Queda livre!


Em novo livro, crítico inglês Norman Lebrecht fala da 'morte' da indústria de discos clássicos, que gera, segundo ele, crise iminente, difícil de ser superada

Por João Luiz Sampaio

Perguntaram ao homem que acabara de tropeçar e cair do alto de um prédio: "Como você está se sentindo?" E ele, enquanto passava pelo 12º andar, respondeu, sorriso no rosto: "Por enquanto, tudo bem!" Troque o "homem" pelo mercado da música clássica e a piada se presta bem à visão que dele tem o crítico inglês Norman Lebrecht. Autor de obras como o O Mito do Maestro e When the Music Stops..., ele está com novo livro na praça, Maestros, Obras-primas & Loucura. Nele, defende que não dá para pensar no mercado musical do século 20 sem concluir que a indústria dos discos foi fundamental em sua construção, alterando e moldando não apenas o repertório, mas o tipo de interpretação que dele se espera. Seria justo, portanto, perguntar: com a crise declarada das gravadoras, para onde vai a música clássica? "Acreditar que o download e as novas tecnologias são a solução, que vão democratizar o acesso à música e revelar uma quantidade maior de artistas, é ingenuidade. Podemos torcer e rezar por uma solução, mas a verdade é que não temos a menor idéia do que nos espera à frente", diz ele. Crítico do britânico Daily Telegraph, Lebrecht tem pesquisado desde o início dos anos 80 os bastidores do mercado de clássicos. Em seus livros, os primeiros a abordar esse tema, analisa o mundo da música a partir da articulação entre personalidade musical, realização artística e sucesso comercial. Em O Mito do Maestro, por exemplo, mostra como as principais lendas da regência lutaram enlouquecidamente por poder; já em When the Music Stops... narra o que chama de "capitulação" da arte perante interesses econômicos. Agora, o foco cai sobre a indústria de discos. Lebrecht é um polemista. Falar da morte da música é, claro, um exagero. Suas conclusões são mais exacerbações, com o objetivo de explorar inúmeras possibilidades de pensamento, que verdades ou previsões absolutas. Seu novo livro (Record, 348 págs., R$ 47, tradução de Rafael Sando) não foge à regra. Reconta com detalhes a história das grandes gravadoras e seus acertos com os artistas; e traz ainda uma lista de cem gravações que mostram o que essa relação teve de melhor - e 20 que falam sobre o que ela teve de pior. Mas há questões a serem feitas. A indústria, como diz Lebrecht, dá mostras de fraqueza - a busca "insana" por lucros gerou "bobagens, excessos e egocentrismos", levando a um presente em que contratos têm sido cancelados, o número de lançamentos, e de vendas, caiu drasticamente. Mas o fim da música gravada é mesmo o fim da música? O setor tem mostrado vitalidade na era digital - se os clássicos representam 4% da venda global de CDs, no total de downloads já são 11%. "Não se pode subestimar a importância da indústria na formatação do mercado. Com a técnica, a busca pela perfeição jogou de lado a inspiração. A onipresença de artistas como o maestro Herbert Von Karajan serve como exemplo e é extremamente danosa. Em sua busca megalomaníaca por poder, gravou 900 discos, com interpretações pasteurizadas e um ideal fascista de perfeição. E, ao registrar cinco versões das sinfonias de Beethoven, por exemplo, impediu que outros maestros oferecessem suas versões para as obras." Lebrecht afirma que os downloads estão longe de contemplar, tecnicamente, toda a riqueza de uma sinfonia. Mas ele vai além. "Essa pretensa democratização na hora de gravar, com qualquer um podendo registrar um disco e disponibilizá-lo na internet, não deve ser comemorada. É preciso lembrar que, com isso, a qualidade nem sempre será o critério, o que, a longo prazo, será danoso à música. Se de um lado havia artistas como Karajan, preocupado apenas com números, de outro havia maestros que, longe do estrelato, deixaram um legado consistente de interpretações confiáveis. É o caso do inglês Neville Marriner, que gravou 400 bons discos." E qual a solução? Lebrecht acha que a música clássica, envolta nas necessidades do mercado, perdeu sua relevância social e cultural. E, pior, não conseguiu, por sua própria natureza, atingir os lucros um dia sonhados pelos executivos. É possível recuperá-la? "O futuro está na música ao vivo, mas ela precisa se reinventar. Há artistas jovens, como os maestros Gustavo Dudamel e a pianista Gabriela Montero, que entendem a necessidade de ampliar os limites do concerto, de inovar." Mas as gravações, garante, não serão importantes. Nem todos assinam embaixo. Outra piadinha diz que um otimista é um pessimista mal informado. Lebrecht ri e concorda. Sua contribuição maior, no entanto, talvez tenha sido abrir caminho a outros autores que, escrevendo sobre o mesmo tema, discordam.

Perguntaram ao homem que acabara de tropeçar e cair do alto de um prédio: "Como você está se sentindo?" E ele, enquanto passava pelo 12º andar, respondeu, sorriso no rosto: "Por enquanto, tudo bem!" Troque o "homem" pelo mercado da música clássica e a piada se presta bem à visão que dele tem o crítico inglês Norman Lebrecht. Autor de obras como o O Mito do Maestro e When the Music Stops..., ele está com novo livro na praça, Maestros, Obras-primas & Loucura. Nele, defende que não dá para pensar no mercado musical do século 20 sem concluir que a indústria dos discos foi fundamental em sua construção, alterando e moldando não apenas o repertório, mas o tipo de interpretação que dele se espera. Seria justo, portanto, perguntar: com a crise declarada das gravadoras, para onde vai a música clássica? "Acreditar que o download e as novas tecnologias são a solução, que vão democratizar o acesso à música e revelar uma quantidade maior de artistas, é ingenuidade. Podemos torcer e rezar por uma solução, mas a verdade é que não temos a menor idéia do que nos espera à frente", diz ele. Crítico do britânico Daily Telegraph, Lebrecht tem pesquisado desde o início dos anos 80 os bastidores do mercado de clássicos. Em seus livros, os primeiros a abordar esse tema, analisa o mundo da música a partir da articulação entre personalidade musical, realização artística e sucesso comercial. Em O Mito do Maestro, por exemplo, mostra como as principais lendas da regência lutaram enlouquecidamente por poder; já em When the Music Stops... narra o que chama de "capitulação" da arte perante interesses econômicos. Agora, o foco cai sobre a indústria de discos. Lebrecht é um polemista. Falar da morte da música é, claro, um exagero. Suas conclusões são mais exacerbações, com o objetivo de explorar inúmeras possibilidades de pensamento, que verdades ou previsões absolutas. Seu novo livro (Record, 348 págs., R$ 47, tradução de Rafael Sando) não foge à regra. Reconta com detalhes a história das grandes gravadoras e seus acertos com os artistas; e traz ainda uma lista de cem gravações que mostram o que essa relação teve de melhor - e 20 que falam sobre o que ela teve de pior. Mas há questões a serem feitas. A indústria, como diz Lebrecht, dá mostras de fraqueza - a busca "insana" por lucros gerou "bobagens, excessos e egocentrismos", levando a um presente em que contratos têm sido cancelados, o número de lançamentos, e de vendas, caiu drasticamente. Mas o fim da música gravada é mesmo o fim da música? O setor tem mostrado vitalidade na era digital - se os clássicos representam 4% da venda global de CDs, no total de downloads já são 11%. "Não se pode subestimar a importância da indústria na formatação do mercado. Com a técnica, a busca pela perfeição jogou de lado a inspiração. A onipresença de artistas como o maestro Herbert Von Karajan serve como exemplo e é extremamente danosa. Em sua busca megalomaníaca por poder, gravou 900 discos, com interpretações pasteurizadas e um ideal fascista de perfeição. E, ao registrar cinco versões das sinfonias de Beethoven, por exemplo, impediu que outros maestros oferecessem suas versões para as obras." Lebrecht afirma que os downloads estão longe de contemplar, tecnicamente, toda a riqueza de uma sinfonia. Mas ele vai além. "Essa pretensa democratização na hora de gravar, com qualquer um podendo registrar um disco e disponibilizá-lo na internet, não deve ser comemorada. É preciso lembrar que, com isso, a qualidade nem sempre será o critério, o que, a longo prazo, será danoso à música. Se de um lado havia artistas como Karajan, preocupado apenas com números, de outro havia maestros que, longe do estrelato, deixaram um legado consistente de interpretações confiáveis. É o caso do inglês Neville Marriner, que gravou 400 bons discos." E qual a solução? Lebrecht acha que a música clássica, envolta nas necessidades do mercado, perdeu sua relevância social e cultural. E, pior, não conseguiu, por sua própria natureza, atingir os lucros um dia sonhados pelos executivos. É possível recuperá-la? "O futuro está na música ao vivo, mas ela precisa se reinventar. Há artistas jovens, como os maestros Gustavo Dudamel e a pianista Gabriela Montero, que entendem a necessidade de ampliar os limites do concerto, de inovar." Mas as gravações, garante, não serão importantes. Nem todos assinam embaixo. Outra piadinha diz que um otimista é um pessimista mal informado. Lebrecht ri e concorda. Sua contribuição maior, no entanto, talvez tenha sido abrir caminho a outros autores que, escrevendo sobre o mesmo tema, discordam.

Perguntaram ao homem que acabara de tropeçar e cair do alto de um prédio: "Como você está se sentindo?" E ele, enquanto passava pelo 12º andar, respondeu, sorriso no rosto: "Por enquanto, tudo bem!" Troque o "homem" pelo mercado da música clássica e a piada se presta bem à visão que dele tem o crítico inglês Norman Lebrecht. Autor de obras como o O Mito do Maestro e When the Music Stops..., ele está com novo livro na praça, Maestros, Obras-primas & Loucura. Nele, defende que não dá para pensar no mercado musical do século 20 sem concluir que a indústria dos discos foi fundamental em sua construção, alterando e moldando não apenas o repertório, mas o tipo de interpretação que dele se espera. Seria justo, portanto, perguntar: com a crise declarada das gravadoras, para onde vai a música clássica? "Acreditar que o download e as novas tecnologias são a solução, que vão democratizar o acesso à música e revelar uma quantidade maior de artistas, é ingenuidade. Podemos torcer e rezar por uma solução, mas a verdade é que não temos a menor idéia do que nos espera à frente", diz ele. Crítico do britânico Daily Telegraph, Lebrecht tem pesquisado desde o início dos anos 80 os bastidores do mercado de clássicos. Em seus livros, os primeiros a abordar esse tema, analisa o mundo da música a partir da articulação entre personalidade musical, realização artística e sucesso comercial. Em O Mito do Maestro, por exemplo, mostra como as principais lendas da regência lutaram enlouquecidamente por poder; já em When the Music Stops... narra o que chama de "capitulação" da arte perante interesses econômicos. Agora, o foco cai sobre a indústria de discos. Lebrecht é um polemista. Falar da morte da música é, claro, um exagero. Suas conclusões são mais exacerbações, com o objetivo de explorar inúmeras possibilidades de pensamento, que verdades ou previsões absolutas. Seu novo livro (Record, 348 págs., R$ 47, tradução de Rafael Sando) não foge à regra. Reconta com detalhes a história das grandes gravadoras e seus acertos com os artistas; e traz ainda uma lista de cem gravações que mostram o que essa relação teve de melhor - e 20 que falam sobre o que ela teve de pior. Mas há questões a serem feitas. A indústria, como diz Lebrecht, dá mostras de fraqueza - a busca "insana" por lucros gerou "bobagens, excessos e egocentrismos", levando a um presente em que contratos têm sido cancelados, o número de lançamentos, e de vendas, caiu drasticamente. Mas o fim da música gravada é mesmo o fim da música? O setor tem mostrado vitalidade na era digital - se os clássicos representam 4% da venda global de CDs, no total de downloads já são 11%. "Não se pode subestimar a importância da indústria na formatação do mercado. Com a técnica, a busca pela perfeição jogou de lado a inspiração. A onipresença de artistas como o maestro Herbert Von Karajan serve como exemplo e é extremamente danosa. Em sua busca megalomaníaca por poder, gravou 900 discos, com interpretações pasteurizadas e um ideal fascista de perfeição. E, ao registrar cinco versões das sinfonias de Beethoven, por exemplo, impediu que outros maestros oferecessem suas versões para as obras." Lebrecht afirma que os downloads estão longe de contemplar, tecnicamente, toda a riqueza de uma sinfonia. Mas ele vai além. "Essa pretensa democratização na hora de gravar, com qualquer um podendo registrar um disco e disponibilizá-lo na internet, não deve ser comemorada. É preciso lembrar que, com isso, a qualidade nem sempre será o critério, o que, a longo prazo, será danoso à música. Se de um lado havia artistas como Karajan, preocupado apenas com números, de outro havia maestros que, longe do estrelato, deixaram um legado consistente de interpretações confiáveis. É o caso do inglês Neville Marriner, que gravou 400 bons discos." E qual a solução? Lebrecht acha que a música clássica, envolta nas necessidades do mercado, perdeu sua relevância social e cultural. E, pior, não conseguiu, por sua própria natureza, atingir os lucros um dia sonhados pelos executivos. É possível recuperá-la? "O futuro está na música ao vivo, mas ela precisa se reinventar. Há artistas jovens, como os maestros Gustavo Dudamel e a pianista Gabriela Montero, que entendem a necessidade de ampliar os limites do concerto, de inovar." Mas as gravações, garante, não serão importantes. Nem todos assinam embaixo. Outra piadinha diz que um otimista é um pessimista mal informado. Lebrecht ri e concorda. Sua contribuição maior, no entanto, talvez tenha sido abrir caminho a outros autores que, escrevendo sobre o mesmo tema, discordam.

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