As várias faces de João Cabral de Melo Neto


Nova biografia do jornalista mineiro Ivan Marques expõe as contradições do escritor e diplomata pernambucano

Por Ronaldo Bressane

João Cabral de Melo Neto foi um mangue de contradições, paradoxos e claroescuros: é o que se conclui de Uma Biografia, catatau de 557 páginas escritas pelo mineiro Ivan Marques. Jornalista e professor de literatura brasileira na USP, Marques optou por uma narrativa saborosa mas sóbria, calcada em fatos e eventos pesquisados com rigor, pontilhada por sobrevoos sutis na obra de um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os tempos. A interpretação da vida do autor de Morte e Vida Severina é apreciada mais através de edição de dados factuais do que por meio de comentários ou análises adjetivados, e escapa de teorizações e impressionismos. Embora acadêmico, Marques preferiu um texto limpo e exato. Consonante com o objeto de estudo, o professor mediu o material em Cabral: o apego à substância, ao concreto.

Nela se lê como o herdeiro de tradicional família de usineiros – empobrecida mas sempre se valendo de suas conexões políticas –, fascinado pelo Surrealismo, acerca-se de rodas literárias em Pernambuco e Rio de Janeiro, influenciando e sendo influenciado por muitos amigos, e, admirador de Le Corbusier, ergue dois edifícios contíguos, mas comunicantes: a vida literária e a carreira diplomática. Serviu em variados postos em Europa, África e América, frequentava cabarés atrás de bailarinas e toureiros, não negava um uisquinho e vivia em permanente dor de cabeça (daí o consumo diário de dez aspirinas). Editou e imprimiu livros, agitou cenas literárias no Brasil e na Europa, reconhecia e rivalizava com os mestres (o maior deles, Drummond), descreveu memórias e emoções e foi o mais jovem membro da Academia Brasileira de Letras (aos 48).

O poeta e diplomata brasileiro João Cabral de Melo Neto posaem apartamento no Rio de Janeiro no ano de 1992. Foto: Carlos Chicarino/Estadão
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Surtava quando uma empregada trazia uma comida que lhe desagradasse (atirava pratos pra fora da mesa), era perfeccionista com ternos e automóveis, maldizia os amigos, enfurecia-se caso a obra não fosse reconhecida, atentava mais a críticas que a elogios, e, mão-fechada com grana, não dispensava pequenos prazeres. Embora desse escapulidas para touradas e flamencos, era monogâmico radical e devotado à família – e suas duas esposas, Stella e Marly, tocavam a vida prática. Comunista fã de Stálin – vitimado por uma tramoia de Carlos Lacerda, que promoveu campanha contra ele, perdeu o posto em Londres –, teve excelente trânsito em governos civis e militares, chegando a embaixador no fim da carreira. Crítico das elites na poesia, foi diplomático com o poder e mostrava horror a declarações políticas. Dono de uma poesia solar, tinha episódios de depressão severa e foi cronicamente um melancólico.

“Minha grande descoberta foi a biografia movimentada e o temperamento contraditório desse poeta que escondeu a vida atrás da obra poética”, afirma Ivan Marques, em conversa com o Aliás. “Achei instigante esse contraste entre a vida interior desordenada e a obra luminosa que produziu. A despeito de ser ‘isolado’ na tradição literária, era muito bem relacionado, com farta interlocução e ressonância. E gostei de ver como as experiências de vida repercutiram na obra (como as temporadas em Barcelona e Sevilha, tiveram impacto na criação dos poemas)”, comenta o professor.

De fato: os 79 anos de Cabral nos fazem descobrir, preto no branco, um Brasil do século 20 – o Brasil dos conchavos, do coleguismo, do patrimonialismo cultural. Nada substitui o talento e, dentro das quatro linhas, Cabral sempre será um dos melhores (e foi um Iniesta testudo em seu América do Recife), sem nenhum favor a qualquer coisa que tenha produzido fora da mesa de trabalho, com letra cristalina. Mas não deixa de ser curioso observar como, no trânsito entre o público e o privado, Cabral esteve no centro de tudo – na cena literária (Clarice, Vinicius, e, claro, Bandeira, aliás seu primo) e na acadêmica (amigo de Antonio Candido, o grande nome da crítica uspiana). 

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Toda história da literatura é uma história de turmas, e exceções (Lautréamont, Kafka, Carolina) ratificam a regra (surrealistas, beatniks, cronistas do anos 50/60, infrarrealistas de Bolaño, a atual cena do slam em SP). Mesmo insulado pela misantropia e pela enxaqueca, Cabral virou um hub de vários grupos: o modernismo, o concretismo, a arquitetura e a arte modernas. E o sucesso planetário de Morte e Vida Severina (outro paradoxo, um auto de Natal escrito por um ateu que morria de medo do inferno) o tornou um escritor super popular

João Cabral de Melo Neto foi um mangue de contradições, paradoxos e claroescuros: é o que se conclui de Uma Biografia, catatau de 557 páginas escritas pelo mineiro Ivan Marques. Jornalista e professor de literatura brasileira na USP, Marques optou por uma narrativa saborosa mas sóbria, calcada em fatos e eventos pesquisados com rigor, pontilhada por sobrevoos sutis na obra de um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os tempos. A interpretação da vida do autor de Morte e Vida Severina é apreciada mais através de edição de dados factuais do que por meio de comentários ou análises adjetivados, e escapa de teorizações e impressionismos. Embora acadêmico, Marques preferiu um texto limpo e exato. Consonante com o objeto de estudo, o professor mediu o material em Cabral: o apego à substância, ao concreto.

Nela se lê como o herdeiro de tradicional família de usineiros – empobrecida mas sempre se valendo de suas conexões políticas –, fascinado pelo Surrealismo, acerca-se de rodas literárias em Pernambuco e Rio de Janeiro, influenciando e sendo influenciado por muitos amigos, e, admirador de Le Corbusier, ergue dois edifícios contíguos, mas comunicantes: a vida literária e a carreira diplomática. Serviu em variados postos em Europa, África e América, frequentava cabarés atrás de bailarinas e toureiros, não negava um uisquinho e vivia em permanente dor de cabeça (daí o consumo diário de dez aspirinas). Editou e imprimiu livros, agitou cenas literárias no Brasil e na Europa, reconhecia e rivalizava com os mestres (o maior deles, Drummond), descreveu memórias e emoções e foi o mais jovem membro da Academia Brasileira de Letras (aos 48).

O poeta e diplomata brasileiro João Cabral de Melo Neto posaem apartamento no Rio de Janeiro no ano de 1992. Foto: Carlos Chicarino/Estadão

Surtava quando uma empregada trazia uma comida que lhe desagradasse (atirava pratos pra fora da mesa), era perfeccionista com ternos e automóveis, maldizia os amigos, enfurecia-se caso a obra não fosse reconhecida, atentava mais a críticas que a elogios, e, mão-fechada com grana, não dispensava pequenos prazeres. Embora desse escapulidas para touradas e flamencos, era monogâmico radical e devotado à família – e suas duas esposas, Stella e Marly, tocavam a vida prática. Comunista fã de Stálin – vitimado por uma tramoia de Carlos Lacerda, que promoveu campanha contra ele, perdeu o posto em Londres –, teve excelente trânsito em governos civis e militares, chegando a embaixador no fim da carreira. Crítico das elites na poesia, foi diplomático com o poder e mostrava horror a declarações políticas. Dono de uma poesia solar, tinha episódios de depressão severa e foi cronicamente um melancólico.

“Minha grande descoberta foi a biografia movimentada e o temperamento contraditório desse poeta que escondeu a vida atrás da obra poética”, afirma Ivan Marques, em conversa com o Aliás. “Achei instigante esse contraste entre a vida interior desordenada e a obra luminosa que produziu. A despeito de ser ‘isolado’ na tradição literária, era muito bem relacionado, com farta interlocução e ressonância. E gostei de ver como as experiências de vida repercutiram na obra (como as temporadas em Barcelona e Sevilha, tiveram impacto na criação dos poemas)”, comenta o professor.

De fato: os 79 anos de Cabral nos fazem descobrir, preto no branco, um Brasil do século 20 – o Brasil dos conchavos, do coleguismo, do patrimonialismo cultural. Nada substitui o talento e, dentro das quatro linhas, Cabral sempre será um dos melhores (e foi um Iniesta testudo em seu América do Recife), sem nenhum favor a qualquer coisa que tenha produzido fora da mesa de trabalho, com letra cristalina. Mas não deixa de ser curioso observar como, no trânsito entre o público e o privado, Cabral esteve no centro de tudo – na cena literária (Clarice, Vinicius, e, claro, Bandeira, aliás seu primo) e na acadêmica (amigo de Antonio Candido, o grande nome da crítica uspiana). 

Toda história da literatura é uma história de turmas, e exceções (Lautréamont, Kafka, Carolina) ratificam a regra (surrealistas, beatniks, cronistas do anos 50/60, infrarrealistas de Bolaño, a atual cena do slam em SP). Mesmo insulado pela misantropia e pela enxaqueca, Cabral virou um hub de vários grupos: o modernismo, o concretismo, a arquitetura e a arte modernas. E o sucesso planetário de Morte e Vida Severina (outro paradoxo, um auto de Natal escrito por um ateu que morria de medo do inferno) o tornou um escritor super popular

João Cabral de Melo Neto foi um mangue de contradições, paradoxos e claroescuros: é o que se conclui de Uma Biografia, catatau de 557 páginas escritas pelo mineiro Ivan Marques. Jornalista e professor de literatura brasileira na USP, Marques optou por uma narrativa saborosa mas sóbria, calcada em fatos e eventos pesquisados com rigor, pontilhada por sobrevoos sutis na obra de um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os tempos. A interpretação da vida do autor de Morte e Vida Severina é apreciada mais através de edição de dados factuais do que por meio de comentários ou análises adjetivados, e escapa de teorizações e impressionismos. Embora acadêmico, Marques preferiu um texto limpo e exato. Consonante com o objeto de estudo, o professor mediu o material em Cabral: o apego à substância, ao concreto.

Nela se lê como o herdeiro de tradicional família de usineiros – empobrecida mas sempre se valendo de suas conexões políticas –, fascinado pelo Surrealismo, acerca-se de rodas literárias em Pernambuco e Rio de Janeiro, influenciando e sendo influenciado por muitos amigos, e, admirador de Le Corbusier, ergue dois edifícios contíguos, mas comunicantes: a vida literária e a carreira diplomática. Serviu em variados postos em Europa, África e América, frequentava cabarés atrás de bailarinas e toureiros, não negava um uisquinho e vivia em permanente dor de cabeça (daí o consumo diário de dez aspirinas). Editou e imprimiu livros, agitou cenas literárias no Brasil e na Europa, reconhecia e rivalizava com os mestres (o maior deles, Drummond), descreveu memórias e emoções e foi o mais jovem membro da Academia Brasileira de Letras (aos 48).

O poeta e diplomata brasileiro João Cabral de Melo Neto posaem apartamento no Rio de Janeiro no ano de 1992. Foto: Carlos Chicarino/Estadão

Surtava quando uma empregada trazia uma comida que lhe desagradasse (atirava pratos pra fora da mesa), era perfeccionista com ternos e automóveis, maldizia os amigos, enfurecia-se caso a obra não fosse reconhecida, atentava mais a críticas que a elogios, e, mão-fechada com grana, não dispensava pequenos prazeres. Embora desse escapulidas para touradas e flamencos, era monogâmico radical e devotado à família – e suas duas esposas, Stella e Marly, tocavam a vida prática. Comunista fã de Stálin – vitimado por uma tramoia de Carlos Lacerda, que promoveu campanha contra ele, perdeu o posto em Londres –, teve excelente trânsito em governos civis e militares, chegando a embaixador no fim da carreira. Crítico das elites na poesia, foi diplomático com o poder e mostrava horror a declarações políticas. Dono de uma poesia solar, tinha episódios de depressão severa e foi cronicamente um melancólico.

“Minha grande descoberta foi a biografia movimentada e o temperamento contraditório desse poeta que escondeu a vida atrás da obra poética”, afirma Ivan Marques, em conversa com o Aliás. “Achei instigante esse contraste entre a vida interior desordenada e a obra luminosa que produziu. A despeito de ser ‘isolado’ na tradição literária, era muito bem relacionado, com farta interlocução e ressonância. E gostei de ver como as experiências de vida repercutiram na obra (como as temporadas em Barcelona e Sevilha, tiveram impacto na criação dos poemas)”, comenta o professor.

De fato: os 79 anos de Cabral nos fazem descobrir, preto no branco, um Brasil do século 20 – o Brasil dos conchavos, do coleguismo, do patrimonialismo cultural. Nada substitui o talento e, dentro das quatro linhas, Cabral sempre será um dos melhores (e foi um Iniesta testudo em seu América do Recife), sem nenhum favor a qualquer coisa que tenha produzido fora da mesa de trabalho, com letra cristalina. Mas não deixa de ser curioso observar como, no trânsito entre o público e o privado, Cabral esteve no centro de tudo – na cena literária (Clarice, Vinicius, e, claro, Bandeira, aliás seu primo) e na acadêmica (amigo de Antonio Candido, o grande nome da crítica uspiana). 

Toda história da literatura é uma história de turmas, e exceções (Lautréamont, Kafka, Carolina) ratificam a regra (surrealistas, beatniks, cronistas do anos 50/60, infrarrealistas de Bolaño, a atual cena do slam em SP). Mesmo insulado pela misantropia e pela enxaqueca, Cabral virou um hub de vários grupos: o modernismo, o concretismo, a arquitetura e a arte modernas. E o sucesso planetário de Morte e Vida Severina (outro paradoxo, um auto de Natal escrito por um ateu que morria de medo do inferno) o tornou um escritor super popular

João Cabral de Melo Neto foi um mangue de contradições, paradoxos e claroescuros: é o que se conclui de Uma Biografia, catatau de 557 páginas escritas pelo mineiro Ivan Marques. Jornalista e professor de literatura brasileira na USP, Marques optou por uma narrativa saborosa mas sóbria, calcada em fatos e eventos pesquisados com rigor, pontilhada por sobrevoos sutis na obra de um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os tempos. A interpretação da vida do autor de Morte e Vida Severina é apreciada mais através de edição de dados factuais do que por meio de comentários ou análises adjetivados, e escapa de teorizações e impressionismos. Embora acadêmico, Marques preferiu um texto limpo e exato. Consonante com o objeto de estudo, o professor mediu o material em Cabral: o apego à substância, ao concreto.

Nela se lê como o herdeiro de tradicional família de usineiros – empobrecida mas sempre se valendo de suas conexões políticas –, fascinado pelo Surrealismo, acerca-se de rodas literárias em Pernambuco e Rio de Janeiro, influenciando e sendo influenciado por muitos amigos, e, admirador de Le Corbusier, ergue dois edifícios contíguos, mas comunicantes: a vida literária e a carreira diplomática. Serviu em variados postos em Europa, África e América, frequentava cabarés atrás de bailarinas e toureiros, não negava um uisquinho e vivia em permanente dor de cabeça (daí o consumo diário de dez aspirinas). Editou e imprimiu livros, agitou cenas literárias no Brasil e na Europa, reconhecia e rivalizava com os mestres (o maior deles, Drummond), descreveu memórias e emoções e foi o mais jovem membro da Academia Brasileira de Letras (aos 48).

O poeta e diplomata brasileiro João Cabral de Melo Neto posaem apartamento no Rio de Janeiro no ano de 1992. Foto: Carlos Chicarino/Estadão

Surtava quando uma empregada trazia uma comida que lhe desagradasse (atirava pratos pra fora da mesa), era perfeccionista com ternos e automóveis, maldizia os amigos, enfurecia-se caso a obra não fosse reconhecida, atentava mais a críticas que a elogios, e, mão-fechada com grana, não dispensava pequenos prazeres. Embora desse escapulidas para touradas e flamencos, era monogâmico radical e devotado à família – e suas duas esposas, Stella e Marly, tocavam a vida prática. Comunista fã de Stálin – vitimado por uma tramoia de Carlos Lacerda, que promoveu campanha contra ele, perdeu o posto em Londres –, teve excelente trânsito em governos civis e militares, chegando a embaixador no fim da carreira. Crítico das elites na poesia, foi diplomático com o poder e mostrava horror a declarações políticas. Dono de uma poesia solar, tinha episódios de depressão severa e foi cronicamente um melancólico.

“Minha grande descoberta foi a biografia movimentada e o temperamento contraditório desse poeta que escondeu a vida atrás da obra poética”, afirma Ivan Marques, em conversa com o Aliás. “Achei instigante esse contraste entre a vida interior desordenada e a obra luminosa que produziu. A despeito de ser ‘isolado’ na tradição literária, era muito bem relacionado, com farta interlocução e ressonância. E gostei de ver como as experiências de vida repercutiram na obra (como as temporadas em Barcelona e Sevilha, tiveram impacto na criação dos poemas)”, comenta o professor.

De fato: os 79 anos de Cabral nos fazem descobrir, preto no branco, um Brasil do século 20 – o Brasil dos conchavos, do coleguismo, do patrimonialismo cultural. Nada substitui o talento e, dentro das quatro linhas, Cabral sempre será um dos melhores (e foi um Iniesta testudo em seu América do Recife), sem nenhum favor a qualquer coisa que tenha produzido fora da mesa de trabalho, com letra cristalina. Mas não deixa de ser curioso observar como, no trânsito entre o público e o privado, Cabral esteve no centro de tudo – na cena literária (Clarice, Vinicius, e, claro, Bandeira, aliás seu primo) e na acadêmica (amigo de Antonio Candido, o grande nome da crítica uspiana). 

Toda história da literatura é uma história de turmas, e exceções (Lautréamont, Kafka, Carolina) ratificam a regra (surrealistas, beatniks, cronistas do anos 50/60, infrarrealistas de Bolaño, a atual cena do slam em SP). Mesmo insulado pela misantropia e pela enxaqueca, Cabral virou um hub de vários grupos: o modernismo, o concretismo, a arquitetura e a arte modernas. E o sucesso planetário de Morte e Vida Severina (outro paradoxo, um auto de Natal escrito por um ateu que morria de medo do inferno) o tornou um escritor super popular

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