Sabia que a ‘Mona Lisa’ já foi roubada do Louvre? Veja por que o ladrão virou herói nacional


Vincenzo Peruggia tentou repatriar quadro de Da Vinci para a Itália em 1911, foi preso e ganhou fama

Por Sam Roberts

Dia 8 de outubro foi o aniversário do nascimento – e também da morte – do pintor italiano que talvez tenha cometido o maior erro de repatriação de arte da história. Vincenzo Peruggia, o homem que roubou a Mona Lisa da França e a devolveu à Itália, nasceu em 1881 e morreu em 1925.

Embora ele tenha se equivocado como historiador e árbitro de proveniência – a pintura havia sido comprada de forma clara e limpa pelo rei da França, o país para o qual foi finalmente devolvida – vale a pena relembrar a proeza de Peruggia em um momento em que a repatriação continua sendo um campo de batalha obscuro.

A cada semana, ao que parece, os investigadores anunciam novas apreensões de antiguidades saqueadas de museus e coleções particulares. Os países de origem se alegram quando as obras e trabalhos são devolvidos. Colecionadores e museus reclamam que o conceito do que é arte roubada está sendo constantemente redefinido, à sua custa e, talvez, também à custa do público.

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Os mármores de Lord Thomas Elgin pertencem à Grécia ou devem permanecer em Londres? Os Leões de São Marcos, na catedral de Veneza, devem ser devolvidos à Turquia?

Imagem da 'Mona Lisa', obra-prima de Leonardo da Vinci Foto: Reprodução
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De sua parte, Peruggia se tornaria um herói nacional na Itália quando a obra-prima desaparecida de Leonardo da Vinci foi finalmente encontrada lá.

“Italianos agradecidos abraçaram o herói-ladrão como o Dom Quixote da Itália”, escreveu R.A. Scotti no seu livro em Vanished Smile: The Mysterious Theft of the Mona Lisa (2009).

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Mesmo agora, a motivação de Peruggia não foi comprovada. Os detalhes do roubo espetacular ainda são incompletos. Mas isso parece ser conhecido: no início do século 20, o meio-retrato de Da Vinci de 1506 da nobre florentina Lisa del Giocondo (“mona” sugerindo nobre ou aristocrata, em italiano), a esposa de um comerciante de seda, já era uma das pinturas mais famosas do mundo.

Para protegê-la de vândalos, ela foi remontada no Salon Carré do Louvre, em Paris, dentro de uma caixa de vidro protetora que Peruggia, pintor de casas e vidraceiro que trabalhou no museu, pode ter ajudado a fabricar.

À NOITE

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O dia do roubo, 21 de agosto de 1911, foi uma segunda-feira. O Louvre estava fechado para manutenção. Peruggia se escondeu durante a noite em um depósito ou entrou furtivamente no museu com outros trabalhadores naquela manhã.

Quando os guardas designados para a galeria estavam em suas rondas ou trabalhando como faxineiros, Peruggia, sozinho ou com cúmplices, removeu a pintura emoldurada e envidraçada de cerca de 90 quilos da parede e a arrastou para uma escada. Ele cuidadosamente removeu o retrato, que Da Vinci havia pintado em uma prancha de álamo de 76 por 53 centímetros e 8 quilos, de acordo com muitos jornais e outros relatos do roubo.

A ficha de identificação de Vincenzo Peruggia, que, por nacionalismo ou dinheiro, tirou a 'Mona Lisa' do Louvre e o levou à Itália em 1911 Foto: The New York Times
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Com a ajuda de um encanador que encontrou, ele conseguiu destrancar uma porta de saída, enfiou o quadro debaixo do braço de seu avental branco de operário e o levou embora para seu apartamento de um quarto no hotel localizado no número 5 da Rue de l’Hôpital Saint-Louis, não longe da Gare de l’Est no 10.º Arrondissement – local onde ele o escondeu em um baú.

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Ninguém percebeu que a pintura havia sumido até o dia seguinte, quando o artista Louis Béroud chegou para esboçar sua Mona Lisa au Louvre e em seu lugar encontrou quatro ganchos vazios.

Os guardas acharam que o retrato havia sido removido temporariamente para ser fotografado durante um inventário de rotina. No entanto, no final da manhã, depois de conversar com o fotógrafo do local, os funcionários do museu entraram em pânico.

NA ESCADA

Centenas de visitantes foram conduzidos para fora. Os investigadores vasculharam os quilômetros de galerias. Eles encontraram a moldura italiana da pintura na escada. Uma maçaneta quebrada foi descoberta em um jardim do lado de fora do museu. Mas a Mona Lisa havia desaparecido, sem deixar vestígios.

O roubo foi a matéria principal do jornal The New York Times do dia seguinte. Funcionários do museu envergonhados especularam sobre quem e o que estava por trás do assalto. Eles sugeriram que a pintura poderia não ter valor no mercado aberto – uma obra quente demais para ser negociada –, a menos que tivesse sido requisitada por um colecionador particular muito rico.

Ou talvez o ladrão planejasse devolver uma falsificação muito boa ao museu anonimamente e penhorar cópias quase perfeitas para venda como original. Ou talvez o roubo inédito tenha sido um golpe ousado de sabotagem cultural dos artistas modernos.

Retrato de Baldassare Castiglione, de Raphael, ficou no lugar da 'Mona Lisa', quando quadro foi roubado Foto: Reprodução

A polícia francesa até interrogou Pablo Picasso. Ele já havia usado várias estatuetas de pedra ibérica roubadas do Louvre por um amigo de um amigo, o poeta de vanguarda Guillaume Apollinaire, como modelo para sua pintura de 1907 Demoiselles d’Avignon. (Apollinaire passou alguns dias na prisão, a única pessoa presa pelas autoridades francesas no caso da Mona Lisa.)

Jean Théophile Homolle, diretor dos museus nacionais, que estava de férias quando a Mona Lisa desapareceu, zombou da ideia de que a pintura poderia ter sido roubada e, na pior das hipóteses, ter sido extraviada.

“Você também poderia imaginar”, ele disse, “que alguém poderia roubar as torres de Notre Dame”. Ele foi demitido.

Roubado ou não, o quadro havia desaparecido. Uma reprodução colorida foi pendurada em seu lugar. Então, em dezembro de 1912, um substituto mais substancial, o retrato de Baldassare Castiglione, um Homem, de Rafael, tomou o lugar do quadro de Da Vinci. A investigação permaneceu aberta, mas as esperanças de recuperar a obra-prima do italiano diminuíram.

NO BAÚ

Por dois anos, enquanto a pintura permaneceu no baú de Peruggia, as cartas do ladrão sugeriram múltiplas motivações, com destaque para o dinheiro acima do nacionalismo.

Em dezembro de 1911, ele escreveu a um parente que estava convencido de que Paris era onde faria sua fortuna e previa que a prosperidade “chegaria de uma só vez”. Um ano depois, ele escreveu para casa: “Estou fazendo um voto de que você possa viver muito e desfrutar do prêmio que seu filho está prestes a receber para você e para toda a nossa família”.

A polícia interrogou Pablo Picasso, que já havia usado estatuetas roubadas do Louvre como modelo em pintura  Foto: Reprodução

Independentemente do que sua família estivesse esperando – algum dinheiro inesperado, talvez, ou então uma recompensa, uma aposta de sorte, um resgate – o próprio Peruggia ficou impaciente.

Ele voltou para a Itália com a pintura, escondendo-a em seu apartamento em Florença, onde em 29 de novembro de 1913, Alfredo Geri, um antiquário, recebeu uma carta postada de Paris. Ela dizia: “A obra roubada de Leonardo da Vinci está em minha posse. Parece pertencer à Itália, já que seu pintor era italiano.” Quem assinava a carta era um certo “Leonardo”.

Depois de entrar em contato com Giovanni Poggi, diretor da Galeria Degli Uffizi, de Florença, Geri respondeu à carta e, em 10 de dezembro, um homem bigodudo de cerca de um metro e meio de altura, que se identificou como “Leonardo” entrou na loja de Geri. Ele exigiu US $ 100 mil em despesas e se ofereceu para mostrar a Geri e Poggi a pintura em seu quarto no Hotel Tripoli-Italia.

Mais tarde, Peruggia foi preso no hotel onde se hospedava, mas se tornaria um herói de sua cidade natal.

Sofrendo de envenenamento por chumbo, provavelmente como resultado de seu trabalho como pintor, ele cumpriu sete meses de prisão antes de ser libertado e retornar ao seu hotel (que havia sido renomeado La Gioconda, pelo fato de a pintura ter sido encontrada lá). Mais tarde, ele se mudou para Paris, onde morreu em seu 44.º aniversário, em 1925.

O quadro 'Mona Lisa', de Leonardo Da Vinci, exposta no Museu do Louvre em Paris  Foto: PHILIPPE WOJAZER / REUTERS

Mas, durante meses após sua recuperação, a Mona Lisa viajou triunfalmente pela Itália alegrando as multidões. Os membros do Parlamento italiano queriam mantê-la, mas o ministro da Educação do país concordou graciosamente em devolvê-la ao Louvre.

“Embora a obra-prima seja cara a todos os italianos como uma das melhores produções do gênio de sua raça, nós a devolveremos de bom grado ao seu país de adoção”, ele disse, “como uma promessa de amizade e fraternidade entre as duas grandes nações latinas.”

A Mona Lisa seria “entregue ao embaixador francês com uma solenidade digna de Leonardo da Vinci”, acrescentou, “e um espírito de felicidade digno do sorriso de Mona Lisa”.

NO LOUVRE

Em 4 de janeiro de 1914, a pintura foi devolvida ao Museu do Louvre. Ela agora está pendurada na maior sala do museu, a Salle des États, na frente de As Bodas de Caná de Paolo Veronese – a maior pintura do museu – que, na verdade, havia sido saqueada por Napoleão Bonaparte em 1797 do refeitório do Mosteiro San Giorgio Maggiore em Veneza.

Após a derrota de Napoleão, os oficiais franceses não foram tão complacentes com o Veronese. Eles se recusaram a repatriar a tela monumental, dizendo que era frágil demais para fazer a viagem de volta.

Mas em 1815, com o papa Pio VII arbitrando as demandas de restituição, os franceses decidiram dar à Itália uma pintura em troca – não As Bodas de Caná, mas O Banquete na Casa de Simão, de Charles Le Brun.

A obra de Veronese aparentemente ainda era “frágil demais” para viajar, embora os conservadores franceses mais tarde tenham conseguido movê-la de sua localização regular no Louvre duas vezes, quando a nação estava em guerra, em 1870 e 1939. / TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Dia 8 de outubro foi o aniversário do nascimento – e também da morte – do pintor italiano que talvez tenha cometido o maior erro de repatriação de arte da história. Vincenzo Peruggia, o homem que roubou a Mona Lisa da França e a devolveu à Itália, nasceu em 1881 e morreu em 1925.

Embora ele tenha se equivocado como historiador e árbitro de proveniência – a pintura havia sido comprada de forma clara e limpa pelo rei da França, o país para o qual foi finalmente devolvida – vale a pena relembrar a proeza de Peruggia em um momento em que a repatriação continua sendo um campo de batalha obscuro.

A cada semana, ao que parece, os investigadores anunciam novas apreensões de antiguidades saqueadas de museus e coleções particulares. Os países de origem se alegram quando as obras e trabalhos são devolvidos. Colecionadores e museus reclamam que o conceito do que é arte roubada está sendo constantemente redefinido, à sua custa e, talvez, também à custa do público.

Os mármores de Lord Thomas Elgin pertencem à Grécia ou devem permanecer em Londres? Os Leões de São Marcos, na catedral de Veneza, devem ser devolvidos à Turquia?

Imagem da 'Mona Lisa', obra-prima de Leonardo da Vinci Foto: Reprodução

De sua parte, Peruggia se tornaria um herói nacional na Itália quando a obra-prima desaparecida de Leonardo da Vinci foi finalmente encontrada lá.

“Italianos agradecidos abraçaram o herói-ladrão como o Dom Quixote da Itália”, escreveu R.A. Scotti no seu livro em Vanished Smile: The Mysterious Theft of the Mona Lisa (2009).

Mesmo agora, a motivação de Peruggia não foi comprovada. Os detalhes do roubo espetacular ainda são incompletos. Mas isso parece ser conhecido: no início do século 20, o meio-retrato de Da Vinci de 1506 da nobre florentina Lisa del Giocondo (“mona” sugerindo nobre ou aristocrata, em italiano), a esposa de um comerciante de seda, já era uma das pinturas mais famosas do mundo.

Para protegê-la de vândalos, ela foi remontada no Salon Carré do Louvre, em Paris, dentro de uma caixa de vidro protetora que Peruggia, pintor de casas e vidraceiro que trabalhou no museu, pode ter ajudado a fabricar.

À NOITE

O dia do roubo, 21 de agosto de 1911, foi uma segunda-feira. O Louvre estava fechado para manutenção. Peruggia se escondeu durante a noite em um depósito ou entrou furtivamente no museu com outros trabalhadores naquela manhã.

Quando os guardas designados para a galeria estavam em suas rondas ou trabalhando como faxineiros, Peruggia, sozinho ou com cúmplices, removeu a pintura emoldurada e envidraçada de cerca de 90 quilos da parede e a arrastou para uma escada. Ele cuidadosamente removeu o retrato, que Da Vinci havia pintado em uma prancha de álamo de 76 por 53 centímetros e 8 quilos, de acordo com muitos jornais e outros relatos do roubo.

A ficha de identificação de Vincenzo Peruggia, que, por nacionalismo ou dinheiro, tirou a 'Mona Lisa' do Louvre e o levou à Itália em 1911 Foto: The New York Times

Com a ajuda de um encanador que encontrou, ele conseguiu destrancar uma porta de saída, enfiou o quadro debaixo do braço de seu avental branco de operário e o levou embora para seu apartamento de um quarto no hotel localizado no número 5 da Rue de l’Hôpital Saint-Louis, não longe da Gare de l’Est no 10.º Arrondissement – local onde ele o escondeu em um baú.

Ninguém percebeu que a pintura havia sumido até o dia seguinte, quando o artista Louis Béroud chegou para esboçar sua Mona Lisa au Louvre e em seu lugar encontrou quatro ganchos vazios.

Os guardas acharam que o retrato havia sido removido temporariamente para ser fotografado durante um inventário de rotina. No entanto, no final da manhã, depois de conversar com o fotógrafo do local, os funcionários do museu entraram em pânico.

NA ESCADA

Centenas de visitantes foram conduzidos para fora. Os investigadores vasculharam os quilômetros de galerias. Eles encontraram a moldura italiana da pintura na escada. Uma maçaneta quebrada foi descoberta em um jardim do lado de fora do museu. Mas a Mona Lisa havia desaparecido, sem deixar vestígios.

O roubo foi a matéria principal do jornal The New York Times do dia seguinte. Funcionários do museu envergonhados especularam sobre quem e o que estava por trás do assalto. Eles sugeriram que a pintura poderia não ter valor no mercado aberto – uma obra quente demais para ser negociada –, a menos que tivesse sido requisitada por um colecionador particular muito rico.

Ou talvez o ladrão planejasse devolver uma falsificação muito boa ao museu anonimamente e penhorar cópias quase perfeitas para venda como original. Ou talvez o roubo inédito tenha sido um golpe ousado de sabotagem cultural dos artistas modernos.

Retrato de Baldassare Castiglione, de Raphael, ficou no lugar da 'Mona Lisa', quando quadro foi roubado Foto: Reprodução

A polícia francesa até interrogou Pablo Picasso. Ele já havia usado várias estatuetas de pedra ibérica roubadas do Louvre por um amigo de um amigo, o poeta de vanguarda Guillaume Apollinaire, como modelo para sua pintura de 1907 Demoiselles d’Avignon. (Apollinaire passou alguns dias na prisão, a única pessoa presa pelas autoridades francesas no caso da Mona Lisa.)

Jean Théophile Homolle, diretor dos museus nacionais, que estava de férias quando a Mona Lisa desapareceu, zombou da ideia de que a pintura poderia ter sido roubada e, na pior das hipóteses, ter sido extraviada.

“Você também poderia imaginar”, ele disse, “que alguém poderia roubar as torres de Notre Dame”. Ele foi demitido.

Roubado ou não, o quadro havia desaparecido. Uma reprodução colorida foi pendurada em seu lugar. Então, em dezembro de 1912, um substituto mais substancial, o retrato de Baldassare Castiglione, um Homem, de Rafael, tomou o lugar do quadro de Da Vinci. A investigação permaneceu aberta, mas as esperanças de recuperar a obra-prima do italiano diminuíram.

NO BAÚ

Por dois anos, enquanto a pintura permaneceu no baú de Peruggia, as cartas do ladrão sugeriram múltiplas motivações, com destaque para o dinheiro acima do nacionalismo.

Em dezembro de 1911, ele escreveu a um parente que estava convencido de que Paris era onde faria sua fortuna e previa que a prosperidade “chegaria de uma só vez”. Um ano depois, ele escreveu para casa: “Estou fazendo um voto de que você possa viver muito e desfrutar do prêmio que seu filho está prestes a receber para você e para toda a nossa família”.

A polícia interrogou Pablo Picasso, que já havia usado estatuetas roubadas do Louvre como modelo em pintura  Foto: Reprodução

Independentemente do que sua família estivesse esperando – algum dinheiro inesperado, talvez, ou então uma recompensa, uma aposta de sorte, um resgate – o próprio Peruggia ficou impaciente.

Ele voltou para a Itália com a pintura, escondendo-a em seu apartamento em Florença, onde em 29 de novembro de 1913, Alfredo Geri, um antiquário, recebeu uma carta postada de Paris. Ela dizia: “A obra roubada de Leonardo da Vinci está em minha posse. Parece pertencer à Itália, já que seu pintor era italiano.” Quem assinava a carta era um certo “Leonardo”.

Depois de entrar em contato com Giovanni Poggi, diretor da Galeria Degli Uffizi, de Florença, Geri respondeu à carta e, em 10 de dezembro, um homem bigodudo de cerca de um metro e meio de altura, que se identificou como “Leonardo” entrou na loja de Geri. Ele exigiu US $ 100 mil em despesas e se ofereceu para mostrar a Geri e Poggi a pintura em seu quarto no Hotel Tripoli-Italia.

Mais tarde, Peruggia foi preso no hotel onde se hospedava, mas se tornaria um herói de sua cidade natal.

Sofrendo de envenenamento por chumbo, provavelmente como resultado de seu trabalho como pintor, ele cumpriu sete meses de prisão antes de ser libertado e retornar ao seu hotel (que havia sido renomeado La Gioconda, pelo fato de a pintura ter sido encontrada lá). Mais tarde, ele se mudou para Paris, onde morreu em seu 44.º aniversário, em 1925.

O quadro 'Mona Lisa', de Leonardo Da Vinci, exposta no Museu do Louvre em Paris  Foto: PHILIPPE WOJAZER / REUTERS

Mas, durante meses após sua recuperação, a Mona Lisa viajou triunfalmente pela Itália alegrando as multidões. Os membros do Parlamento italiano queriam mantê-la, mas o ministro da Educação do país concordou graciosamente em devolvê-la ao Louvre.

“Embora a obra-prima seja cara a todos os italianos como uma das melhores produções do gênio de sua raça, nós a devolveremos de bom grado ao seu país de adoção”, ele disse, “como uma promessa de amizade e fraternidade entre as duas grandes nações latinas.”

A Mona Lisa seria “entregue ao embaixador francês com uma solenidade digna de Leonardo da Vinci”, acrescentou, “e um espírito de felicidade digno do sorriso de Mona Lisa”.

NO LOUVRE

Em 4 de janeiro de 1914, a pintura foi devolvida ao Museu do Louvre. Ela agora está pendurada na maior sala do museu, a Salle des États, na frente de As Bodas de Caná de Paolo Veronese – a maior pintura do museu – que, na verdade, havia sido saqueada por Napoleão Bonaparte em 1797 do refeitório do Mosteiro San Giorgio Maggiore em Veneza.

Após a derrota de Napoleão, os oficiais franceses não foram tão complacentes com o Veronese. Eles se recusaram a repatriar a tela monumental, dizendo que era frágil demais para fazer a viagem de volta.

Mas em 1815, com o papa Pio VII arbitrando as demandas de restituição, os franceses decidiram dar à Itália uma pintura em troca – não As Bodas de Caná, mas O Banquete na Casa de Simão, de Charles Le Brun.

A obra de Veronese aparentemente ainda era “frágil demais” para viajar, embora os conservadores franceses mais tarde tenham conseguido movê-la de sua localização regular no Louvre duas vezes, quando a nação estava em guerra, em 1870 e 1939. / TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Dia 8 de outubro foi o aniversário do nascimento – e também da morte – do pintor italiano que talvez tenha cometido o maior erro de repatriação de arte da história. Vincenzo Peruggia, o homem que roubou a Mona Lisa da França e a devolveu à Itália, nasceu em 1881 e morreu em 1925.

Embora ele tenha se equivocado como historiador e árbitro de proveniência – a pintura havia sido comprada de forma clara e limpa pelo rei da França, o país para o qual foi finalmente devolvida – vale a pena relembrar a proeza de Peruggia em um momento em que a repatriação continua sendo um campo de batalha obscuro.

A cada semana, ao que parece, os investigadores anunciam novas apreensões de antiguidades saqueadas de museus e coleções particulares. Os países de origem se alegram quando as obras e trabalhos são devolvidos. Colecionadores e museus reclamam que o conceito do que é arte roubada está sendo constantemente redefinido, à sua custa e, talvez, também à custa do público.

Os mármores de Lord Thomas Elgin pertencem à Grécia ou devem permanecer em Londres? Os Leões de São Marcos, na catedral de Veneza, devem ser devolvidos à Turquia?

Imagem da 'Mona Lisa', obra-prima de Leonardo da Vinci Foto: Reprodução

De sua parte, Peruggia se tornaria um herói nacional na Itália quando a obra-prima desaparecida de Leonardo da Vinci foi finalmente encontrada lá.

“Italianos agradecidos abraçaram o herói-ladrão como o Dom Quixote da Itália”, escreveu R.A. Scotti no seu livro em Vanished Smile: The Mysterious Theft of the Mona Lisa (2009).

Mesmo agora, a motivação de Peruggia não foi comprovada. Os detalhes do roubo espetacular ainda são incompletos. Mas isso parece ser conhecido: no início do século 20, o meio-retrato de Da Vinci de 1506 da nobre florentina Lisa del Giocondo (“mona” sugerindo nobre ou aristocrata, em italiano), a esposa de um comerciante de seda, já era uma das pinturas mais famosas do mundo.

Para protegê-la de vândalos, ela foi remontada no Salon Carré do Louvre, em Paris, dentro de uma caixa de vidro protetora que Peruggia, pintor de casas e vidraceiro que trabalhou no museu, pode ter ajudado a fabricar.

À NOITE

O dia do roubo, 21 de agosto de 1911, foi uma segunda-feira. O Louvre estava fechado para manutenção. Peruggia se escondeu durante a noite em um depósito ou entrou furtivamente no museu com outros trabalhadores naquela manhã.

Quando os guardas designados para a galeria estavam em suas rondas ou trabalhando como faxineiros, Peruggia, sozinho ou com cúmplices, removeu a pintura emoldurada e envidraçada de cerca de 90 quilos da parede e a arrastou para uma escada. Ele cuidadosamente removeu o retrato, que Da Vinci havia pintado em uma prancha de álamo de 76 por 53 centímetros e 8 quilos, de acordo com muitos jornais e outros relatos do roubo.

A ficha de identificação de Vincenzo Peruggia, que, por nacionalismo ou dinheiro, tirou a 'Mona Lisa' do Louvre e o levou à Itália em 1911 Foto: The New York Times

Com a ajuda de um encanador que encontrou, ele conseguiu destrancar uma porta de saída, enfiou o quadro debaixo do braço de seu avental branco de operário e o levou embora para seu apartamento de um quarto no hotel localizado no número 5 da Rue de l’Hôpital Saint-Louis, não longe da Gare de l’Est no 10.º Arrondissement – local onde ele o escondeu em um baú.

Ninguém percebeu que a pintura havia sumido até o dia seguinte, quando o artista Louis Béroud chegou para esboçar sua Mona Lisa au Louvre e em seu lugar encontrou quatro ganchos vazios.

Os guardas acharam que o retrato havia sido removido temporariamente para ser fotografado durante um inventário de rotina. No entanto, no final da manhã, depois de conversar com o fotógrafo do local, os funcionários do museu entraram em pânico.

NA ESCADA

Centenas de visitantes foram conduzidos para fora. Os investigadores vasculharam os quilômetros de galerias. Eles encontraram a moldura italiana da pintura na escada. Uma maçaneta quebrada foi descoberta em um jardim do lado de fora do museu. Mas a Mona Lisa havia desaparecido, sem deixar vestígios.

O roubo foi a matéria principal do jornal The New York Times do dia seguinte. Funcionários do museu envergonhados especularam sobre quem e o que estava por trás do assalto. Eles sugeriram que a pintura poderia não ter valor no mercado aberto – uma obra quente demais para ser negociada –, a menos que tivesse sido requisitada por um colecionador particular muito rico.

Ou talvez o ladrão planejasse devolver uma falsificação muito boa ao museu anonimamente e penhorar cópias quase perfeitas para venda como original. Ou talvez o roubo inédito tenha sido um golpe ousado de sabotagem cultural dos artistas modernos.

Retrato de Baldassare Castiglione, de Raphael, ficou no lugar da 'Mona Lisa', quando quadro foi roubado Foto: Reprodução

A polícia francesa até interrogou Pablo Picasso. Ele já havia usado várias estatuetas de pedra ibérica roubadas do Louvre por um amigo de um amigo, o poeta de vanguarda Guillaume Apollinaire, como modelo para sua pintura de 1907 Demoiselles d’Avignon. (Apollinaire passou alguns dias na prisão, a única pessoa presa pelas autoridades francesas no caso da Mona Lisa.)

Jean Théophile Homolle, diretor dos museus nacionais, que estava de férias quando a Mona Lisa desapareceu, zombou da ideia de que a pintura poderia ter sido roubada e, na pior das hipóteses, ter sido extraviada.

“Você também poderia imaginar”, ele disse, “que alguém poderia roubar as torres de Notre Dame”. Ele foi demitido.

Roubado ou não, o quadro havia desaparecido. Uma reprodução colorida foi pendurada em seu lugar. Então, em dezembro de 1912, um substituto mais substancial, o retrato de Baldassare Castiglione, um Homem, de Rafael, tomou o lugar do quadro de Da Vinci. A investigação permaneceu aberta, mas as esperanças de recuperar a obra-prima do italiano diminuíram.

NO BAÚ

Por dois anos, enquanto a pintura permaneceu no baú de Peruggia, as cartas do ladrão sugeriram múltiplas motivações, com destaque para o dinheiro acima do nacionalismo.

Em dezembro de 1911, ele escreveu a um parente que estava convencido de que Paris era onde faria sua fortuna e previa que a prosperidade “chegaria de uma só vez”. Um ano depois, ele escreveu para casa: “Estou fazendo um voto de que você possa viver muito e desfrutar do prêmio que seu filho está prestes a receber para você e para toda a nossa família”.

A polícia interrogou Pablo Picasso, que já havia usado estatuetas roubadas do Louvre como modelo em pintura  Foto: Reprodução

Independentemente do que sua família estivesse esperando – algum dinheiro inesperado, talvez, ou então uma recompensa, uma aposta de sorte, um resgate – o próprio Peruggia ficou impaciente.

Ele voltou para a Itália com a pintura, escondendo-a em seu apartamento em Florença, onde em 29 de novembro de 1913, Alfredo Geri, um antiquário, recebeu uma carta postada de Paris. Ela dizia: “A obra roubada de Leonardo da Vinci está em minha posse. Parece pertencer à Itália, já que seu pintor era italiano.” Quem assinava a carta era um certo “Leonardo”.

Depois de entrar em contato com Giovanni Poggi, diretor da Galeria Degli Uffizi, de Florença, Geri respondeu à carta e, em 10 de dezembro, um homem bigodudo de cerca de um metro e meio de altura, que se identificou como “Leonardo” entrou na loja de Geri. Ele exigiu US $ 100 mil em despesas e se ofereceu para mostrar a Geri e Poggi a pintura em seu quarto no Hotel Tripoli-Italia.

Mais tarde, Peruggia foi preso no hotel onde se hospedava, mas se tornaria um herói de sua cidade natal.

Sofrendo de envenenamento por chumbo, provavelmente como resultado de seu trabalho como pintor, ele cumpriu sete meses de prisão antes de ser libertado e retornar ao seu hotel (que havia sido renomeado La Gioconda, pelo fato de a pintura ter sido encontrada lá). Mais tarde, ele se mudou para Paris, onde morreu em seu 44.º aniversário, em 1925.

O quadro 'Mona Lisa', de Leonardo Da Vinci, exposta no Museu do Louvre em Paris  Foto: PHILIPPE WOJAZER / REUTERS

Mas, durante meses após sua recuperação, a Mona Lisa viajou triunfalmente pela Itália alegrando as multidões. Os membros do Parlamento italiano queriam mantê-la, mas o ministro da Educação do país concordou graciosamente em devolvê-la ao Louvre.

“Embora a obra-prima seja cara a todos os italianos como uma das melhores produções do gênio de sua raça, nós a devolveremos de bom grado ao seu país de adoção”, ele disse, “como uma promessa de amizade e fraternidade entre as duas grandes nações latinas.”

A Mona Lisa seria “entregue ao embaixador francês com uma solenidade digna de Leonardo da Vinci”, acrescentou, “e um espírito de felicidade digno do sorriso de Mona Lisa”.

NO LOUVRE

Em 4 de janeiro de 1914, a pintura foi devolvida ao Museu do Louvre. Ela agora está pendurada na maior sala do museu, a Salle des États, na frente de As Bodas de Caná de Paolo Veronese – a maior pintura do museu – que, na verdade, havia sido saqueada por Napoleão Bonaparte em 1797 do refeitório do Mosteiro San Giorgio Maggiore em Veneza.

Após a derrota de Napoleão, os oficiais franceses não foram tão complacentes com o Veronese. Eles se recusaram a repatriar a tela monumental, dizendo que era frágil demais para fazer a viagem de volta.

Mas em 1815, com o papa Pio VII arbitrando as demandas de restituição, os franceses decidiram dar à Itália uma pintura em troca – não As Bodas de Caná, mas O Banquete na Casa de Simão, de Charles Le Brun.

A obra de Veronese aparentemente ainda era “frágil demais” para viajar, embora os conservadores franceses mais tarde tenham conseguido movê-la de sua localização regular no Louvre duas vezes, quando a nação estava em guerra, em 1870 e 1939. / TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Dia 8 de outubro foi o aniversário do nascimento – e também da morte – do pintor italiano que talvez tenha cometido o maior erro de repatriação de arte da história. Vincenzo Peruggia, o homem que roubou a Mona Lisa da França e a devolveu à Itália, nasceu em 1881 e morreu em 1925.

Embora ele tenha se equivocado como historiador e árbitro de proveniência – a pintura havia sido comprada de forma clara e limpa pelo rei da França, o país para o qual foi finalmente devolvida – vale a pena relembrar a proeza de Peruggia em um momento em que a repatriação continua sendo um campo de batalha obscuro.

A cada semana, ao que parece, os investigadores anunciam novas apreensões de antiguidades saqueadas de museus e coleções particulares. Os países de origem se alegram quando as obras e trabalhos são devolvidos. Colecionadores e museus reclamam que o conceito do que é arte roubada está sendo constantemente redefinido, à sua custa e, talvez, também à custa do público.

Os mármores de Lord Thomas Elgin pertencem à Grécia ou devem permanecer em Londres? Os Leões de São Marcos, na catedral de Veneza, devem ser devolvidos à Turquia?

Imagem da 'Mona Lisa', obra-prima de Leonardo da Vinci Foto: Reprodução

De sua parte, Peruggia se tornaria um herói nacional na Itália quando a obra-prima desaparecida de Leonardo da Vinci foi finalmente encontrada lá.

“Italianos agradecidos abraçaram o herói-ladrão como o Dom Quixote da Itália”, escreveu R.A. Scotti no seu livro em Vanished Smile: The Mysterious Theft of the Mona Lisa (2009).

Mesmo agora, a motivação de Peruggia não foi comprovada. Os detalhes do roubo espetacular ainda são incompletos. Mas isso parece ser conhecido: no início do século 20, o meio-retrato de Da Vinci de 1506 da nobre florentina Lisa del Giocondo (“mona” sugerindo nobre ou aristocrata, em italiano), a esposa de um comerciante de seda, já era uma das pinturas mais famosas do mundo.

Para protegê-la de vândalos, ela foi remontada no Salon Carré do Louvre, em Paris, dentro de uma caixa de vidro protetora que Peruggia, pintor de casas e vidraceiro que trabalhou no museu, pode ter ajudado a fabricar.

À NOITE

O dia do roubo, 21 de agosto de 1911, foi uma segunda-feira. O Louvre estava fechado para manutenção. Peruggia se escondeu durante a noite em um depósito ou entrou furtivamente no museu com outros trabalhadores naquela manhã.

Quando os guardas designados para a galeria estavam em suas rondas ou trabalhando como faxineiros, Peruggia, sozinho ou com cúmplices, removeu a pintura emoldurada e envidraçada de cerca de 90 quilos da parede e a arrastou para uma escada. Ele cuidadosamente removeu o retrato, que Da Vinci havia pintado em uma prancha de álamo de 76 por 53 centímetros e 8 quilos, de acordo com muitos jornais e outros relatos do roubo.

A ficha de identificação de Vincenzo Peruggia, que, por nacionalismo ou dinheiro, tirou a 'Mona Lisa' do Louvre e o levou à Itália em 1911 Foto: The New York Times

Com a ajuda de um encanador que encontrou, ele conseguiu destrancar uma porta de saída, enfiou o quadro debaixo do braço de seu avental branco de operário e o levou embora para seu apartamento de um quarto no hotel localizado no número 5 da Rue de l’Hôpital Saint-Louis, não longe da Gare de l’Est no 10.º Arrondissement – local onde ele o escondeu em um baú.

Ninguém percebeu que a pintura havia sumido até o dia seguinte, quando o artista Louis Béroud chegou para esboçar sua Mona Lisa au Louvre e em seu lugar encontrou quatro ganchos vazios.

Os guardas acharam que o retrato havia sido removido temporariamente para ser fotografado durante um inventário de rotina. No entanto, no final da manhã, depois de conversar com o fotógrafo do local, os funcionários do museu entraram em pânico.

NA ESCADA

Centenas de visitantes foram conduzidos para fora. Os investigadores vasculharam os quilômetros de galerias. Eles encontraram a moldura italiana da pintura na escada. Uma maçaneta quebrada foi descoberta em um jardim do lado de fora do museu. Mas a Mona Lisa havia desaparecido, sem deixar vestígios.

O roubo foi a matéria principal do jornal The New York Times do dia seguinte. Funcionários do museu envergonhados especularam sobre quem e o que estava por trás do assalto. Eles sugeriram que a pintura poderia não ter valor no mercado aberto – uma obra quente demais para ser negociada –, a menos que tivesse sido requisitada por um colecionador particular muito rico.

Ou talvez o ladrão planejasse devolver uma falsificação muito boa ao museu anonimamente e penhorar cópias quase perfeitas para venda como original. Ou talvez o roubo inédito tenha sido um golpe ousado de sabotagem cultural dos artistas modernos.

Retrato de Baldassare Castiglione, de Raphael, ficou no lugar da 'Mona Lisa', quando quadro foi roubado Foto: Reprodução

A polícia francesa até interrogou Pablo Picasso. Ele já havia usado várias estatuetas de pedra ibérica roubadas do Louvre por um amigo de um amigo, o poeta de vanguarda Guillaume Apollinaire, como modelo para sua pintura de 1907 Demoiselles d’Avignon. (Apollinaire passou alguns dias na prisão, a única pessoa presa pelas autoridades francesas no caso da Mona Lisa.)

Jean Théophile Homolle, diretor dos museus nacionais, que estava de férias quando a Mona Lisa desapareceu, zombou da ideia de que a pintura poderia ter sido roubada e, na pior das hipóteses, ter sido extraviada.

“Você também poderia imaginar”, ele disse, “que alguém poderia roubar as torres de Notre Dame”. Ele foi demitido.

Roubado ou não, o quadro havia desaparecido. Uma reprodução colorida foi pendurada em seu lugar. Então, em dezembro de 1912, um substituto mais substancial, o retrato de Baldassare Castiglione, um Homem, de Rafael, tomou o lugar do quadro de Da Vinci. A investigação permaneceu aberta, mas as esperanças de recuperar a obra-prima do italiano diminuíram.

NO BAÚ

Por dois anos, enquanto a pintura permaneceu no baú de Peruggia, as cartas do ladrão sugeriram múltiplas motivações, com destaque para o dinheiro acima do nacionalismo.

Em dezembro de 1911, ele escreveu a um parente que estava convencido de que Paris era onde faria sua fortuna e previa que a prosperidade “chegaria de uma só vez”. Um ano depois, ele escreveu para casa: “Estou fazendo um voto de que você possa viver muito e desfrutar do prêmio que seu filho está prestes a receber para você e para toda a nossa família”.

A polícia interrogou Pablo Picasso, que já havia usado estatuetas roubadas do Louvre como modelo em pintura  Foto: Reprodução

Independentemente do que sua família estivesse esperando – algum dinheiro inesperado, talvez, ou então uma recompensa, uma aposta de sorte, um resgate – o próprio Peruggia ficou impaciente.

Ele voltou para a Itália com a pintura, escondendo-a em seu apartamento em Florença, onde em 29 de novembro de 1913, Alfredo Geri, um antiquário, recebeu uma carta postada de Paris. Ela dizia: “A obra roubada de Leonardo da Vinci está em minha posse. Parece pertencer à Itália, já que seu pintor era italiano.” Quem assinava a carta era um certo “Leonardo”.

Depois de entrar em contato com Giovanni Poggi, diretor da Galeria Degli Uffizi, de Florença, Geri respondeu à carta e, em 10 de dezembro, um homem bigodudo de cerca de um metro e meio de altura, que se identificou como “Leonardo” entrou na loja de Geri. Ele exigiu US $ 100 mil em despesas e se ofereceu para mostrar a Geri e Poggi a pintura em seu quarto no Hotel Tripoli-Italia.

Mais tarde, Peruggia foi preso no hotel onde se hospedava, mas se tornaria um herói de sua cidade natal.

Sofrendo de envenenamento por chumbo, provavelmente como resultado de seu trabalho como pintor, ele cumpriu sete meses de prisão antes de ser libertado e retornar ao seu hotel (que havia sido renomeado La Gioconda, pelo fato de a pintura ter sido encontrada lá). Mais tarde, ele se mudou para Paris, onde morreu em seu 44.º aniversário, em 1925.

O quadro 'Mona Lisa', de Leonardo Da Vinci, exposta no Museu do Louvre em Paris  Foto: PHILIPPE WOJAZER / REUTERS

Mas, durante meses após sua recuperação, a Mona Lisa viajou triunfalmente pela Itália alegrando as multidões. Os membros do Parlamento italiano queriam mantê-la, mas o ministro da Educação do país concordou graciosamente em devolvê-la ao Louvre.

“Embora a obra-prima seja cara a todos os italianos como uma das melhores produções do gênio de sua raça, nós a devolveremos de bom grado ao seu país de adoção”, ele disse, “como uma promessa de amizade e fraternidade entre as duas grandes nações latinas.”

A Mona Lisa seria “entregue ao embaixador francês com uma solenidade digna de Leonardo da Vinci”, acrescentou, “e um espírito de felicidade digno do sorriso de Mona Lisa”.

NO LOUVRE

Em 4 de janeiro de 1914, a pintura foi devolvida ao Museu do Louvre. Ela agora está pendurada na maior sala do museu, a Salle des États, na frente de As Bodas de Caná de Paolo Veronese – a maior pintura do museu – que, na verdade, havia sido saqueada por Napoleão Bonaparte em 1797 do refeitório do Mosteiro San Giorgio Maggiore em Veneza.

Após a derrota de Napoleão, os oficiais franceses não foram tão complacentes com o Veronese. Eles se recusaram a repatriar a tela monumental, dizendo que era frágil demais para fazer a viagem de volta.

Mas em 1815, com o papa Pio VII arbitrando as demandas de restituição, os franceses decidiram dar à Itália uma pintura em troca – não As Bodas de Caná, mas O Banquete na Casa de Simão, de Charles Le Brun.

A obra de Veronese aparentemente ainda era “frágil demais” para viajar, embora os conservadores franceses mais tarde tenham conseguido movê-la de sua localização regular no Louvre duas vezes, quando a nação estava em guerra, em 1870 e 1939. / TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Dia 8 de outubro foi o aniversário do nascimento – e também da morte – do pintor italiano que talvez tenha cometido o maior erro de repatriação de arte da história. Vincenzo Peruggia, o homem que roubou a Mona Lisa da França e a devolveu à Itália, nasceu em 1881 e morreu em 1925.

Embora ele tenha se equivocado como historiador e árbitro de proveniência – a pintura havia sido comprada de forma clara e limpa pelo rei da França, o país para o qual foi finalmente devolvida – vale a pena relembrar a proeza de Peruggia em um momento em que a repatriação continua sendo um campo de batalha obscuro.

A cada semana, ao que parece, os investigadores anunciam novas apreensões de antiguidades saqueadas de museus e coleções particulares. Os países de origem se alegram quando as obras e trabalhos são devolvidos. Colecionadores e museus reclamam que o conceito do que é arte roubada está sendo constantemente redefinido, à sua custa e, talvez, também à custa do público.

Os mármores de Lord Thomas Elgin pertencem à Grécia ou devem permanecer em Londres? Os Leões de São Marcos, na catedral de Veneza, devem ser devolvidos à Turquia?

Imagem da 'Mona Lisa', obra-prima de Leonardo da Vinci Foto: Reprodução

De sua parte, Peruggia se tornaria um herói nacional na Itália quando a obra-prima desaparecida de Leonardo da Vinci foi finalmente encontrada lá.

“Italianos agradecidos abraçaram o herói-ladrão como o Dom Quixote da Itália”, escreveu R.A. Scotti no seu livro em Vanished Smile: The Mysterious Theft of the Mona Lisa (2009).

Mesmo agora, a motivação de Peruggia não foi comprovada. Os detalhes do roubo espetacular ainda são incompletos. Mas isso parece ser conhecido: no início do século 20, o meio-retrato de Da Vinci de 1506 da nobre florentina Lisa del Giocondo (“mona” sugerindo nobre ou aristocrata, em italiano), a esposa de um comerciante de seda, já era uma das pinturas mais famosas do mundo.

Para protegê-la de vândalos, ela foi remontada no Salon Carré do Louvre, em Paris, dentro de uma caixa de vidro protetora que Peruggia, pintor de casas e vidraceiro que trabalhou no museu, pode ter ajudado a fabricar.

À NOITE

O dia do roubo, 21 de agosto de 1911, foi uma segunda-feira. O Louvre estava fechado para manutenção. Peruggia se escondeu durante a noite em um depósito ou entrou furtivamente no museu com outros trabalhadores naquela manhã.

Quando os guardas designados para a galeria estavam em suas rondas ou trabalhando como faxineiros, Peruggia, sozinho ou com cúmplices, removeu a pintura emoldurada e envidraçada de cerca de 90 quilos da parede e a arrastou para uma escada. Ele cuidadosamente removeu o retrato, que Da Vinci havia pintado em uma prancha de álamo de 76 por 53 centímetros e 8 quilos, de acordo com muitos jornais e outros relatos do roubo.

A ficha de identificação de Vincenzo Peruggia, que, por nacionalismo ou dinheiro, tirou a 'Mona Lisa' do Louvre e o levou à Itália em 1911 Foto: The New York Times

Com a ajuda de um encanador que encontrou, ele conseguiu destrancar uma porta de saída, enfiou o quadro debaixo do braço de seu avental branco de operário e o levou embora para seu apartamento de um quarto no hotel localizado no número 5 da Rue de l’Hôpital Saint-Louis, não longe da Gare de l’Est no 10.º Arrondissement – local onde ele o escondeu em um baú.

Ninguém percebeu que a pintura havia sumido até o dia seguinte, quando o artista Louis Béroud chegou para esboçar sua Mona Lisa au Louvre e em seu lugar encontrou quatro ganchos vazios.

Os guardas acharam que o retrato havia sido removido temporariamente para ser fotografado durante um inventário de rotina. No entanto, no final da manhã, depois de conversar com o fotógrafo do local, os funcionários do museu entraram em pânico.

NA ESCADA

Centenas de visitantes foram conduzidos para fora. Os investigadores vasculharam os quilômetros de galerias. Eles encontraram a moldura italiana da pintura na escada. Uma maçaneta quebrada foi descoberta em um jardim do lado de fora do museu. Mas a Mona Lisa havia desaparecido, sem deixar vestígios.

O roubo foi a matéria principal do jornal The New York Times do dia seguinte. Funcionários do museu envergonhados especularam sobre quem e o que estava por trás do assalto. Eles sugeriram que a pintura poderia não ter valor no mercado aberto – uma obra quente demais para ser negociada –, a menos que tivesse sido requisitada por um colecionador particular muito rico.

Ou talvez o ladrão planejasse devolver uma falsificação muito boa ao museu anonimamente e penhorar cópias quase perfeitas para venda como original. Ou talvez o roubo inédito tenha sido um golpe ousado de sabotagem cultural dos artistas modernos.

Retrato de Baldassare Castiglione, de Raphael, ficou no lugar da 'Mona Lisa', quando quadro foi roubado Foto: Reprodução

A polícia francesa até interrogou Pablo Picasso. Ele já havia usado várias estatuetas de pedra ibérica roubadas do Louvre por um amigo de um amigo, o poeta de vanguarda Guillaume Apollinaire, como modelo para sua pintura de 1907 Demoiselles d’Avignon. (Apollinaire passou alguns dias na prisão, a única pessoa presa pelas autoridades francesas no caso da Mona Lisa.)

Jean Théophile Homolle, diretor dos museus nacionais, que estava de férias quando a Mona Lisa desapareceu, zombou da ideia de que a pintura poderia ter sido roubada e, na pior das hipóteses, ter sido extraviada.

“Você também poderia imaginar”, ele disse, “que alguém poderia roubar as torres de Notre Dame”. Ele foi demitido.

Roubado ou não, o quadro havia desaparecido. Uma reprodução colorida foi pendurada em seu lugar. Então, em dezembro de 1912, um substituto mais substancial, o retrato de Baldassare Castiglione, um Homem, de Rafael, tomou o lugar do quadro de Da Vinci. A investigação permaneceu aberta, mas as esperanças de recuperar a obra-prima do italiano diminuíram.

NO BAÚ

Por dois anos, enquanto a pintura permaneceu no baú de Peruggia, as cartas do ladrão sugeriram múltiplas motivações, com destaque para o dinheiro acima do nacionalismo.

Em dezembro de 1911, ele escreveu a um parente que estava convencido de que Paris era onde faria sua fortuna e previa que a prosperidade “chegaria de uma só vez”. Um ano depois, ele escreveu para casa: “Estou fazendo um voto de que você possa viver muito e desfrutar do prêmio que seu filho está prestes a receber para você e para toda a nossa família”.

A polícia interrogou Pablo Picasso, que já havia usado estatuetas roubadas do Louvre como modelo em pintura  Foto: Reprodução

Independentemente do que sua família estivesse esperando – algum dinheiro inesperado, talvez, ou então uma recompensa, uma aposta de sorte, um resgate – o próprio Peruggia ficou impaciente.

Ele voltou para a Itália com a pintura, escondendo-a em seu apartamento em Florença, onde em 29 de novembro de 1913, Alfredo Geri, um antiquário, recebeu uma carta postada de Paris. Ela dizia: “A obra roubada de Leonardo da Vinci está em minha posse. Parece pertencer à Itália, já que seu pintor era italiano.” Quem assinava a carta era um certo “Leonardo”.

Depois de entrar em contato com Giovanni Poggi, diretor da Galeria Degli Uffizi, de Florença, Geri respondeu à carta e, em 10 de dezembro, um homem bigodudo de cerca de um metro e meio de altura, que se identificou como “Leonardo” entrou na loja de Geri. Ele exigiu US $ 100 mil em despesas e se ofereceu para mostrar a Geri e Poggi a pintura em seu quarto no Hotel Tripoli-Italia.

Mais tarde, Peruggia foi preso no hotel onde se hospedava, mas se tornaria um herói de sua cidade natal.

Sofrendo de envenenamento por chumbo, provavelmente como resultado de seu trabalho como pintor, ele cumpriu sete meses de prisão antes de ser libertado e retornar ao seu hotel (que havia sido renomeado La Gioconda, pelo fato de a pintura ter sido encontrada lá). Mais tarde, ele se mudou para Paris, onde morreu em seu 44.º aniversário, em 1925.

O quadro 'Mona Lisa', de Leonardo Da Vinci, exposta no Museu do Louvre em Paris  Foto: PHILIPPE WOJAZER / REUTERS

Mas, durante meses após sua recuperação, a Mona Lisa viajou triunfalmente pela Itália alegrando as multidões. Os membros do Parlamento italiano queriam mantê-la, mas o ministro da Educação do país concordou graciosamente em devolvê-la ao Louvre.

“Embora a obra-prima seja cara a todos os italianos como uma das melhores produções do gênio de sua raça, nós a devolveremos de bom grado ao seu país de adoção”, ele disse, “como uma promessa de amizade e fraternidade entre as duas grandes nações latinas.”

A Mona Lisa seria “entregue ao embaixador francês com uma solenidade digna de Leonardo da Vinci”, acrescentou, “e um espírito de felicidade digno do sorriso de Mona Lisa”.

NO LOUVRE

Em 4 de janeiro de 1914, a pintura foi devolvida ao Museu do Louvre. Ela agora está pendurada na maior sala do museu, a Salle des États, na frente de As Bodas de Caná de Paolo Veronese – a maior pintura do museu – que, na verdade, havia sido saqueada por Napoleão Bonaparte em 1797 do refeitório do Mosteiro San Giorgio Maggiore em Veneza.

Após a derrota de Napoleão, os oficiais franceses não foram tão complacentes com o Veronese. Eles se recusaram a repatriar a tela monumental, dizendo que era frágil demais para fazer a viagem de volta.

Mas em 1815, com o papa Pio VII arbitrando as demandas de restituição, os franceses decidiram dar à Itália uma pintura em troca – não As Bodas de Caná, mas O Banquete na Casa de Simão, de Charles Le Brun.

A obra de Veronese aparentemente ainda era “frágil demais” para viajar, embora os conservadores franceses mais tarde tenham conseguido movê-la de sua localização regular no Louvre duas vezes, quando a nação estava em guerra, em 1870 e 1939. / TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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