Foram quatro anos e meio de trabalho e muita dedicação, desde a idéia original para a montagem definitiva. Mas valeu o esforço - A Fuga das Galinhas, que estréia nesta sexta-feira em todo o Brasil, veio para fazer história na animação. Fantasia, O Submarino Amarelo e O Rei Leão são talvez as animações mais famosas de todos os tempos. As melhores - o top daquilo que não é propriamente um gênero ou estilo de cinema, mas constitui o que os críticos e realizadores chamam de oitava arte. Essas animações trabalham no registro do desenho. A Fuga das Galinhas trabalha com modelagem. As galináceas do título são feitas de massinha de modelar. Nick Parker e Peter Lord são os diretores e se você nunca ouviu falar no primeiro é porque não vive neste mundo ou nunca freqüentou o circuito de mostras de São Paulo. Parker é figura cultuada no Festival Internacional de Curtas. Já teve direito até a retrospectiva. Steven Spielberg é seu fã. Foi o artífice do contrato de Parker com a DreamWorks, pelo qual o animador inglês ganhou US$ 250 milhões em troca de cinco animações para o estúdio americano. A Fuga das Galinhas é a primeira. Bateu recordes nos EUA e, na Inglaterra, converteu-se no maior êxito de bilheteria da história do país, superando Notting Hill e Matrix. O que faz de A Fuga das Galinhas esse sucesso todo é o prodigioso trabalho de animação de Parker e Lord, certo, mas também é a engenhosidade da história. É uma daquelas animações que não se destinam só às crianças. Pais e mães vão adorar (re)ver o filme com os filhos e se você é tio (ou tia) também vai pedir os sobrinhos emprestados para participar da brincadeira. Na origem de A Fuga das Galinhas está outro êxito - o filme de guerra Fugindo do Inferno, de John Sturges, dos anos 60, que instituiu o modelo das narrativas de ação sobre a fuga de prisioneiros de campos administrados por nazistas. Fugindo do Inferno (The Great Escape), como todo cult, tem seus detratores, que acusam o diretor, um mestre da ação, responsável por westerns eletrizantes, de abusar do patetismo de personagens e situações numa narrativa que lhes parece excessivamente "fabricada". Pode ser que tenham razão, alguma, pelo menos, mas não dá para resistir ao elenco que tem Steve McQueen, James Garner, James Coburn, Charles Bronson, Richard Attenborough e Donald Pleasence. Alguns desses atores, os três primeiros, já estavam no vibrante Sete Homens e um Destino, que antecipou, no começo dos anos 60, o que viria a ser uma tendência importante do western naquela década. Importante e discutida - o spaghetti western, na verdade, nasceu em Hollywood com Sturges e foi aprimorado na Itália por Sergio Leone. Mas o assunto, enfim, não é Fugindo do Inferno ou o cinema de Sturges e sim, A Fuga das Galinhas. A animação de Parker e Lord transpõe a trama de Sturges para um galinheiro. Reprodução Na origem de A Fuga das Galinhas está outro êxito - o filme de guerra Fugindo do Inferno, de John Sturges, dos anos 60 No original, os prisioneiros de guerra, submetidos à rígida disciplina do campo nazista, viviam arquitetando planos de fuga. McQueen, no papel que o catapultou, definitivamente, à condição de astro, tentava fugir de todos jeitos e, numa cena memorável, cavalgava veloz no lombo de uma motocicleta. A cena esculpiu o mito do ator energético, confirmada quando McQueen trocou a moto pelo carro em outra feroz corrida, no policial Bullitt, de Peter Yates. Assim como os prisioneiros no campo nazista de Sturges, as galinhas de Parker e Lord também vivem num regime de terror no galinheiro do casal Tweedy. Ele é bobo e a definição talvez seja insuficiente para dizer o que é esse homem que vive à sombra da mulher gananciosa. Ela é uma megera, a bruxa má de qualquer conto infantil que se preze. Administra o galinheiro com mão de ferro, só pensando nos lucros. No início, a idéia é fazer com que as galinhas, poedeiras, ponham bastante ovos para alimentar os lucros da casa. A galinha que baixa a produtividade é sacrificada - numa cena que beira o terror puro, pois desde a floresta encantada de Branca de Neve, da Disney, animação e terror muitas vezes andaram juntos para delícia das platéias mirins. As galinhas, claro, vivem tentando fugir, especialmente uma delas, Ginger, que faz o papel correspondente ao personagem de McQueen. Logo no começo, Ginger escava um túnel e vai parar na bocarra dos cães que guardam o campo, perdão, o galinheiro. Sair do campo por baixo, escavando um túnel, como faziam os prisioneiros de Fugindo do Inferno, revela-se impossível. É quando entra em cena o sedutor de Ginger - um galo errante chamado Rocky. Ele se anuncia como o galo voador e alimenta nas pobres galinhas o sonho de fugirem por cima - voando sobre as cercas de arame farpado que as separam da liberdade. Essa é a trama, agravada quando o casal Tweedy, querendo aumentar os lucros, adquire uma máquina para transformar as galinhas em suculentas tortas, o que aumenta ainda mais a pressão pela necessidade de uma fuga imediata. Entram em cena personagens como a dupla de ratos contrabandistas, que fornece às galinhas o instrumental que elas precisam para construir seu precário avião. Aí, A Fuga das Galinhas intercepta sua narrativa com a influência de outro filme de ação dos 60, O Vôo do Fênix, de Robert Aldrich. Quando menino, na pequena cidade de Preston, no norte da Inglaterra, Parker era considerado uma aberração, pois seu prazer era brincar com massinhas de modelar, quando os outros meninos já estavam noutra. As massinhas viraram não só um ganha-pão como uma forma de expressão. A Fuga das Galinhas repete a técnica que celebrizou o diretor - ele filma, quadro a quadro, as massinhas que cria, insuflando-lhes a sensação de movimento. O computador dá o acabamento - plástico, principalmente, por meio de detalhes técnicos como a iluminação. Parker ganhou três vezes o Oscar de animação de curta-metragem. Não será de admirar se o longa A Fuga das Galinhas for indicado para o cobiçado prêmio. É muito legal.