Entre os 15 longas-metragens que entraram na “shortlist” do Oscar 2022 de produção internacional, há países assíduos frequentadores da categoria, como a Itália, que ganhou o prêmio 14 vezes e vem com A Mão de Deus, de Paolo Sorrentino, e o Japão (Drive My Car, de Ryûsuke Hamaguchi). Mas a lista traz uma surpresa: A Felicidade das Pequenas Coisas, filme de estreia de Pawo Choyning Dorji e apenas a segunda inscrição do Butão no Oscar.
A comédia dramática sobre Ugyen Dorji (Sherab Dorji), um professor da cidade mandado para o vilarejo de Lunana, estreia nos cinemas de São Paulo nesta quinta, 27. “Surreal é a palavra”, disse Pawo Choyning Dorji em entrevista ao Estadão, por videoconferência. “Porque, quando decidimos fazer o filme, nem sabíamos se seríamos capazes de realizá-lo. Sempre tivemos uma atitude de o que será, será.”
Chegar a Lunana era um problema. O vilarejo, perto do Himalaia, fica a 5 mil metros de altitude. Boa parte do caminho precisa ser feita a pé, montanha acima, uma viagem que leva sete dias. Para carregar o equipamento e as provisões necessárias, foram utilizados 65 burros. Lunana depende de energia solar, então havia uma grande possibilidade de que nada funcionasse. “Falei para todos que deveríamos ficar felizes se conseguíssemos filmar apenas o professor subindo. Que, se isso acontecesse, encarássemos a experiência em Lunana como algo único, uma chance de aproveitar as montanhas e a hospitalidade do povo local.”
A realização do filme de certa forma espelhou o que o professor passa em Lunana. O personagem, que chega lá de má vontade porque deseja abandonar o magistério para virar cantor na Austrália, pouco a pouco vai sendo conquistado pela generosidade e pelo espírito curioso da população. “Eu queria fazer um filme que representasse o que meu país está vivendo no momento”, disse o diretor. “A imagem que todos têm do Butão é a do país mais feliz do mundo. E, no entanto, milhares de pessoas, especialmente as mais jovens e qualificadas, procuram sua felicidade em outros países.”
Para montar o roteiro, o diretor passou um tempo viajando pelo Butão e coletando histórias. Foi assim que chegou ao iaque (espécie búfalo) dentro da sala de aula, por exemplo. Lunana foi escolhida por estar intocada pela globalização. “Quando comecei a dizer que ia filmar lá, as pessoas reagiam como se estivesse falando que ia rodar na Lua.”
Durante um ano e meio de preparação, levando painéis solares, carregadores de bateria, provisões para alimentar 35 pessoas extras, ele encontrou ali personagens/atores como Pem Zam, a menina aplicada e interessada em aprender que conquista o espectador.
No Butão, Dorji disse, não há atores profissionais, então ele procurou pessoas cujas histórias se aproximassem das dos personagens. “Precisávamos estar abertos ao improviso”, disse ele. “E trabalhar com o que tínhamos. Uma grande parte das pessoas de Lunana nem sabia o que era um filme.” Em uma cena, o professor apresenta escova e pasta de dentes aos alunos. “Aquilo é real. Aquelas crianças estavam experimentando creme dental pela primeira vez.”
Essa autenticidade é fundamental para o charme do filme, uma história simples. “Somos muito gratos à vila por ter nos recebido com corações abertos”, disse ele. Dorji sentiu a responsabilidade de representar os moradores de maneira correta. “Eles nunca foram expostos ao mundo exterior”, disse. “Com a globalização, as coisas estão mudando rapidamente no Butão, um país de cultura única. Eu achava importante registrar a cultura particular de Lunana, antes que se transforme.” Quando a equipe deixou o vilarejo, a companhia telefônica chegou para instalar torres de celular. “Eu fiquei de coração partido, porque as lindas histórias que captamos no nosso filme provavelmente vão desaparecer.”