NOVA YORK (AP) – Ele foi um gigante da arte do século 20, mas isso não significa que Pablo Picasso precisasse de uma tela grande.
Caixas de fósforos, cartões postais, guardanapos de restaurantes: para o artista, tudo servia como bloco de desenho improvisado em momentos de inspiração.
Por isso, talvez não devesse ser surpreendente que alguns dos cadernos de desenho de Picasso fossem bem menores do que, digamos, um encarte de CD – como o bloco minúsculo agora em exibição na Pace Gallery de Manhattan como parte de ‘Picasso: 14 cadernos’, uma nova exposição a marcar os cinquenta anos da morte do lendário artista.
Esse caderninho traz um incrível autorretrato a lápis, com olhos profundos e penetrantes, tudo medindo 9,5 por 14 centímetros. Era 1918 e Picasso, à época com trinte e poucos anos, acabara de se casar com a bailarina Olga Khokhlova.
Durante um verão na agradável Biarritz, ele pintou em tela, mas também manteve esse caderno por perto, preenchendo-o com cenas de sua vila, da praia e da cidade, além de esboços de pinturas futuras. Ele também redigiu uma carta ao médico de sua esposa e listou endereços de amigos.
A exposição, aberta sexta-feira, 10, é uma colaboração com a fundação de Madri dirigida por um neto de Picasso, Bernard Ruiz-Picasso. Ela ocorre quase quarenta anos depois da exposição inaugural de cadernos em 1986, chamada ‘Je Suis le Cahier (Eu sou o caderno)’, em homenagem a uma anotação que Picasso fez em um de seus blocos – que depois percorreu o mundo.
A mostra chega em um momento movimentado para o acervo de Picasso: em Nova York, nesta mesma semana, a famosa Femme à la montre, de 1932, retratando sua musa Marie-Thérèse Walter, foi vendida por US$ 139,4 milhões na Sotheby’s na noite de quarta-feira, tornando-se o segundo Picasso mais valioso já vendido em leilão.
“Ele é o maior artista do período moderno e, em muitos aspectos, se considerava um caderno de desenho”, disse o CEO da Pace, Marc Glimcher, falando para uma plateia durante uma prévia na quinta-feira, referindo-se aos esforços de Picasso para refinar seu trabalho por meio de inúmeros esboços.
Ele soou quase evangélico quando exortou os jovens presentes a reconhecerem que “todos nesta sala veem o mundo de forma diferente por causa de Pablo Picasso”.
Em entrevista, Glimcher explicou que sente que é preciso relembrar ao mundo as realizações de Picasso neste momento de nossa cultura em que, disse ele, parece que tudo e todos estão sendo questionados de novo. Ele também observou o que chamou de efeito ícone: “Quando algo se torna tão icônico assim, fica necessariamente simplificado demais”, disse ele. “As pessoas dizem: ‘Ah, Picasso, já conheço’. Temos que nos assegurar de que as pessoas conhecem de verdade”.
A exposição é organizada cronologicamente, abrangendo os anos 1900-1959, a maior parte da carreira de Picasso (ele morreu em 1973). Cada um dos 14 cadernos é apresentado no contexto do que estava acontecendo em sua vida – até mesmo em seus relacionamentos românticos, que figuraram com tanto destaque em suas obras de arte.
Muitos dos esboços são versões iniciais de pinturas famosas como Les Demoiselles d’Avignon (1907), para as quais um dos cadernos testa várias representações de figuras; Dora Maar em uma Poltrona (1939); e os seus murais Guerra e Paz, para uma capela no sul da França, concluídos em 1952.
Há também um vídeo de Picasso, sem camisa e de short, se preparando para esses murais gigantes, precisando de uma escada para chegar ao topo da tela — e nos lembrando da dimensão de algumas de suas obras-primas.
Mas em outras partes da exposição as joias vêm em miniatura. Algumas das imagens são fantasiosas, como monstros e figuras parecidas com palhaços, algumas em lápis azul e vermelho brilhante, de um caderno de desenho de 1956-1957 que lembra um livro infantil extravagante.
Outras parecem precisas e mais técnicas, como os desenhos a tinta em seus cadernos Juan-les-Pins, de 1924, nos quais ele experimenta formas de violões e outros objetos por meio de padrões de pontos e linhas, conhecidos como “constelações”. Um longo poema também aparece em um dos cadernos, traduzido no catálogo que o acompanha.
Com cada caderno aberto em apenas uma página, como revelar o resto? A solução da galeria é fornecer páginas subsequentes em exibições de vídeo em loop.
Ruiz-Picasso, neto do artista e filho de Paul Picasso, disse que os cadernos merecem um novo olhar porque muito aconteceu nas últimas décadas em termos de pesquisa sobre a obra de Picasso e o contexto em que foi produzida.
“Agora temos mais informações sobre o que ele estava fazendo”, disse Ruiz-Picasso em entrevista. “É uma espécie de dimensão arqueológica, onde podemos ir mais fundo”.
Ruiz-Picasso, que tinha 13 anos quando o avô morreu, lembra que as crianças não eram totalmente bem-vindas ao ateliê onde o artista pintava em Mougins, na França, onde viveu seus últimos anos. Mas ele se lembra do avô sempre desenhando em outros lugares da casa, “até o último pedaço de papel disponível”.
“Ele estava sempre fazendo alguma coisa”, disse Ruiz-Picasso.
A mostra da Pace Gallery vai até 22 de dezembro.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU