explicou o professor. Lá pelas tantas, com um governo rebelde já estabelecido em Santa Catarina, e navios dos revoltosos nas águas cariocas, os Estados Unidos concordam em mandar uma frota para a Baía de Guanabara. Duas, aliás. Uma particular, do aventureiro e empresário de armamentos Charles Flint. Outra, da Marinha mesmo. Como escreve McCann, historiador brasilianista dos bons, que li depois, o então presidente americano Grover Cleveland quis apostar nos vencedores: "O comandante americano, almirante Andrew Benham, atuou como mediador entre Floriano e os oficiais rebeldes, que prometeram desistir de lutar se Floriano deixasse o cargo e um civil fosse eleito presidente. De fato, Floriano marcou eleições para 1º de março e o paulista Prudente J. de Morais foi eleito. A combinação das supostas superarmas da frota de Flint com as canhoneiras da Marinha americana arrefeceu o ímpeto dos rebeldes no Rio e expôs as autoridades provisórias em Santa Catarina ao risco de um ataque decisivo vindo do mar. Em comemoração, Floriano tornou o 4 de Julho feriado nacional, o Congresso mandou cunhar moeda com as efígies de Cleveland e Floriano, e cidades de fronteira em Santa Catarina e na Amazônia (posteriormente Amapá) foram batizadas de Clevelândia." - Fantástico, respondi ao Tota, que resumira o mesmo episódio em outras palavras durante a caminhada. - Não é?, disse o Tota, próximo ao Parque Antártica, um pouco cansado, de tanto falar e andar ao mesmo tempo. - É como se o Congresso mandasse cunhar uma moeda com Lula de um lado e Obama do outro! - Mais ou menos isso. - Será que ainda existem exemplares dessa moeda? - Por que você não pergunta aos leitores do Estadão?, sugeriu (respostas para matthew.shirts@gmail.com). Clevelândia do Norte, li depois, se tornaria, pelo menos durante o governo de Artur Bernardes, uma colônia penal, sobretudo para presos políticos, como anarquistas. Hoje é uma base militar. Mas aí já são outros quinhentos...

Voltei das férias nos Estados Unidos ávido para conversar com o professor. Como sabem alguns dos leitores mais assíduos, há 30 anos venho discutindo com Antônio Pedro Tota, "o professor", diferenças entre a cultura americana e a brasileira. Tudo começou em 1979, quando fui ensinar inglês para ele. Acabamos matando logo a aula e indo tomar cerveja. Começou ali a conversa e ainda não terminou. O tema é melhor do que uma comparação entre, digamos, a cultura do Brasil e a da França ou da Bolívia. É que os EUA e nosso país são semelhantes e diferentes demais ao mesmo tempo. São as duas grandes nações do novo mundo. Tanto um como o outro foram colônias de países europeus, movidas pela escravidão, primeiro, e pela imigração, depois. Cheguei das férias com novidades californianas e marquei de caminhar com o Tota na Avenida Sumaré. Mas foi ele quem começou a parte mais intelectual, digamos assim, da conversa: - Sabia que o 4 de Julho já foi feriado nacional no Brasil?, perguntou. Parecia pegadinha. A data da independência americana? - Não, não sabia, respondi. Acho que você já teria me contado. - Descobri só agora, lendo o livro do Frank McCann, A História do Exército Brasileiro (Companhia das Letras, 2007, diga-se). - Fala sério, professor. Quando isso? - Durante o governo Floriano (Peixoto). Lembra da Revolta da Armada? - Do nome, pouco mais, confesso. Bom. Bastou essa confissão de ignorância para que o professor desandasse a dar aula. A Revolta da Armada foi uma reação monarquista e separatista contra a jovem República no Brasil, explicou o professor. Lá pelas tantas, com um governo rebelde já estabelecido em Santa Catarina, e navios dos revoltosos nas águas cariocas, os Estados Unidos concordam em mandar uma frota para a Baía de Guanabara. Duas, aliás. Uma particular, do aventureiro e empresário de armamentos Charles Flint. Outra, da Marinha mesmo. Como escreve McCann, historiador brasilianista dos bons, que li depois, o então presidente americano Grover Cleveland quis apostar nos vencedores: "O comandante americano, almirante Andrew Benham, atuou como mediador entre Floriano e os oficiais rebeldes, que prometeram desistir de lutar se Floriano deixasse o cargo e um civil fosse eleito presidente. De fato, Floriano marcou eleições para 1º de março e o paulista Prudente J. de Morais foi eleito. A combinação das supostas superarmas da frota de Flint com as canhoneiras da Marinha americana arrefeceu o ímpeto dos rebeldes no Rio e expôs as autoridades provisórias em Santa Catarina ao risco de um ataque decisivo vindo do mar. Em comemoração, Floriano tornou o 4 de Julho feriado nacional, o Congresso mandou cunhar moeda com as efígies de Cleveland e Floriano, e cidades de fronteira em Santa Catarina e na Amazônia (posteriormente Amapá) foram batizadas de Clevelândia." - Fantástico, respondi ao Tota, que resumira o mesmo episódio em outras palavras durante a caminhada. - Não é?, disse o Tota, próximo ao Parque Antártica, um pouco cansado, de tanto falar e andar ao mesmo tempo. - É como se o Congresso mandasse cunhar uma moeda com Lula de um lado e Obama do outro! - Mais ou menos isso. - Será que ainda existem exemplares dessa moeda? - Por que você não pergunta aos leitores do Estadão?, sugeriu (respostas para matthew.shirts@gmail.com). Clevelândia do Norte, li depois, se tornaria, pelo menos durante o governo de Artur Bernardes, uma colônia penal, sobretudo para presos políticos, como anarquistas. Hoje é uma base militar. Mas aí já são outros quinhentos...

Voltei das férias nos Estados Unidos ávido para conversar com o professor. Como sabem alguns dos leitores mais assíduos, há 30 anos venho discutindo com Antônio Pedro Tota, "o professor", diferenças entre a cultura americana e a brasileira. Tudo começou em 1979, quando fui ensinar inglês para ele. Acabamos matando logo a aula e indo tomar cerveja. Começou ali a conversa e ainda não terminou. O tema é melhor do que uma comparação entre, digamos, a cultura do Brasil e a da França ou da Bolívia. É que os EUA e nosso país são semelhantes e diferentes demais ao mesmo tempo. São as duas grandes nações do novo mundo. Tanto um como o outro foram colônias de países europeus, movidas pela escravidão, primeiro, e pela imigração, depois. Cheguei das férias com novidades californianas e marquei de caminhar com o Tota na Avenida Sumaré. Mas foi ele quem começou a parte mais intelectual, digamos assim, da conversa: - Sabia que o 4 de Julho já foi feriado nacional no Brasil?, perguntou. Parecia pegadinha. A data da independência americana? - Não, não sabia, respondi. Acho que você já teria me contado. - Descobri só agora, lendo o livro do Frank McCann, A História do Exército Brasileiro (Companhia das Letras, 2007, diga-se). - Fala sério, professor. Quando isso? - Durante o governo Floriano (Peixoto). Lembra da Revolta da Armada? - Do nome, pouco mais, confesso. Bom. Bastou essa confissão de ignorância para que o professor desandasse a dar aula. A Revolta da Armada foi uma reação monarquista e separatista contra a jovem República no Brasil, explicou o professor. Lá pelas tantas, com um governo rebelde já estabelecido em Santa Catarina, e navios dos revoltosos nas águas cariocas, os Estados Unidos concordam em mandar uma frota para a Baía de Guanabara. Duas, aliás. Uma particular, do aventureiro e empresário de armamentos Charles Flint. Outra, da Marinha mesmo. Como escreve McCann, historiador brasilianista dos bons, que li depois, o então presidente americano Grover Cleveland quis apostar nos vencedores: "O comandante americano, almirante Andrew Benham, atuou como mediador entre Floriano e os oficiais rebeldes, que prometeram desistir de lutar se Floriano deixasse o cargo e um civil fosse eleito presidente. De fato, Floriano marcou eleições para 1º de março e o paulista Prudente J. de Morais foi eleito. A combinação das supostas superarmas da frota de Flint com as canhoneiras da Marinha americana arrefeceu o ímpeto dos rebeldes no Rio e expôs as autoridades provisórias em Santa Catarina ao risco de um ataque decisivo vindo do mar. Em comemoração, Floriano tornou o 4 de Julho feriado nacional, o Congresso mandou cunhar moeda com as efígies de Cleveland e Floriano, e cidades de fronteira em Santa Catarina e na Amazônia (posteriormente Amapá) foram batizadas de Clevelândia." - Fantástico, respondi ao Tota, que resumira o mesmo episódio em outras palavras durante a caminhada. - Não é?, disse o Tota, próximo ao Parque Antártica, um pouco cansado, de tanto falar e andar ao mesmo tempo. - É como se o Congresso mandasse cunhar uma moeda com Lula de um lado e Obama do outro! - Mais ou menos isso. - Será que ainda existem exemplares dessa moeda? - Por que você não pergunta aos leitores do Estadão?, sugeriu (respostas para matthew.shirts@gmail.com). Clevelândia do Norte, li depois, se tornaria, pelo menos durante o governo de Artur Bernardes, uma colônia penal, sobretudo para presos políticos, como anarquistas. Hoje é uma base militar. Mas aí já são outros quinhentos...

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