Escolhido para participar da cerimônia de encerramento da Feira do Livro de Frankfurt, quando o país homenageado se despede e passa o bastão para o convidado de honra do ano seguinte, no caso a Finlândia, o escritor Paulo Lins quebrou o protocolo.
Ao invés de responder à primeira pergunta do escritor Thomas Böhn, que estava mediando o debate entre o brasileiro e a escritora finlandesa Rosa Likson, ele leu um texto em que, entre outras coisas, agradecia a acolhida da Alemanha e aos organizadores brasileiros, mandava um "saravá" aos professores do Rio de Janeiro e comentava sobre o abaixo-assinado em prol da escola pública e em repúdio à violência policial, que circulou entre os escritores na feira e foi assinado por mais de 40 pessoas.
Falou também sobre o fato de só ter um negro e um indígena na comitiva oficial. "Sabemos que o Brasil é um país racista, como são todos os países da Europa. Mas não houve racismo na lista de escritores convidados. Ela foi feita com base no mercado editorial brasileiro e internacional. Não é uma lista com o melhor da produção literária brasileira. Tudo aqui é mercado. "
Autor de Cidade de Deus e de Desde que o Samba é Samba, Lins aproveitou para falar sobre o polêmico discurso de abertura, dirigindo-se ao seu autor: "Meu querido Luiz Ruffato, faço minhas as palavras de seu discurso. Com certeza, foi uma declaração de amor ao Brasil. Uma fala de esperança. A verdade tem que ser dita e encarada para alcançarmos mudanças substanciais na sociedade brasileira tão sofrida, tão marcada pela violência e pelas injustiças sociais. Por isso, deixo sem comentários a palavra do nosso vice-presidente e avisar que a poesia é uma coisa séria. Ela não se dá com qualquer um."
Após o debate, Paulo leu uma poesia que escreveu aos 20 anos, que diz, logo no início: "Fui feto feio feito no ventre do Brasil /estou pronto para matar / já que sempre estive para morrer" (leia o poema completo abaixo).
O presidente da Feira de Frankfurt comentou a participação do Brasil e destacou o debate que foi levantado logo no primeiro dia do evento. "Vimos um Brasil que se angustia consigo mesmo, e que vai para a frente com sua criatividade", disse.
Renato Lessa, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, um pouco antes de passar o bastão para a Finlândia, comentou: "Esse bastão representa a alegria imensa de ter estado aqui com essa programação que buscou mostrar a variedade e o grau de liberdade que o povo brasileiro atingiu expressa através de seus artistas e de seus criadores, e isso é muito importante para a Biblioteca Nacional e para a minha geração, que arriscou sua vida para que essa liberdade fosse usufruída em lugares como esse."
Ao final da cerimônia, o músico finlandês Jimi Tenor se apresentou.Poema lido por Paulo Lins:
Fui feto feio feito no ventre do Brasil estou pronto para matar já que sempre estive para morrer Sou eu o bicho iluminado apenas pela fraca luz das ruas que rouba para matar o que sou e mato para roubar o que quero Já que nasci feio, sou temido Já que nasci pobre, quero ser rico e assim meu corpo oculta outros que ao me verem se despiram da voz Voz solta virando grito Grito louco ao som do tiro Sou eu o dono da rua O rei da rua sepultado vivo no baralho desse jogo O rei que não se revela nem em paus nem em ouro Se revela em nada quando estou livre renada quando sou pego pós nada quando sou solto Sou eu assim herói do nada De vez em quando revelo o vazio De ser irmão de tudo e todos contra mim Sou eu a bomba humana que cresceu entre uma voz e outra entre becos e vielas onde sempre uma loucura está para acontecer Sou seu inimigo Coração de bandido é batido na sola do pé Enquanto eu estiver vivo todos estão para morrer Sou eu que posso roubar o teu amanhecer por um cordão por um tostão por um não Me meço e me arremeço (sic) na vida lançando-me em posição mortal Prefiro morrer na flor da mocidade do que no caroço da velhice Sem saber de nada me torno anacoluto insistente Indigente nas metáforas de tua língua vulgar 126 Que não se comprometeu Pois a minha palavra ( a bela palavra ) Inaugurada na boca do homem, a dama maior do artifício social perdeu a voz Voz sem ouvido é mero sopro sem fonemas É voz morta enterrada na garganta E a pá lavra vida muda no mundo legal me faz teu marginal