Em 1977, um filme de ópera espacial com toques de cultura samurai, poses de caubói e rivalidades alienígenas parecia uma mistura fadada ao fracasso ou, pelo menos, a entrar para os anais do cinema como um clássico cult.
Mas, ao ser lançado nos cinemas do mundo inteiro, Star Wars virou um fenômeno global inesperado.
Desde então, a obra inspirou décadas de filmes e séries de televisão e inúmeras batalhas imaginárias de sabre de luz nos quintais de todo o mundo. A franquia se tornou um sucesso de merchandising e continua mais ativa que nunca nos debates sobre ficção científica.
James Earl Jones, a voz de Darth Vader, morreu na semana retrasada. Ele foi um dos muitos integrantes do universo de Star Wars hoje falecidos que tiveram um impacto indelével na série.
Aqui estão as histórias de algumas das estrelas e da equipe do filme que deram vida a planetas alienígenas, aperfeiçoaram as linguagens dos androides e impregnaram os personagens com sua gravidade e apelo atemporal.
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James Earl Jones (1931-2024): Antes de encontrar sua voz poderosa, ele gaguejava
Mesmo que você não reconhecesse o rosto de James Earl Jones quando ele passou a fazer diferentes papéis ao longo das décadas, certamente teria reconhecido sua voz estrondosa. Ela pertenceu ao escritor amargurado, mas resiliente, em Campo dos Sonhos; ao trágico comandante Otelo na Broadway; e, para o deleite e o terror arrepiante dos fãs de Star Wars, ao arquivilão mascarado Darth Vader.
A seu pedido, ele não foi creditado nos dois primeiros filmes Star Wars, mas seu timbre trovejante fez com que quase todas as falas de Darth Vader soassem como uma ameaça.
Jones, nascido no Mississippi, foi abandonado pelos pais quando criança e foi morar com a família da mãe, uma época que ele descreveu como conturbada.
Aos 8 anos, ele sofria de uma gagueira tão grave que se recusava a falar. Ele se sentia solitário e isolado, mas usou essas emoções nos personagens que retratou mais tarde na vida.
“Não importa a idade do personagem que eu interprete”, disse Jones à Newsweek em 1968, “mesmo que eu esteja interpretando Lear, essas memórias profundas da infância, essas fúrias, vêm à tona.”
Quando jovem, ele trabalhou numa lanchonete e morou num apartamento sem água quente por US$ 19 ao mês, antes de subir na hierarquia da Broadway e de Hollywood. Ele foi um dos primeiros atores negros a aparecer regularmente em novelas diurnas, bem antes de sua fama em Star Wars.
Numa entrevista ao New York Times em 1974, Jones relembrou sua gagueira na infância e disse acreditar que aprender a controlar a aflição o levou a uma carreira de sucesso.
“Só descobrir a alegria de me comunicar já me ajudou”, disse ele. “De uma forma muito pessoal, quando descobri que podia me comunicar verbalmente, isso virou algo muito importante para mim, como que para compensar o tempo perdido, compensar os anos em que eu não falava.”
Carrie Fisher (1956-2016): Sua Princesa Leia deu início a um reinado como a rainha da ficção científica
Teria sido fácil – e talvez previsível para a época – que Carrie Fisher interpretasse a Princesa Leia como uma donzela em perigo. Uma primeira aparição dela no primeiro filme, como uma gravação granulada pedindo ajuda a Obi-Wan Kenobi, poderia ter prenunciado as fragilidades de Leia.
Em vez disso, Fisher interpretou o papel com garra e verve e, como Dave Itzkoff escreveu em seu obituário no Times, ela “conseguia lidar muito bem com seus próprios perigos”.
Leia disparou pistolas a laser ao lado dos protagonistas do filme; virou general da Resistência por direito próprio; e, no primeiro filme, quando se encontra cativa diante de um Darth Vader ameaçador, em vez de demonstrar medo, ela diz: “Só você poderia ser tão ousado”.
A interpretação dura e sardônica de Fisher deu o tom da franquia para muitos espectadores e anunciou que a odisseia espacial cheia de ação não seria apenas para meninos.
Ela nasceu em Beverly Hills, Califórnia, filha do cantor pop Eddie Fisher e da atriz Debbie Reynolds. Mais tarde, Carrie Fisher se basearia em sua experiência de crescer entre a realeza de Hollywood para escrever vários livros sobre as peculiaridades da indústria cinematográfica.
A exposição à fama veio com suas tentações, e Fisher lutou contra o abuso de substâncias e a depressão. Em seu livro de memórias The Princess Diarist (2016), ela refletiu sobre as armadilhas da celebridade e sua cultura de sexismo: “E quem usa tanto brilho labial no campo de batalha? Eu, ou a Leia, é claro”.
Peter Mayhew (1944-2019): O simpático gigante da franquia, com suas feições ocultas sob os pelos
Peter Mayhew, que media 2,20 m, estava na casa dos 30 anos e trabalhava num hospital quando seu tamanho chamou a atenção de um produtor, que mais tarde recomendou Mayhew a George Lucas, o criador da franquia. Mayhew foi escalado para o primeiro filme como Chewbacca, o peludo e adorável (embora às vezes feroz) Wookiee, companheiro de Han Solo.
Entre a panóplia de personagens que despertaram um intenso fandom e definiram o gênero por décadas, o Chewbacca de Mayhew resistiu ao teste do tempo como um dos personagens mais memoráveis da série. E, ao contrário de muitos de seus contemporâneos alienígenas e androides, Chewbacca fez isso sem falar uma palavra (que os espectadores pudessem entender, pelo menos).
Só de balançar os braços e virar a cabeça, Chewbacca conseguia projetar urgência ou contemplação e proporcionava alívio cômico ao fazer pantomimas numa linguagem que era uma série de gritos guturais, suspiros e grunhidos. (Mayhew não fez a voz do personagem, que foi criada por meio de sons de animais gravados).
Nascido em Londres, Mayhew tinha uma forma de gigantismo e já era extraordinariamente alto na adolescência. Uma cirurgia no joelho em 2013 o obrigou a usar cadeira de rodas, mas, depois da reabilitação, ele conseguiu reprisar seu papel em Star Wars: O Despertar da Força (2015).
Mayhew era popular entre os fãs em convenções, onde podia ser visto com uma bengala que se assemelhava a um sabre de luz. Certa vez, ele foi parado no aeroporto por funcionários da Administração de Segurança dos Transportes, que, após uma breve olhada, o deixaram seguir em frente.
“Bengala liberada”, escreveu Mayhew no Twitter à época.
Colin Cantwell (1932-2022): Os jatos de combate e a perigosa Estrela da Morte foram criados a partir de sua imaginação
Numa das mais famosas sequências de batalha da franquia Star Wars, o rebelde salvador Luke Skywalker usa a Força para direcionar torpedos através de uma trincheira na Estrela da Morte, explorando uma pequena vulnerabilidade e destruindo a nave.
A cena incita um exame minucioso até hoje. Como poderia haver tal descuido arquitetônico numa máquina de guerra de última geração do tamanho de um pequeno planeta? Talvez o projetista da Estrela da Morte, Colin Cantwell, tenha ficado acordado à noite, só de remorso.
“Vendi armamento para ambos os lados”, disse Cantwell em resposta à pergunta durante uma sessão de perguntas e respostas no Reddit em 2016, “portanto, não me sinto envergonhado”.
Além da Estrela da Morte, Cantwell foi o designer e artista conceitual por trás de outras naves espaciais de Star Wars, como a X-wing, o caça TIE e o cockpit da Millennium Falcon.
O pai de Cantwell era artista gráfico e sua mãe tinha sido rebitadora durante a Segunda Guerra Mundial. Ele estudou animação na faculdade e, depois de mostrar vários projetos de construção ao arquiteto Frank Lloyd Wright, foi convidado para a escola de Wright no Arizona. Mas ele optou por não cursar depois que Wright morreu.
Quando criança, Cantwell contraiu tuberculose, o que o deixou imobilizado dentro de um quarto escuro com um colete pesado para evitar a tosse.
“Basta dizer que, depois disso, nada conseguiu me desacelerar!”, escreveu ele no Reddit.
Michael Culver (1938-2024): Uma morte memorável nas mãos do vilão
O Capitão Needa tinha boas intenções. Ele e seus comandados de uma nave Imperial Star Destroyer estavam perseguindo a Millennium Falcon quando ela desapareceu inexplicavelmente. Assumindo toda a responsabilidade, ele disse que iria sozinho pedir desculpas a Darth Vader.
Na cena seguinte, o capitão, interpretado por Michael Culver, solta seu último suspiro, caindo no chão de dor e com uma expressão de choque.
“Desculpas aceitas, Capitão Needa”, diz Darth Vader ao passar por cima do corpo, depois de asfixiar o capitão telepaticamente.
Mesmo nesse momento tão breve, Culver criou um impacto duradouro com a morte repentina do personagem. Um clipe da cena no YouTube tem mais de 2 milhões de visualizações.
A cena rápida desmente uma carreira que se estendeu por décadas no palco e nas telas, com papéis no programa de televisão The Return of Sherlock Holmes e em dois filmes de James Bond estrelados por Sean Connery: Moscou contra 007 e 007 Contra a Chantagem Atômica. Culver também atuou em peças de Shakespeare e mais tarde se dedicou à política.
“Quando fiz Star Wars, parecia que era só: ‘Ah, eles estão fazendo um filme sobre naves estelares’”, disse Culver numa entrevista em 2023 ao podcast Making Tracks.
“Eu só pensei: ‘Bem, espero que seja bem-sucedido’”, disse ele, acrescentando: “Não esperava que quarenta anos depois ainda estaria dando autógrafos por isso.”
John Mollo (1931-2017): Seus trajes criaram um universo próprio para vilões e heróis
O trabalho de John Mollo como figurinista do filme original Star Wars foi sua primeira incursão na ficção científica. Historiador autodidata, ele já tinha escrito para publicações históricas e ilustrado livros sobre trajes militares quando Lucas lhe fez uma proposta.
“Felizmente, minha total ignorância em relação à ficção científica não foi um problema”, escreveu Mollo no prefácio do livro de Brandon Alinger, Star Wars Costumes: The Original Trilogy [”Figurinos de Star Wars: A Trilogia Original”] (2014).
Lucas, acrescentou ele, “não queria que seu filme (então chamado de As Guerras nas Estrelas) tivesse uma aparência ‘espacial’ – nada das obreiras e capas esvoaçantes de Flash Gordon”.
Mollo utilizou sua perspicácia em termos de alfaiataria para criar os icônicos guarda-roupas de artes marciais de Luke Skywalker, as vestes de sábio de Obi-Wan Kenobi e os trajes robustos e empoeirados de Han Solo.
Seu trabalho rendeu um Oscar de figurino na 50ª cerimônia do Oscar. Ele aceitou o prêmio ao lado de atores vestidos como Darth Vader e storm troopers.
Alec Guinness (1914-2000): Um mentor Jedi cheio de conhecimento e um catalisador para a jornada de herói
Poucos personagens foram tão importantes para o arco narrativo de Star Wars quanto o Obi-Wan Kenobi de Alec Guinness. O mentor equilibrado de Luke Skywalker treinou o herói escolhido e, antes disso, o pai de Luke, Darth Vader, nos caminhos da Força.
A raiva de Obi Wan, quando se expressava, era justa; seus conselhos eram abstratos e enigmáticos.
Logo no início do primeiro filme, Luke menciona que gostaria de ter conhecido seu próprio pai, sem saber que era Darth Vader, o homem mais temido de toda a galáxia. Obi-Wan não titubeia quando conta a Luke sobre o homem antes de ele se transformar em Vader.
“Ele era o melhor piloto estelar da galáxia”, diz Obi-Wan. “E um guerreiro astuto”. E acrescenta, mais para si mesmo do que para Luke: “Ele era um bom amigo”.
Quando Obi-Wan e Darth Vader se encontram em Uma Nova Esperança, ambos sacam suas armas e apresentam ao mundo, pela primeira vez, um duelo de sabres de luz.
Nascido em Londres, Guinness disse que muitas vezes era confundido com um herdeiro da cervejaria Guinness e que, mais tarde, vários membros dessa família fizeram amizade com ele.
Depois de terminar a escola preparatória em 1932, ele trabalhou como aprendiz numa agência de redação de Londres e quase imediatamente decidiu fazer aulas de atuação. Sua experiência com elas não prenunciava uma carreira ilustre.
“Depois de algumas aulas, ela me mandou embora”, disse ele, referindo-se à sua professora, a renomada atriz Martita Hunt. Mas, em 1941, ele já tinha feito 34 papéis em 23 peças.
“Era óbvio”, disse o diretor de teatro Sir Tyrone Guthrie sobre aquela época, “que ele seria extremamente talentoso. Não era tão óbvio que ele seria tão popular”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU