A obra da artista neoconcreta Lygia Pape (1927-2004) está presente em acervos de museus internacionais (o MoMA, entre outros), mas, pela primeira vez, o Instituto de Arte de Chicago abre suas portas para uma importante coleção de trabalhos inéditos ou pouco conhecidos da série Tecelares, 100 xilogravuras feitas na década de 1950 sob inspiração dos grafismos de comunidades indígenas brasileiras. A mostra foi aberta neste sábado, 11, com curadoria do americano Mark Pascale, e vai até 4 de junho.
A série é anunciada por Pascale como o ápice da produção de Lygia Pape, uma vez que essas xilogravuras, produzidas entre 1952 e 1960, coincidem com a fase embrionária do movimento neoconcreto, deflagrado em 1959 pelo Manifesto de mesmo nome assinado, entre outros, por ela, o poeta e crítico Ferreira Gullar (1930-2016) e o poeta e psicanalista turco Theon Spanudis (1915-1986).
A série Tecelares não revela apenas a visão de uma artista profundamente comprometida com o Brasil e a cultura de seus primeiros habitantes. É de tal modo sofisticada que os elementos geométricos sobrepostos sugerem, segundo o curador, “o choque de partículas atômicas”. Na época em que essas xilogravuras foram produzidas, Lygia ainda não chamava esses trabalhos de Tecelares. Só se deu conta da importância dessas xilogravuras para sua obra posterior nos anos 1970 (em particular para a série Ttéia, instalações efêmeras com fitas e cordas de metal que parecem vibrar diante dos olhos, criando a ilusão de tubos transparentes interseccionados).
O termo que define a série, de acordo com o curador, está estreitamente ligado ao modo artesanal com que Lygia lida com a xilogravura, assim como à influência de modernistas internacionais, entre os quais o alemão Josef Albers, mestre da Bauhaus que fez carreira nos EUA e conhecido pela série Homenagem ao Quadrado.
“A série Tecelares está sintonizada com o movimento neoconcreto, pois rejeita a objetividade, o racionalismo e a forma pura como metas artísticas”, resume o curador Mark Pascale. As gravuras de Pape evitam formas estáticas e a lógica matemática em troca da evocação de um movimento elegante, mudança de luz e ritmos pulsantes”, conclui Pascale.
Apesar de todas as exposições de Lygia Pape pelo mundo, esta é, segundo ele, uma oportunidade de reavaliar a importância da obra gráfica da artista, comparável às monotipias de Mira Schendel. Paula Pape, filha da artista e diretora do projeto que leva o nome da mãe, trabalhou com o Instituto de Arte de Chicago para divulgar a série Tecelares, emprestando as obras inéditas ou pouco exibidas desde os anos 1960.
Lygia Pape usava o termo “espaço magnetizado” para definir a tensão visual que essas xilogravuras provocam por meio da interação entre as incisões no bloco de madeira e a imprecisa absorção da tinta pelo papel, rejeitando mais que uma cópia de cada gravura – nesse ponto, mais uma semelhança com as monotipias de Mira feitas em papel japonês. Enfim, uma justa redescoberta histórica.