Em meio à distópica paisagem do deserto da Arábia Saudita, uma fina linha dourada destaca-se no topo de uma espécie de vulcão. Dela, se desprende uma perfumada fumaça, que se dissipa de forma orgânica, chamando a atenção de quem passa por ali. A imagem é de Sfumato, instalação site specific criada pela artista brasileira Karola Braga para o Desert X Al-Ula, evento voltado às artes visuais que ocorre no noroeste daquele país.
Baseado no legado do Desert X, que ocorre no Coachella Valley, na Califórnia, o Desert X Al-Ula se conecta aos princípios da land art, movimento artístico que nasceu nos anos 1960 e reforça a ligação da arte com a natureza e o nosso entorno, extrapolando os espaços convencionais de galerias e museus.
A “bienal do deserto”, como foi apelidada, tem também pela primeira vez a curadoria de um brasileiro, o paulistano Marcello Dantas, que assina a concepção da edição de 2024 ao lado da libanesa Maya El Khalil. A convite, os 16 artistas desenvolveram projetos sob o tema Na Presença da Ausência, guiados pela intrigante pergunta: o que acreditam não poder ser visto?
“A ideia é detectar algo que está latente no nosso presente, mas que não está em nosso campo de percepção imediato. Isso motivou os artistas a um diálogo muito rico, já que foi preciso trabalhar em escalas monumentais, tendo como norte um sentimento de humildade pela magnitude do espaço natural e do campo histórico dessa região”, explica Dantas.
Rota do incenso
Para a idealização das instalações, cada artista foi convidado a vivenciar o deserto por um período e a imaginar inúmeras possibilidade da relação entre o humano e o natural. Foi guiada também por esses preceitos que Karola Braga trouxe ao encontro da arte a emblemática Rota do Incenso, que há mais de 5 mil anos conduziu caravanas entre cidades, vilarejos e mausoléus.
“Madeiras, especiarias, ervas e incensos eram extremamente valorizados por nossos antepassados, resultando no desenvolvimento de rotas comerciais. As matérias-primas comercializadas eram empregadas em rituais religiosos, na produção de ervas medicinais, medicamentos e perfumes”, afirma a artista. “Nesse contexto, Al-Ula teve um papel fundamental nas peregrinações realizadas ao longo da Rota do Incenso. As caravanas paravam em Al-Ula para descansar.”
Influência
A presença de Braga e Dantas em um evento dessa proporção reforça a importância e o crescimento do Brasil nesse mercado. No fim de 2023, a revista ArtReview divulgou sua lista Power100, com os cem nomes mais influentes das artes visuais do mundo – artistas, colecionadores, curadores e diretores de instituições. Nessa última edição, seis brasileiros são mencionados, entre eles Adriano Pedrosa, diretor do Museu de Arte de São Paulo (Masp), que este ano assina a curadoria da Bienal de Veneza, marcada para o mês de abril.
Primeiro latino-americano a ocupar o alto cargo em 130 anos da exposição mais antiga do setor, Pedrosa também recebeu o Prêmio Audrey Irmas de Excelência Curatorial por exposições relevantes, como Histórias Indígenas, no Masp. Para assinar a curadoria do Pavilhão do Brasil no evento, foram convidados três pensadores multidisciplinares indígenas, Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana.
Como explica Marcello Dantas, “há o resgate de uma relação de interdependência”. “A natureza, os povos originários e o clima passaram a ser temas imperativos em nossos rumos para iniciarmos uma discussão estética. A Arábia Saudita tem um passado enorme e seu crescimento global por meio da cultura mostra o quão revolucionária a própria cultura pode ser.”