Chester Brown narra em quadrinhos sua experiência com a prostituição


Quadrinista trata do fato com honestidade e delicadeza, transformando situação em uma análise do desejo

Por Ubiratan Brasil - O Estado de S. Paulo

O quadrinista canadense Chester Brown passou por uma experiência que, de tão inusitada, serviu como inspiração para seu trabalho: o problema de saciar o desejo de manter constantes relações sexuais sem manter uma namorada fixa foi resolvido com a antiga solução de buscar prazer com garotas de programa. Da cama para o papel foi um pulo - nascia ali Pagando por Sexo, HQ confessional que foi publicada no ano passado e que chega agora ao Brasil pela WMF Martins Fontes.

Não se espere, porém, por um Kama Sutra em quadrinhos - Brown trata do fato com honestidade e também delicadeza, transformando a situação em uma grande análise do desejo humano. Nem faltam os comentários dos amigos que, habitualmente, condenam suas atitudes. E, do ponto de vista gráfico, o canadense oferece grandes soluções, como diálogos afiados e o uso do fundo escuro, em que prevalece apenas o pensamento do protagonista. Sobre o trabalho, Brown, que há nove anos mantém um relacionamento com a mesma garota de programa, respondeu, por e-mail, às seguintes questões.

Quando ainda estava planejando a confecção do livro, já imaginava que falaria bastante sobre as prostitutas?

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Quando comecei o projeto, eu decididamente achava que haveria muito mais sobre prostitutas no livro. Algumas delas haviam me contado detalhes muito interessantes sobre suas vidas pessoais, e pensei que esses detalhes ajudariam a humanizá-las e deixar claro por que fizeram as escolhas que fizeram. Mas, quando me sentei para escrever o livro, percebi que esses tipos de detalhes da vida pessoal eram demasiado reveladores - eu não queria arriscar a possibilidade de alguém poder identificar alguma das mulheres com base nas informações do livro.

Há alguma diferença entre trabalhar ou com narrativa ou com memória? O que muda no seu trabalho?

Um livro de memórias é uma espécie de narrativa, mas para ele somos obrigados a contar fatos tal como realmente ocorreram, ou o mais próximo dos fatos que a memória permite. Fiquei tentado a ficcionalizar a história - usar outro nome para o personagem principal, não chamá-lo Chester. Isso me daria mais liberdade. Eu poderia ter inventado antecedentes sobre as vidas das prostitutas. Poderia ter criado detalhes sobre Denise para tornar o final mais satisfatório. Mas queria ser honesto sobre como os tópicos são pessoais para mim, e não queria que as pessoas tivessem de especular o que era verdade e o que não era. Quando chamamos um livro de livro de memórias, estamos dizendo que ele é todo verdadeiro. (Há alguns elementos ficcionais no livro, mas eu assinalei todos eles em notas no final).

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São ótimos os quadrinhos pretos para a conversa inicial entre você e sua namorada, Sook-Yin. Como teve essa ideia?

Tentei desenhar aquela primeira cena ao menos quatro vezes sem conseguir que ficasse como eu queria. Não conseguia obter as expressões emocionais em nossos rostos do jeito que achava que deviam ser. E depois tentei desenhar as costas de nossas cabeças para que as expressões de nossos rostos não ficassem visíveis, mas não gostei de como elas ficaram, tampouco. Por fim, deixei os quadrinhos totalmente pretos.

De onde vem essa tendência estilística de drenar a emoção em seu estilo de desenho?

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Acredito que haja emoção nas expressões faciais dos personagens, mas tento fazê-la bem sutil. Tendo a gostar da obra de artistas que minimizam a emoção - há muitos que exageram. O criador que mais me influenciou nesse sentido foi o cineasta Robert Bresson, cujos filmes eu amo.

Sobre os diálogos, como decide o ritmo? Como determina a estrutura?

Um livro toma forma à medida que se trabalha nele. Com Pagando por Sexo, escrevi inicialmente um roteiro que era todo diálogo. Depois, escrevi um segundo rascunho no qual distribuí o diálogo por quadrinhos (mas sem os desenhos), reescrevendo, se necessário. Nesse estágio, estava obtendo uma ideia mais clara da estrutura do trabalho, acrescentando e removendo cenas. Em seguida, fiz os desenhos. Depois de feitos, eu me sentei e li a coisa toda. De novo, algumas cenas tiveram de ser acrescentadas, outras tiveram de ser removidas. Boa parte do diálogo havia sido ajustado, a essa altura. Amigos leram o livro e fizeram sugestões - algumas eu usei. Um elemento que não estava nos enredos originais foi o final. Esperava que, enquanto trabalhava nos desenhos, um fim se imporia de alguma maneira. Era monogâmico com Denise quando comecei a desenhar Pagando por Sexo, mas não sabia que continuaria a ser monogâmico com ela, e não sabia que ela se tornara monogâmica comigo. Esse relacionamento monogâmico me proporcionou o fim da história. Gostaria apenas de poder dar mais detalhes sobre o nosso relacionamento, sobre como ele funciona, e como ela é maravilhosa. Incidentalmente, ainda somos monogâmicos um com o outro, e eu ainda lhe pago por sexo. A esta altura, já faz nove anos que nós nos conhecemos. Não há nenhuma tentação de minha parte de fazer sexo com qualquer outra.

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Você se vê como escritor político, ou sente que autores são criaturas inevitavelmente políticas?

Não comecei como criador político, mas me tornei cada vez mais político com o passar do tempo. Seria difícil escrever sobre prostituição de uma perspectiva apolítica. Creio que minhas opiniões políticas influenciarão todos os meus projetos pelo resto de minha carreira, embora a política possa nem sempre ser óbvia.

A indústria editorial está passado por viradas e transformações importantes. O que pensa dos e-books, e acha que eles mudarão a maneira como as pessoas leem quadrinhos?

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Amo livros "reais", feitos de papel - não os e-books, embora nunca tivesse lido algum. Talvez eu pudesse gostar do formato se tivesse lhe dado uma chance. Permiti que meus editores ingleses soltassem uma versão em e-book de Pagando por Sexo porque minha inclinação é deixar as pessoas lerem o livro no formato que melhor lhes aprouver, independentemente da maneira como eu gostaria de ler o livro.

PAGANDO POR SEXOAutor: Chester Brown. Tradução: Marcelo B. Cipolla. Editora: WMFMartins Fontes (296 págs., R$ 47)

 

O quadrinista canadense Chester Brown passou por uma experiência que, de tão inusitada, serviu como inspiração para seu trabalho: o problema de saciar o desejo de manter constantes relações sexuais sem manter uma namorada fixa foi resolvido com a antiga solução de buscar prazer com garotas de programa. Da cama para o papel foi um pulo - nascia ali Pagando por Sexo, HQ confessional que foi publicada no ano passado e que chega agora ao Brasil pela WMF Martins Fontes.

Não se espere, porém, por um Kama Sutra em quadrinhos - Brown trata do fato com honestidade e também delicadeza, transformando a situação em uma grande análise do desejo humano. Nem faltam os comentários dos amigos que, habitualmente, condenam suas atitudes. E, do ponto de vista gráfico, o canadense oferece grandes soluções, como diálogos afiados e o uso do fundo escuro, em que prevalece apenas o pensamento do protagonista. Sobre o trabalho, Brown, que há nove anos mantém um relacionamento com a mesma garota de programa, respondeu, por e-mail, às seguintes questões.

Quando ainda estava planejando a confecção do livro, já imaginava que falaria bastante sobre as prostitutas?

Quando comecei o projeto, eu decididamente achava que haveria muito mais sobre prostitutas no livro. Algumas delas haviam me contado detalhes muito interessantes sobre suas vidas pessoais, e pensei que esses detalhes ajudariam a humanizá-las e deixar claro por que fizeram as escolhas que fizeram. Mas, quando me sentei para escrever o livro, percebi que esses tipos de detalhes da vida pessoal eram demasiado reveladores - eu não queria arriscar a possibilidade de alguém poder identificar alguma das mulheres com base nas informações do livro.

Há alguma diferença entre trabalhar ou com narrativa ou com memória? O que muda no seu trabalho?

Um livro de memórias é uma espécie de narrativa, mas para ele somos obrigados a contar fatos tal como realmente ocorreram, ou o mais próximo dos fatos que a memória permite. Fiquei tentado a ficcionalizar a história - usar outro nome para o personagem principal, não chamá-lo Chester. Isso me daria mais liberdade. Eu poderia ter inventado antecedentes sobre as vidas das prostitutas. Poderia ter criado detalhes sobre Denise para tornar o final mais satisfatório. Mas queria ser honesto sobre como os tópicos são pessoais para mim, e não queria que as pessoas tivessem de especular o que era verdade e o que não era. Quando chamamos um livro de livro de memórias, estamos dizendo que ele é todo verdadeiro. (Há alguns elementos ficcionais no livro, mas eu assinalei todos eles em notas no final).

São ótimos os quadrinhos pretos para a conversa inicial entre você e sua namorada, Sook-Yin. Como teve essa ideia?

Tentei desenhar aquela primeira cena ao menos quatro vezes sem conseguir que ficasse como eu queria. Não conseguia obter as expressões emocionais em nossos rostos do jeito que achava que deviam ser. E depois tentei desenhar as costas de nossas cabeças para que as expressões de nossos rostos não ficassem visíveis, mas não gostei de como elas ficaram, tampouco. Por fim, deixei os quadrinhos totalmente pretos.

De onde vem essa tendência estilística de drenar a emoção em seu estilo de desenho?

Acredito que haja emoção nas expressões faciais dos personagens, mas tento fazê-la bem sutil. Tendo a gostar da obra de artistas que minimizam a emoção - há muitos que exageram. O criador que mais me influenciou nesse sentido foi o cineasta Robert Bresson, cujos filmes eu amo.

Sobre os diálogos, como decide o ritmo? Como determina a estrutura?

Um livro toma forma à medida que se trabalha nele. Com Pagando por Sexo, escrevi inicialmente um roteiro que era todo diálogo. Depois, escrevi um segundo rascunho no qual distribuí o diálogo por quadrinhos (mas sem os desenhos), reescrevendo, se necessário. Nesse estágio, estava obtendo uma ideia mais clara da estrutura do trabalho, acrescentando e removendo cenas. Em seguida, fiz os desenhos. Depois de feitos, eu me sentei e li a coisa toda. De novo, algumas cenas tiveram de ser acrescentadas, outras tiveram de ser removidas. Boa parte do diálogo havia sido ajustado, a essa altura. Amigos leram o livro e fizeram sugestões - algumas eu usei. Um elemento que não estava nos enredos originais foi o final. Esperava que, enquanto trabalhava nos desenhos, um fim se imporia de alguma maneira. Era monogâmico com Denise quando comecei a desenhar Pagando por Sexo, mas não sabia que continuaria a ser monogâmico com ela, e não sabia que ela se tornara monogâmica comigo. Esse relacionamento monogâmico me proporcionou o fim da história. Gostaria apenas de poder dar mais detalhes sobre o nosso relacionamento, sobre como ele funciona, e como ela é maravilhosa. Incidentalmente, ainda somos monogâmicos um com o outro, e eu ainda lhe pago por sexo. A esta altura, já faz nove anos que nós nos conhecemos. Não há nenhuma tentação de minha parte de fazer sexo com qualquer outra.

Você se vê como escritor político, ou sente que autores são criaturas inevitavelmente políticas?

Não comecei como criador político, mas me tornei cada vez mais político com o passar do tempo. Seria difícil escrever sobre prostituição de uma perspectiva apolítica. Creio que minhas opiniões políticas influenciarão todos os meus projetos pelo resto de minha carreira, embora a política possa nem sempre ser óbvia.

A indústria editorial está passado por viradas e transformações importantes. O que pensa dos e-books, e acha que eles mudarão a maneira como as pessoas leem quadrinhos?

Amo livros "reais", feitos de papel - não os e-books, embora nunca tivesse lido algum. Talvez eu pudesse gostar do formato se tivesse lhe dado uma chance. Permiti que meus editores ingleses soltassem uma versão em e-book de Pagando por Sexo porque minha inclinação é deixar as pessoas lerem o livro no formato que melhor lhes aprouver, independentemente da maneira como eu gostaria de ler o livro.

PAGANDO POR SEXOAutor: Chester Brown. Tradução: Marcelo B. Cipolla. Editora: WMFMartins Fontes (296 págs., R$ 47)

 

O quadrinista canadense Chester Brown passou por uma experiência que, de tão inusitada, serviu como inspiração para seu trabalho: o problema de saciar o desejo de manter constantes relações sexuais sem manter uma namorada fixa foi resolvido com a antiga solução de buscar prazer com garotas de programa. Da cama para o papel foi um pulo - nascia ali Pagando por Sexo, HQ confessional que foi publicada no ano passado e que chega agora ao Brasil pela WMF Martins Fontes.

Não se espere, porém, por um Kama Sutra em quadrinhos - Brown trata do fato com honestidade e também delicadeza, transformando a situação em uma grande análise do desejo humano. Nem faltam os comentários dos amigos que, habitualmente, condenam suas atitudes. E, do ponto de vista gráfico, o canadense oferece grandes soluções, como diálogos afiados e o uso do fundo escuro, em que prevalece apenas o pensamento do protagonista. Sobre o trabalho, Brown, que há nove anos mantém um relacionamento com a mesma garota de programa, respondeu, por e-mail, às seguintes questões.

Quando ainda estava planejando a confecção do livro, já imaginava que falaria bastante sobre as prostitutas?

Quando comecei o projeto, eu decididamente achava que haveria muito mais sobre prostitutas no livro. Algumas delas haviam me contado detalhes muito interessantes sobre suas vidas pessoais, e pensei que esses detalhes ajudariam a humanizá-las e deixar claro por que fizeram as escolhas que fizeram. Mas, quando me sentei para escrever o livro, percebi que esses tipos de detalhes da vida pessoal eram demasiado reveladores - eu não queria arriscar a possibilidade de alguém poder identificar alguma das mulheres com base nas informações do livro.

Há alguma diferença entre trabalhar ou com narrativa ou com memória? O que muda no seu trabalho?

Um livro de memórias é uma espécie de narrativa, mas para ele somos obrigados a contar fatos tal como realmente ocorreram, ou o mais próximo dos fatos que a memória permite. Fiquei tentado a ficcionalizar a história - usar outro nome para o personagem principal, não chamá-lo Chester. Isso me daria mais liberdade. Eu poderia ter inventado antecedentes sobre as vidas das prostitutas. Poderia ter criado detalhes sobre Denise para tornar o final mais satisfatório. Mas queria ser honesto sobre como os tópicos são pessoais para mim, e não queria que as pessoas tivessem de especular o que era verdade e o que não era. Quando chamamos um livro de livro de memórias, estamos dizendo que ele é todo verdadeiro. (Há alguns elementos ficcionais no livro, mas eu assinalei todos eles em notas no final).

São ótimos os quadrinhos pretos para a conversa inicial entre você e sua namorada, Sook-Yin. Como teve essa ideia?

Tentei desenhar aquela primeira cena ao menos quatro vezes sem conseguir que ficasse como eu queria. Não conseguia obter as expressões emocionais em nossos rostos do jeito que achava que deviam ser. E depois tentei desenhar as costas de nossas cabeças para que as expressões de nossos rostos não ficassem visíveis, mas não gostei de como elas ficaram, tampouco. Por fim, deixei os quadrinhos totalmente pretos.

De onde vem essa tendência estilística de drenar a emoção em seu estilo de desenho?

Acredito que haja emoção nas expressões faciais dos personagens, mas tento fazê-la bem sutil. Tendo a gostar da obra de artistas que minimizam a emoção - há muitos que exageram. O criador que mais me influenciou nesse sentido foi o cineasta Robert Bresson, cujos filmes eu amo.

Sobre os diálogos, como decide o ritmo? Como determina a estrutura?

Um livro toma forma à medida que se trabalha nele. Com Pagando por Sexo, escrevi inicialmente um roteiro que era todo diálogo. Depois, escrevi um segundo rascunho no qual distribuí o diálogo por quadrinhos (mas sem os desenhos), reescrevendo, se necessário. Nesse estágio, estava obtendo uma ideia mais clara da estrutura do trabalho, acrescentando e removendo cenas. Em seguida, fiz os desenhos. Depois de feitos, eu me sentei e li a coisa toda. De novo, algumas cenas tiveram de ser acrescentadas, outras tiveram de ser removidas. Boa parte do diálogo havia sido ajustado, a essa altura. Amigos leram o livro e fizeram sugestões - algumas eu usei. Um elemento que não estava nos enredos originais foi o final. Esperava que, enquanto trabalhava nos desenhos, um fim se imporia de alguma maneira. Era monogâmico com Denise quando comecei a desenhar Pagando por Sexo, mas não sabia que continuaria a ser monogâmico com ela, e não sabia que ela se tornara monogâmica comigo. Esse relacionamento monogâmico me proporcionou o fim da história. Gostaria apenas de poder dar mais detalhes sobre o nosso relacionamento, sobre como ele funciona, e como ela é maravilhosa. Incidentalmente, ainda somos monogâmicos um com o outro, e eu ainda lhe pago por sexo. A esta altura, já faz nove anos que nós nos conhecemos. Não há nenhuma tentação de minha parte de fazer sexo com qualquer outra.

Você se vê como escritor político, ou sente que autores são criaturas inevitavelmente políticas?

Não comecei como criador político, mas me tornei cada vez mais político com o passar do tempo. Seria difícil escrever sobre prostituição de uma perspectiva apolítica. Creio que minhas opiniões políticas influenciarão todos os meus projetos pelo resto de minha carreira, embora a política possa nem sempre ser óbvia.

A indústria editorial está passado por viradas e transformações importantes. O que pensa dos e-books, e acha que eles mudarão a maneira como as pessoas leem quadrinhos?

Amo livros "reais", feitos de papel - não os e-books, embora nunca tivesse lido algum. Talvez eu pudesse gostar do formato se tivesse lhe dado uma chance. Permiti que meus editores ingleses soltassem uma versão em e-book de Pagando por Sexo porque minha inclinação é deixar as pessoas lerem o livro no formato que melhor lhes aprouver, independentemente da maneira como eu gostaria de ler o livro.

PAGANDO POR SEXOAutor: Chester Brown. Tradução: Marcelo B. Cipolla. Editora: WMFMartins Fontes (296 págs., R$ 47)

 

O quadrinista canadense Chester Brown passou por uma experiência que, de tão inusitada, serviu como inspiração para seu trabalho: o problema de saciar o desejo de manter constantes relações sexuais sem manter uma namorada fixa foi resolvido com a antiga solução de buscar prazer com garotas de programa. Da cama para o papel foi um pulo - nascia ali Pagando por Sexo, HQ confessional que foi publicada no ano passado e que chega agora ao Brasil pela WMF Martins Fontes.

Não se espere, porém, por um Kama Sutra em quadrinhos - Brown trata do fato com honestidade e também delicadeza, transformando a situação em uma grande análise do desejo humano. Nem faltam os comentários dos amigos que, habitualmente, condenam suas atitudes. E, do ponto de vista gráfico, o canadense oferece grandes soluções, como diálogos afiados e o uso do fundo escuro, em que prevalece apenas o pensamento do protagonista. Sobre o trabalho, Brown, que há nove anos mantém um relacionamento com a mesma garota de programa, respondeu, por e-mail, às seguintes questões.

Quando ainda estava planejando a confecção do livro, já imaginava que falaria bastante sobre as prostitutas?

Quando comecei o projeto, eu decididamente achava que haveria muito mais sobre prostitutas no livro. Algumas delas haviam me contado detalhes muito interessantes sobre suas vidas pessoais, e pensei que esses detalhes ajudariam a humanizá-las e deixar claro por que fizeram as escolhas que fizeram. Mas, quando me sentei para escrever o livro, percebi que esses tipos de detalhes da vida pessoal eram demasiado reveladores - eu não queria arriscar a possibilidade de alguém poder identificar alguma das mulheres com base nas informações do livro.

Há alguma diferença entre trabalhar ou com narrativa ou com memória? O que muda no seu trabalho?

Um livro de memórias é uma espécie de narrativa, mas para ele somos obrigados a contar fatos tal como realmente ocorreram, ou o mais próximo dos fatos que a memória permite. Fiquei tentado a ficcionalizar a história - usar outro nome para o personagem principal, não chamá-lo Chester. Isso me daria mais liberdade. Eu poderia ter inventado antecedentes sobre as vidas das prostitutas. Poderia ter criado detalhes sobre Denise para tornar o final mais satisfatório. Mas queria ser honesto sobre como os tópicos são pessoais para mim, e não queria que as pessoas tivessem de especular o que era verdade e o que não era. Quando chamamos um livro de livro de memórias, estamos dizendo que ele é todo verdadeiro. (Há alguns elementos ficcionais no livro, mas eu assinalei todos eles em notas no final).

São ótimos os quadrinhos pretos para a conversa inicial entre você e sua namorada, Sook-Yin. Como teve essa ideia?

Tentei desenhar aquela primeira cena ao menos quatro vezes sem conseguir que ficasse como eu queria. Não conseguia obter as expressões emocionais em nossos rostos do jeito que achava que deviam ser. E depois tentei desenhar as costas de nossas cabeças para que as expressões de nossos rostos não ficassem visíveis, mas não gostei de como elas ficaram, tampouco. Por fim, deixei os quadrinhos totalmente pretos.

De onde vem essa tendência estilística de drenar a emoção em seu estilo de desenho?

Acredito que haja emoção nas expressões faciais dos personagens, mas tento fazê-la bem sutil. Tendo a gostar da obra de artistas que minimizam a emoção - há muitos que exageram. O criador que mais me influenciou nesse sentido foi o cineasta Robert Bresson, cujos filmes eu amo.

Sobre os diálogos, como decide o ritmo? Como determina a estrutura?

Um livro toma forma à medida que se trabalha nele. Com Pagando por Sexo, escrevi inicialmente um roteiro que era todo diálogo. Depois, escrevi um segundo rascunho no qual distribuí o diálogo por quadrinhos (mas sem os desenhos), reescrevendo, se necessário. Nesse estágio, estava obtendo uma ideia mais clara da estrutura do trabalho, acrescentando e removendo cenas. Em seguida, fiz os desenhos. Depois de feitos, eu me sentei e li a coisa toda. De novo, algumas cenas tiveram de ser acrescentadas, outras tiveram de ser removidas. Boa parte do diálogo havia sido ajustado, a essa altura. Amigos leram o livro e fizeram sugestões - algumas eu usei. Um elemento que não estava nos enredos originais foi o final. Esperava que, enquanto trabalhava nos desenhos, um fim se imporia de alguma maneira. Era monogâmico com Denise quando comecei a desenhar Pagando por Sexo, mas não sabia que continuaria a ser monogâmico com ela, e não sabia que ela se tornara monogâmica comigo. Esse relacionamento monogâmico me proporcionou o fim da história. Gostaria apenas de poder dar mais detalhes sobre o nosso relacionamento, sobre como ele funciona, e como ela é maravilhosa. Incidentalmente, ainda somos monogâmicos um com o outro, e eu ainda lhe pago por sexo. A esta altura, já faz nove anos que nós nos conhecemos. Não há nenhuma tentação de minha parte de fazer sexo com qualquer outra.

Você se vê como escritor político, ou sente que autores são criaturas inevitavelmente políticas?

Não comecei como criador político, mas me tornei cada vez mais político com o passar do tempo. Seria difícil escrever sobre prostituição de uma perspectiva apolítica. Creio que minhas opiniões políticas influenciarão todos os meus projetos pelo resto de minha carreira, embora a política possa nem sempre ser óbvia.

A indústria editorial está passado por viradas e transformações importantes. O que pensa dos e-books, e acha que eles mudarão a maneira como as pessoas leem quadrinhos?

Amo livros "reais", feitos de papel - não os e-books, embora nunca tivesse lido algum. Talvez eu pudesse gostar do formato se tivesse lhe dado uma chance. Permiti que meus editores ingleses soltassem uma versão em e-book de Pagando por Sexo porque minha inclinação é deixar as pessoas lerem o livro no formato que melhor lhes aprouver, independentemente da maneira como eu gostaria de ler o livro.

PAGANDO POR SEXOAutor: Chester Brown. Tradução: Marcelo B. Cipolla. Editora: WMFMartins Fontes (296 págs., R$ 47)

 

O quadrinista canadense Chester Brown passou por uma experiência que, de tão inusitada, serviu como inspiração para seu trabalho: o problema de saciar o desejo de manter constantes relações sexuais sem manter uma namorada fixa foi resolvido com a antiga solução de buscar prazer com garotas de programa. Da cama para o papel foi um pulo - nascia ali Pagando por Sexo, HQ confessional que foi publicada no ano passado e que chega agora ao Brasil pela WMF Martins Fontes.

Não se espere, porém, por um Kama Sutra em quadrinhos - Brown trata do fato com honestidade e também delicadeza, transformando a situação em uma grande análise do desejo humano. Nem faltam os comentários dos amigos que, habitualmente, condenam suas atitudes. E, do ponto de vista gráfico, o canadense oferece grandes soluções, como diálogos afiados e o uso do fundo escuro, em que prevalece apenas o pensamento do protagonista. Sobre o trabalho, Brown, que há nove anos mantém um relacionamento com a mesma garota de programa, respondeu, por e-mail, às seguintes questões.

Quando ainda estava planejando a confecção do livro, já imaginava que falaria bastante sobre as prostitutas?

Quando comecei o projeto, eu decididamente achava que haveria muito mais sobre prostitutas no livro. Algumas delas haviam me contado detalhes muito interessantes sobre suas vidas pessoais, e pensei que esses detalhes ajudariam a humanizá-las e deixar claro por que fizeram as escolhas que fizeram. Mas, quando me sentei para escrever o livro, percebi que esses tipos de detalhes da vida pessoal eram demasiado reveladores - eu não queria arriscar a possibilidade de alguém poder identificar alguma das mulheres com base nas informações do livro.

Há alguma diferença entre trabalhar ou com narrativa ou com memória? O que muda no seu trabalho?

Um livro de memórias é uma espécie de narrativa, mas para ele somos obrigados a contar fatos tal como realmente ocorreram, ou o mais próximo dos fatos que a memória permite. Fiquei tentado a ficcionalizar a história - usar outro nome para o personagem principal, não chamá-lo Chester. Isso me daria mais liberdade. Eu poderia ter inventado antecedentes sobre as vidas das prostitutas. Poderia ter criado detalhes sobre Denise para tornar o final mais satisfatório. Mas queria ser honesto sobre como os tópicos são pessoais para mim, e não queria que as pessoas tivessem de especular o que era verdade e o que não era. Quando chamamos um livro de livro de memórias, estamos dizendo que ele é todo verdadeiro. (Há alguns elementos ficcionais no livro, mas eu assinalei todos eles em notas no final).

São ótimos os quadrinhos pretos para a conversa inicial entre você e sua namorada, Sook-Yin. Como teve essa ideia?

Tentei desenhar aquela primeira cena ao menos quatro vezes sem conseguir que ficasse como eu queria. Não conseguia obter as expressões emocionais em nossos rostos do jeito que achava que deviam ser. E depois tentei desenhar as costas de nossas cabeças para que as expressões de nossos rostos não ficassem visíveis, mas não gostei de como elas ficaram, tampouco. Por fim, deixei os quadrinhos totalmente pretos.

De onde vem essa tendência estilística de drenar a emoção em seu estilo de desenho?

Acredito que haja emoção nas expressões faciais dos personagens, mas tento fazê-la bem sutil. Tendo a gostar da obra de artistas que minimizam a emoção - há muitos que exageram. O criador que mais me influenciou nesse sentido foi o cineasta Robert Bresson, cujos filmes eu amo.

Sobre os diálogos, como decide o ritmo? Como determina a estrutura?

Um livro toma forma à medida que se trabalha nele. Com Pagando por Sexo, escrevi inicialmente um roteiro que era todo diálogo. Depois, escrevi um segundo rascunho no qual distribuí o diálogo por quadrinhos (mas sem os desenhos), reescrevendo, se necessário. Nesse estágio, estava obtendo uma ideia mais clara da estrutura do trabalho, acrescentando e removendo cenas. Em seguida, fiz os desenhos. Depois de feitos, eu me sentei e li a coisa toda. De novo, algumas cenas tiveram de ser acrescentadas, outras tiveram de ser removidas. Boa parte do diálogo havia sido ajustado, a essa altura. Amigos leram o livro e fizeram sugestões - algumas eu usei. Um elemento que não estava nos enredos originais foi o final. Esperava que, enquanto trabalhava nos desenhos, um fim se imporia de alguma maneira. Era monogâmico com Denise quando comecei a desenhar Pagando por Sexo, mas não sabia que continuaria a ser monogâmico com ela, e não sabia que ela se tornara monogâmica comigo. Esse relacionamento monogâmico me proporcionou o fim da história. Gostaria apenas de poder dar mais detalhes sobre o nosso relacionamento, sobre como ele funciona, e como ela é maravilhosa. Incidentalmente, ainda somos monogâmicos um com o outro, e eu ainda lhe pago por sexo. A esta altura, já faz nove anos que nós nos conhecemos. Não há nenhuma tentação de minha parte de fazer sexo com qualquer outra.

Você se vê como escritor político, ou sente que autores são criaturas inevitavelmente políticas?

Não comecei como criador político, mas me tornei cada vez mais político com o passar do tempo. Seria difícil escrever sobre prostituição de uma perspectiva apolítica. Creio que minhas opiniões políticas influenciarão todos os meus projetos pelo resto de minha carreira, embora a política possa nem sempre ser óbvia.

A indústria editorial está passado por viradas e transformações importantes. O que pensa dos e-books, e acha que eles mudarão a maneira como as pessoas leem quadrinhos?

Amo livros "reais", feitos de papel - não os e-books, embora nunca tivesse lido algum. Talvez eu pudesse gostar do formato se tivesse lhe dado uma chance. Permiti que meus editores ingleses soltassem uma versão em e-book de Pagando por Sexo porque minha inclinação é deixar as pessoas lerem o livro no formato que melhor lhes aprouver, independentemente da maneira como eu gostaria de ler o livro.

PAGANDO POR SEXOAutor: Chester Brown. Tradução: Marcelo B. Cipolla. Editora: WMFMartins Fontes (296 págs., R$ 47)

 

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