Um ano depois de Beeple, o NFT mudou os artistas. Mas mudou a arte?


Para especialista, à medida que a novidade do NFT passar, as pessoas vão apenas falar sobre 'arte digital' e deixá-lo de lado, como um detalhe na transferência de propriedade

Por Blake Gopnik

Por volta de 1425, o artista florentino Masaccio pintou as primeiras grandes obras pela perspectiva de um ponto. Isso revolucionou o que os artistas poderiam fazer para sempre.

Em Paris, em 1839, Louis-Jacques-Mandé Daguerre demonstrou sua nova invenção fotográfica. Mudou a natureza da representação visual e as paredes do museu não foram as mesmas desde então.

Beeple, artista conhecido pelo sucesso nas vendas NFT, com convidados em uma exibição física de sua arte em Nova York, em 3 de março de 2022 Foto: Landon Nordeman/The New York Times
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Em 11 de março de 2021, há um ano, Mike Winkelmann, cujo nome artístico é Beeple, vendeu uma colagem de ilustrações de computador por US$ 69 milhões simplesmente porque essa colagem veio anexada a um certificado digital chamado NFT. Esse preço colossal lançou uma corrida maluca entre criadores de todos os tipos – ilustradores, músicos, fotógrafos e até alguns veteranos de vanguarda – para se juntar à corrida do ouro do NFT.

Nos 12 meses seguintes, algo como US$ 44 bilhões foram gastos em cerca de 6 milhões de NFTs, geralmente emitidos para certificar criações digitais, mas às vezes para objetos físicos como pinturas e esculturas.

Mas esse vasto tsunami de “arte NFT” realmente desencadeou algum tipo de mudança radical na aparência da arte, no que ela significa ou no que, em algum sentido profundo, ela é? Dificilmente, e há uma chance de que tal mudança seja quase impossível: isso porque a “arte NFT” simplesmente não existe.

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Um NFT — um token não fungível — nada mais é do que um certificado de propriedade e autenticidade que pode ser anexado a qualquer tipo de objeto, até mesmo a um tênis ou artigo de jornal, e que não pode ser trocado ou perdido porque vive em uma blockchain.

Imagine um NFT como sendo a escritura de uma casa: ele diz quem é o dono e talvez algumas coisas sobre ela, mas você nunca falaria sobre uma “casa com escritura” como se isso fosse de alguma forma diferente de uma casa à moda antiga. Idem para “arte NFT” versus “arte” à moda antiga.

Normalmente, o objeto de arte que recebe um NFT é um arquivo digital – talvez uma imagem JPEG ou um vídeo MP4 – que fica em algum disco rígido e que parece ou soa exatamente como nas décadas anteriores ao surgimento dos NFTs. Mesmo os trabalhos menos tradicionais que vêm com um “certificado” NFT, como as animações autobiográficas do adolescente transgênero conhecido como Fewocious, seriam tão bons ou ruins, dependendo do gosto de cada um, se nunca tivessem sido “certificados” com o NFT .

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Arte digital do artista Beeple, vendida em NFT por 69 milhões de dólares Foto: Reprodução

O próprio Beeple está trocando o digital pelo físico em sua primeira exposição na Jack Hanley, em Nova York: ele está mostrando gravuras, desenhos e pinturas – como se nunca houvesse algo inerentemente NFT em seu trabalho desde o início. (Os objetos em Hanley também terão um NFT, para venda, no blockchain.)

Se um hacker conseguisse destruir todos os NFTs, 99,9% das criações que esses NFTs “certificam” permaneceriam inalteradas. (Chegaremos aos 0,1% restantes daqui a pouco, porque essa é a parte divertida e vital desta história: os poucos NFTs que podem levar a uma nova arte.)

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“Eu apoiaria de todo o coração a afirmação de que não há arte NFT – que há arte, ou há arte digital”, disse Rudolf Frieling, curador de artes de mídia do Museu de Arte Moderna de São Francisco, pioneiro na coleta de arte digital de todos os tipos, de sites a esculturas impressas em 3D. “A ideia de que você poderia ter uma ‘exposição de arte NFT’ é, na minha opinião, francamente, ridícula”, disse Frieling.

Michael Bouhanna, especialista da casa de leilões Sotheby’s em Londres, vende obras de arte digitais com “escrituras” NFT há mais tempo do que quase todos. Ele acha que em pouco tempo, à medida que a novidade dos NFTs passar, as pessoas vão apenas falar sobre “arte digital” e deixar o NFT de lado, como um detalhe na transferência de propriedade.

Arte digital do artista Banksy, vendida em NFT por 382 mil dólares no passado Foto: Reprodução
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As vendas, e não a estética, foram a razão pela qual os NFTs foram criados. Em 2014, o veterano artista digital Kevin McCoy estava trabalhando até altas horas em uma maratona de arte voltada para tecnologia no New Museum em Nova York, quando ele e um tecnólogo chamado Anil Dash criaram o que é amplamente visto como o primeiro NFT (embora ainda não tivesse esse nome).

Na outra semana, fui a uma casa bem reformada em Greenpoint, Brooklyn, para me encontrar com McCoy, 55, e sua esposa, Jennifer, 53, que são parceiros na vida e na arte desde 1990. McCoy explicou que, em 2014, ele estava procurando uma maneira de assegurar a autoria e transferir a propriedade das criações digitais que ele e seus amigos fizeram e na maioria das vezes não conseguiram vender. Afinal, um arquivo digital, seja um vídeo ou um JPEG como os feitos por Beeple, pode ser copiado infinita e perfeitamente – e talvez devesse ser, se os artistas quiserem que suas ideias tenham um grande impacto.

Era necessário uma maneira de tornar algumas dessas cópias “autênticas”, diferentes o suficiente de todas as outras cópias. McCoy percebeu que as blockchains poderiam funcionar como uma espécie de cofre virtual. Coloque a escritura de uma obra de arte digital nesse cofre, como um NFT, e um colecionador de repente terá algo fixo que pode ser possuído e negociado.

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Os McCoys disseram que, ao dar aos artistas digitais uma maneira de vender objetos de arte com um pouco da facilidade que pintores e escultores sempre tiveram, o novo token que Kevin McCoy projetouajudaria os artistas e sua arte a sobreviver e prosperar. “Você podia realmente sentir que havia espaço livre para pensar”, disse Jennifer McCoy.

Nyan Cat, meme que já foi vendido como NFT Foto: Reprodução

Oito anos depois, a ideia finalmente valeu a pena para os McCoys. O primeiro NFT que Kevin criou, que ele anexou a uma modesta abstração digital intitulada “Quantum”, foi vendido em junho passado na Sotheby’s por US$ 1,4 milhão.

Mas os NFTs não estão fazendo tanto para a maioria dos artistas. Pedi ao economista Ethan McMahon, da empresa de análise Chainalysis, que analisasse alguns números, e eles mostraram que cerca de metade de todos os NFTs vendidos custam menos de US$ 400 – dificilmente o suficiente para cobrir os custos da blockchain quando um criador “cunha” um NFT, sem falar nos custos de manutenção de um estúdio digital. (E isso sem contar o número incontável de NFTs que não vendem nada.)

McMahon também disse que quase todas as ações de revenda de NFTs, onde o dinheiro real é ganho, acontecem no topo do mercado; a grande maioria dos NFTs mal é revendida. “As pessoas que estão tentando lucrar com qualquer loucura que existe em torno desse espaço NFT realmente precisam ter cuidado”, disse McMahon. “Porque muitas vezes acaba sendo uma desvantagem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Por volta de 1425, o artista florentino Masaccio pintou as primeiras grandes obras pela perspectiva de um ponto. Isso revolucionou o que os artistas poderiam fazer para sempre.

Em Paris, em 1839, Louis-Jacques-Mandé Daguerre demonstrou sua nova invenção fotográfica. Mudou a natureza da representação visual e as paredes do museu não foram as mesmas desde então.

Beeple, artista conhecido pelo sucesso nas vendas NFT, com convidados em uma exibição física de sua arte em Nova York, em 3 de março de 2022 Foto: Landon Nordeman/The New York Times

Em 11 de março de 2021, há um ano, Mike Winkelmann, cujo nome artístico é Beeple, vendeu uma colagem de ilustrações de computador por US$ 69 milhões simplesmente porque essa colagem veio anexada a um certificado digital chamado NFT. Esse preço colossal lançou uma corrida maluca entre criadores de todos os tipos – ilustradores, músicos, fotógrafos e até alguns veteranos de vanguarda – para se juntar à corrida do ouro do NFT.

Nos 12 meses seguintes, algo como US$ 44 bilhões foram gastos em cerca de 6 milhões de NFTs, geralmente emitidos para certificar criações digitais, mas às vezes para objetos físicos como pinturas e esculturas.

Mas esse vasto tsunami de “arte NFT” realmente desencadeou algum tipo de mudança radical na aparência da arte, no que ela significa ou no que, em algum sentido profundo, ela é? Dificilmente, e há uma chance de que tal mudança seja quase impossível: isso porque a “arte NFT” simplesmente não existe.

Um NFT — um token não fungível — nada mais é do que um certificado de propriedade e autenticidade que pode ser anexado a qualquer tipo de objeto, até mesmo a um tênis ou artigo de jornal, e que não pode ser trocado ou perdido porque vive em uma blockchain.

Imagine um NFT como sendo a escritura de uma casa: ele diz quem é o dono e talvez algumas coisas sobre ela, mas você nunca falaria sobre uma “casa com escritura” como se isso fosse de alguma forma diferente de uma casa à moda antiga. Idem para “arte NFT” versus “arte” à moda antiga.

Normalmente, o objeto de arte que recebe um NFT é um arquivo digital – talvez uma imagem JPEG ou um vídeo MP4 – que fica em algum disco rígido e que parece ou soa exatamente como nas décadas anteriores ao surgimento dos NFTs. Mesmo os trabalhos menos tradicionais que vêm com um “certificado” NFT, como as animações autobiográficas do adolescente transgênero conhecido como Fewocious, seriam tão bons ou ruins, dependendo do gosto de cada um, se nunca tivessem sido “certificados” com o NFT .

Arte digital do artista Beeple, vendida em NFT por 69 milhões de dólares Foto: Reprodução

O próprio Beeple está trocando o digital pelo físico em sua primeira exposição na Jack Hanley, em Nova York: ele está mostrando gravuras, desenhos e pinturas – como se nunca houvesse algo inerentemente NFT em seu trabalho desde o início. (Os objetos em Hanley também terão um NFT, para venda, no blockchain.)

Se um hacker conseguisse destruir todos os NFTs, 99,9% das criações que esses NFTs “certificam” permaneceriam inalteradas. (Chegaremos aos 0,1% restantes daqui a pouco, porque essa é a parte divertida e vital desta história: os poucos NFTs que podem levar a uma nova arte.)

“Eu apoiaria de todo o coração a afirmação de que não há arte NFT – que há arte, ou há arte digital”, disse Rudolf Frieling, curador de artes de mídia do Museu de Arte Moderna de São Francisco, pioneiro na coleta de arte digital de todos os tipos, de sites a esculturas impressas em 3D. “A ideia de que você poderia ter uma ‘exposição de arte NFT’ é, na minha opinião, francamente, ridícula”, disse Frieling.

Michael Bouhanna, especialista da casa de leilões Sotheby’s em Londres, vende obras de arte digitais com “escrituras” NFT há mais tempo do que quase todos. Ele acha que em pouco tempo, à medida que a novidade dos NFTs passar, as pessoas vão apenas falar sobre “arte digital” e deixar o NFT de lado, como um detalhe na transferência de propriedade.

Arte digital do artista Banksy, vendida em NFT por 382 mil dólares no passado Foto: Reprodução

As vendas, e não a estética, foram a razão pela qual os NFTs foram criados. Em 2014, o veterano artista digital Kevin McCoy estava trabalhando até altas horas em uma maratona de arte voltada para tecnologia no New Museum em Nova York, quando ele e um tecnólogo chamado Anil Dash criaram o que é amplamente visto como o primeiro NFT (embora ainda não tivesse esse nome).

Na outra semana, fui a uma casa bem reformada em Greenpoint, Brooklyn, para me encontrar com McCoy, 55, e sua esposa, Jennifer, 53, que são parceiros na vida e na arte desde 1990. McCoy explicou que, em 2014, ele estava procurando uma maneira de assegurar a autoria e transferir a propriedade das criações digitais que ele e seus amigos fizeram e na maioria das vezes não conseguiram vender. Afinal, um arquivo digital, seja um vídeo ou um JPEG como os feitos por Beeple, pode ser copiado infinita e perfeitamente – e talvez devesse ser, se os artistas quiserem que suas ideias tenham um grande impacto.

Era necessário uma maneira de tornar algumas dessas cópias “autênticas”, diferentes o suficiente de todas as outras cópias. McCoy percebeu que as blockchains poderiam funcionar como uma espécie de cofre virtual. Coloque a escritura de uma obra de arte digital nesse cofre, como um NFT, e um colecionador de repente terá algo fixo que pode ser possuído e negociado.

Os McCoys disseram que, ao dar aos artistas digitais uma maneira de vender objetos de arte com um pouco da facilidade que pintores e escultores sempre tiveram, o novo token que Kevin McCoy projetouajudaria os artistas e sua arte a sobreviver e prosperar. “Você podia realmente sentir que havia espaço livre para pensar”, disse Jennifer McCoy.

Nyan Cat, meme que já foi vendido como NFT Foto: Reprodução

Oito anos depois, a ideia finalmente valeu a pena para os McCoys. O primeiro NFT que Kevin criou, que ele anexou a uma modesta abstração digital intitulada “Quantum”, foi vendido em junho passado na Sotheby’s por US$ 1,4 milhão.

Mas os NFTs não estão fazendo tanto para a maioria dos artistas. Pedi ao economista Ethan McMahon, da empresa de análise Chainalysis, que analisasse alguns números, e eles mostraram que cerca de metade de todos os NFTs vendidos custam menos de US$ 400 – dificilmente o suficiente para cobrir os custos da blockchain quando um criador “cunha” um NFT, sem falar nos custos de manutenção de um estúdio digital. (E isso sem contar o número incontável de NFTs que não vendem nada.)

McMahon também disse que quase todas as ações de revenda de NFTs, onde o dinheiro real é ganho, acontecem no topo do mercado; a grande maioria dos NFTs mal é revendida. “As pessoas que estão tentando lucrar com qualquer loucura que existe em torno desse espaço NFT realmente precisam ter cuidado”, disse McMahon. “Porque muitas vezes acaba sendo uma desvantagem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Por volta de 1425, o artista florentino Masaccio pintou as primeiras grandes obras pela perspectiva de um ponto. Isso revolucionou o que os artistas poderiam fazer para sempre.

Em Paris, em 1839, Louis-Jacques-Mandé Daguerre demonstrou sua nova invenção fotográfica. Mudou a natureza da representação visual e as paredes do museu não foram as mesmas desde então.

Beeple, artista conhecido pelo sucesso nas vendas NFT, com convidados em uma exibição física de sua arte em Nova York, em 3 de março de 2022 Foto: Landon Nordeman/The New York Times

Em 11 de março de 2021, há um ano, Mike Winkelmann, cujo nome artístico é Beeple, vendeu uma colagem de ilustrações de computador por US$ 69 milhões simplesmente porque essa colagem veio anexada a um certificado digital chamado NFT. Esse preço colossal lançou uma corrida maluca entre criadores de todos os tipos – ilustradores, músicos, fotógrafos e até alguns veteranos de vanguarda – para se juntar à corrida do ouro do NFT.

Nos 12 meses seguintes, algo como US$ 44 bilhões foram gastos em cerca de 6 milhões de NFTs, geralmente emitidos para certificar criações digitais, mas às vezes para objetos físicos como pinturas e esculturas.

Mas esse vasto tsunami de “arte NFT” realmente desencadeou algum tipo de mudança radical na aparência da arte, no que ela significa ou no que, em algum sentido profundo, ela é? Dificilmente, e há uma chance de que tal mudança seja quase impossível: isso porque a “arte NFT” simplesmente não existe.

Um NFT — um token não fungível — nada mais é do que um certificado de propriedade e autenticidade que pode ser anexado a qualquer tipo de objeto, até mesmo a um tênis ou artigo de jornal, e que não pode ser trocado ou perdido porque vive em uma blockchain.

Imagine um NFT como sendo a escritura de uma casa: ele diz quem é o dono e talvez algumas coisas sobre ela, mas você nunca falaria sobre uma “casa com escritura” como se isso fosse de alguma forma diferente de uma casa à moda antiga. Idem para “arte NFT” versus “arte” à moda antiga.

Normalmente, o objeto de arte que recebe um NFT é um arquivo digital – talvez uma imagem JPEG ou um vídeo MP4 – que fica em algum disco rígido e que parece ou soa exatamente como nas décadas anteriores ao surgimento dos NFTs. Mesmo os trabalhos menos tradicionais que vêm com um “certificado” NFT, como as animações autobiográficas do adolescente transgênero conhecido como Fewocious, seriam tão bons ou ruins, dependendo do gosto de cada um, se nunca tivessem sido “certificados” com o NFT .

Arte digital do artista Beeple, vendida em NFT por 69 milhões de dólares Foto: Reprodução

O próprio Beeple está trocando o digital pelo físico em sua primeira exposição na Jack Hanley, em Nova York: ele está mostrando gravuras, desenhos e pinturas – como se nunca houvesse algo inerentemente NFT em seu trabalho desde o início. (Os objetos em Hanley também terão um NFT, para venda, no blockchain.)

Se um hacker conseguisse destruir todos os NFTs, 99,9% das criações que esses NFTs “certificam” permaneceriam inalteradas. (Chegaremos aos 0,1% restantes daqui a pouco, porque essa é a parte divertida e vital desta história: os poucos NFTs que podem levar a uma nova arte.)

“Eu apoiaria de todo o coração a afirmação de que não há arte NFT – que há arte, ou há arte digital”, disse Rudolf Frieling, curador de artes de mídia do Museu de Arte Moderna de São Francisco, pioneiro na coleta de arte digital de todos os tipos, de sites a esculturas impressas em 3D. “A ideia de que você poderia ter uma ‘exposição de arte NFT’ é, na minha opinião, francamente, ridícula”, disse Frieling.

Michael Bouhanna, especialista da casa de leilões Sotheby’s em Londres, vende obras de arte digitais com “escrituras” NFT há mais tempo do que quase todos. Ele acha que em pouco tempo, à medida que a novidade dos NFTs passar, as pessoas vão apenas falar sobre “arte digital” e deixar o NFT de lado, como um detalhe na transferência de propriedade.

Arte digital do artista Banksy, vendida em NFT por 382 mil dólares no passado Foto: Reprodução

As vendas, e não a estética, foram a razão pela qual os NFTs foram criados. Em 2014, o veterano artista digital Kevin McCoy estava trabalhando até altas horas em uma maratona de arte voltada para tecnologia no New Museum em Nova York, quando ele e um tecnólogo chamado Anil Dash criaram o que é amplamente visto como o primeiro NFT (embora ainda não tivesse esse nome).

Na outra semana, fui a uma casa bem reformada em Greenpoint, Brooklyn, para me encontrar com McCoy, 55, e sua esposa, Jennifer, 53, que são parceiros na vida e na arte desde 1990. McCoy explicou que, em 2014, ele estava procurando uma maneira de assegurar a autoria e transferir a propriedade das criações digitais que ele e seus amigos fizeram e na maioria das vezes não conseguiram vender. Afinal, um arquivo digital, seja um vídeo ou um JPEG como os feitos por Beeple, pode ser copiado infinita e perfeitamente – e talvez devesse ser, se os artistas quiserem que suas ideias tenham um grande impacto.

Era necessário uma maneira de tornar algumas dessas cópias “autênticas”, diferentes o suficiente de todas as outras cópias. McCoy percebeu que as blockchains poderiam funcionar como uma espécie de cofre virtual. Coloque a escritura de uma obra de arte digital nesse cofre, como um NFT, e um colecionador de repente terá algo fixo que pode ser possuído e negociado.

Os McCoys disseram que, ao dar aos artistas digitais uma maneira de vender objetos de arte com um pouco da facilidade que pintores e escultores sempre tiveram, o novo token que Kevin McCoy projetouajudaria os artistas e sua arte a sobreviver e prosperar. “Você podia realmente sentir que havia espaço livre para pensar”, disse Jennifer McCoy.

Nyan Cat, meme que já foi vendido como NFT Foto: Reprodução

Oito anos depois, a ideia finalmente valeu a pena para os McCoys. O primeiro NFT que Kevin criou, que ele anexou a uma modesta abstração digital intitulada “Quantum”, foi vendido em junho passado na Sotheby’s por US$ 1,4 milhão.

Mas os NFTs não estão fazendo tanto para a maioria dos artistas. Pedi ao economista Ethan McMahon, da empresa de análise Chainalysis, que analisasse alguns números, e eles mostraram que cerca de metade de todos os NFTs vendidos custam menos de US$ 400 – dificilmente o suficiente para cobrir os custos da blockchain quando um criador “cunha” um NFT, sem falar nos custos de manutenção de um estúdio digital. (E isso sem contar o número incontável de NFTs que não vendem nada.)

McMahon também disse que quase todas as ações de revenda de NFTs, onde o dinheiro real é ganho, acontecem no topo do mercado; a grande maioria dos NFTs mal é revendida. “As pessoas que estão tentando lucrar com qualquer loucura que existe em torno desse espaço NFT realmente precisam ter cuidado”, disse McMahon. “Porque muitas vezes acaba sendo uma desvantagem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Por volta de 1425, o artista florentino Masaccio pintou as primeiras grandes obras pela perspectiva de um ponto. Isso revolucionou o que os artistas poderiam fazer para sempre.

Em Paris, em 1839, Louis-Jacques-Mandé Daguerre demonstrou sua nova invenção fotográfica. Mudou a natureza da representação visual e as paredes do museu não foram as mesmas desde então.

Beeple, artista conhecido pelo sucesso nas vendas NFT, com convidados em uma exibição física de sua arte em Nova York, em 3 de março de 2022 Foto: Landon Nordeman/The New York Times

Em 11 de março de 2021, há um ano, Mike Winkelmann, cujo nome artístico é Beeple, vendeu uma colagem de ilustrações de computador por US$ 69 milhões simplesmente porque essa colagem veio anexada a um certificado digital chamado NFT. Esse preço colossal lançou uma corrida maluca entre criadores de todos os tipos – ilustradores, músicos, fotógrafos e até alguns veteranos de vanguarda – para se juntar à corrida do ouro do NFT.

Nos 12 meses seguintes, algo como US$ 44 bilhões foram gastos em cerca de 6 milhões de NFTs, geralmente emitidos para certificar criações digitais, mas às vezes para objetos físicos como pinturas e esculturas.

Mas esse vasto tsunami de “arte NFT” realmente desencadeou algum tipo de mudança radical na aparência da arte, no que ela significa ou no que, em algum sentido profundo, ela é? Dificilmente, e há uma chance de que tal mudança seja quase impossível: isso porque a “arte NFT” simplesmente não existe.

Um NFT — um token não fungível — nada mais é do que um certificado de propriedade e autenticidade que pode ser anexado a qualquer tipo de objeto, até mesmo a um tênis ou artigo de jornal, e que não pode ser trocado ou perdido porque vive em uma blockchain.

Imagine um NFT como sendo a escritura de uma casa: ele diz quem é o dono e talvez algumas coisas sobre ela, mas você nunca falaria sobre uma “casa com escritura” como se isso fosse de alguma forma diferente de uma casa à moda antiga. Idem para “arte NFT” versus “arte” à moda antiga.

Normalmente, o objeto de arte que recebe um NFT é um arquivo digital – talvez uma imagem JPEG ou um vídeo MP4 – que fica em algum disco rígido e que parece ou soa exatamente como nas décadas anteriores ao surgimento dos NFTs. Mesmo os trabalhos menos tradicionais que vêm com um “certificado” NFT, como as animações autobiográficas do adolescente transgênero conhecido como Fewocious, seriam tão bons ou ruins, dependendo do gosto de cada um, se nunca tivessem sido “certificados” com o NFT .

Arte digital do artista Beeple, vendida em NFT por 69 milhões de dólares Foto: Reprodução

O próprio Beeple está trocando o digital pelo físico em sua primeira exposição na Jack Hanley, em Nova York: ele está mostrando gravuras, desenhos e pinturas – como se nunca houvesse algo inerentemente NFT em seu trabalho desde o início. (Os objetos em Hanley também terão um NFT, para venda, no blockchain.)

Se um hacker conseguisse destruir todos os NFTs, 99,9% das criações que esses NFTs “certificam” permaneceriam inalteradas. (Chegaremos aos 0,1% restantes daqui a pouco, porque essa é a parte divertida e vital desta história: os poucos NFTs que podem levar a uma nova arte.)

“Eu apoiaria de todo o coração a afirmação de que não há arte NFT – que há arte, ou há arte digital”, disse Rudolf Frieling, curador de artes de mídia do Museu de Arte Moderna de São Francisco, pioneiro na coleta de arte digital de todos os tipos, de sites a esculturas impressas em 3D. “A ideia de que você poderia ter uma ‘exposição de arte NFT’ é, na minha opinião, francamente, ridícula”, disse Frieling.

Michael Bouhanna, especialista da casa de leilões Sotheby’s em Londres, vende obras de arte digitais com “escrituras” NFT há mais tempo do que quase todos. Ele acha que em pouco tempo, à medida que a novidade dos NFTs passar, as pessoas vão apenas falar sobre “arte digital” e deixar o NFT de lado, como um detalhe na transferência de propriedade.

Arte digital do artista Banksy, vendida em NFT por 382 mil dólares no passado Foto: Reprodução

As vendas, e não a estética, foram a razão pela qual os NFTs foram criados. Em 2014, o veterano artista digital Kevin McCoy estava trabalhando até altas horas em uma maratona de arte voltada para tecnologia no New Museum em Nova York, quando ele e um tecnólogo chamado Anil Dash criaram o que é amplamente visto como o primeiro NFT (embora ainda não tivesse esse nome).

Na outra semana, fui a uma casa bem reformada em Greenpoint, Brooklyn, para me encontrar com McCoy, 55, e sua esposa, Jennifer, 53, que são parceiros na vida e na arte desde 1990. McCoy explicou que, em 2014, ele estava procurando uma maneira de assegurar a autoria e transferir a propriedade das criações digitais que ele e seus amigos fizeram e na maioria das vezes não conseguiram vender. Afinal, um arquivo digital, seja um vídeo ou um JPEG como os feitos por Beeple, pode ser copiado infinita e perfeitamente – e talvez devesse ser, se os artistas quiserem que suas ideias tenham um grande impacto.

Era necessário uma maneira de tornar algumas dessas cópias “autênticas”, diferentes o suficiente de todas as outras cópias. McCoy percebeu que as blockchains poderiam funcionar como uma espécie de cofre virtual. Coloque a escritura de uma obra de arte digital nesse cofre, como um NFT, e um colecionador de repente terá algo fixo que pode ser possuído e negociado.

Os McCoys disseram que, ao dar aos artistas digitais uma maneira de vender objetos de arte com um pouco da facilidade que pintores e escultores sempre tiveram, o novo token que Kevin McCoy projetouajudaria os artistas e sua arte a sobreviver e prosperar. “Você podia realmente sentir que havia espaço livre para pensar”, disse Jennifer McCoy.

Nyan Cat, meme que já foi vendido como NFT Foto: Reprodução

Oito anos depois, a ideia finalmente valeu a pena para os McCoys. O primeiro NFT que Kevin criou, que ele anexou a uma modesta abstração digital intitulada “Quantum”, foi vendido em junho passado na Sotheby’s por US$ 1,4 milhão.

Mas os NFTs não estão fazendo tanto para a maioria dos artistas. Pedi ao economista Ethan McMahon, da empresa de análise Chainalysis, que analisasse alguns números, e eles mostraram que cerca de metade de todos os NFTs vendidos custam menos de US$ 400 – dificilmente o suficiente para cobrir os custos da blockchain quando um criador “cunha” um NFT, sem falar nos custos de manutenção de um estúdio digital. (E isso sem contar o número incontável de NFTs que não vendem nada.)

McMahon também disse que quase todas as ações de revenda de NFTs, onde o dinheiro real é ganho, acontecem no topo do mercado; a grande maioria dos NFTs mal é revendida. “As pessoas que estão tentando lucrar com qualquer loucura que existe em torno desse espaço NFT realmente precisam ter cuidado”, disse McMahon. “Porque muitas vezes acaba sendo uma desvantagem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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