Amyr Klink relembra travessia que renderá filme: ‘Terminou de forma poética, sem GPS, sem multidão’


Navegador e escritor reflete sobre os caminhos de sua carreira, que agora será adaptada para as telonas pelo cineasta Carlos Saldanha

Por Matheus Mans
Atualização:
Foto: Adriano Vizoni
Entrevista comAmyr KlinkNavegador e escritor

Amyr Klink ligou sua câmera para conversar com a reportagem do Estadão diretamente de seu escritório, na cidade de Paraty. Ao fundo, remos, livros e um aspecto de casa de barcos. Uma composição visual que não poderia ser mais coerente com a trajetória do escritor e navegante brasileiro: ele fez história ao atravessar o Atlântico em um pequeno barco a remo e, depois, imortalizou essa sua jornada no livro Cem Dias Entre Céu e Mar.

Agora, essa história vai ganhar outra camada e outra interpretação: Carlos Saldanha (Rio, O Touro Ferdinando) está dirigindo um filme, atualmente em produção, que irá contar os detalhes dessa travessia. Amyr será vivido por Filipe Bragança, que acabou de interpretar Sidney Magal em Meu Sangue Ferve por Você. A ideia é recriar com detalhes como foi esse desafio – e mostrar, para quem ainda não conhece a história, a dificuldade da tarefa.

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Vida e travessia de Amyr Klink vão se tornar filme. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

“O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso”, diz Amyr. Ele revela que não quer se envolver muito com a produção, já que prefere que tenha vida própria – não à toa, ao conversar com a reportagem, revelou que estava prestes a sair em uma longa viagem para a Groenlândia e, depois, emendaria para a Islândia. “Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada”, diz.

A seguir, Amyr fala sobre a expectativa com o filme, reflete sobre passado e fala do que o futuro lhe reserva pelos mares gelados – e sempre desafiadores – à frente de seu barco.

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Vida e travessia de Amyr Klink vai se tornar filme Foto: Adriano Vizoni

Amyr, eu queria começar perguntando sobre a sua travessia, que agora vai virar filme. Ela está completando 40 anos. Como é olhar para trás e pensar nessa jornada que você fez? As coisas mudaram?

Amyr Klink: Em primeiro lugar, eu me sinto muito bem. Percebo que estou no lucro, porque nunca imaginei que essa travessia duraria tanto tempo em termos de impacto. Olhando para trás, sinto que tive o privilégio de viver em duas épocas diferentes: a anterior ao GPS e essa atual de hiperconectividade.

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Por exemplo, amanhã estamos indo para a Groenlândia para tentar encontrar meu barco, o Paratii 2, que vendi ao governo da Suíça para uma fundação de pesquisa polar. Vamos também tentar encontrar nossa filha, Tamara, que está separada do barco por umas 200 milhas. Ela passou dez meses e meio sozinha, enfrentando o inverno em um micro veleiro, mas não fico preocupado, porque sabemos onde ela está a cada minuto. Uso um aplicativo que permite localizá-la com precisão de metros. É incrível como a tecnologia evoluiu.

Ela terminou a invernagem na semana passada, o barco dela saiu do gelo, e ela conseguiu internet de alta velocidade em uma vila na Groenlândia. Ela tentou desconectar, não queria ser perturbada, mas eu a encontrei usando um aplicativo. Hoje em dia, é como um Big Brother. Achei o barco dela, sei exatamente a velocidade e a direção da proa. Isso é uma grande evolução comparado aos tempos antigos. Na minha primeira vez na Antártica, quatro anos após a travessia, ainda usei sextante.

A navegação naquela época não era muito diferente da que os portugueses e holandeses faziam nos séculos 16 e 17. Hoje, temos possibilidades incríveis, monitoramos embarcações em tempo real, mas a navegação também mudou por causa do clima. Nas primeiras viagens, fiquei cem dias ao sol durante a travessia e nem levei protetor solar.

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Hoje, o cenário é outro.

Não existia direito. A gente passava óleo com cenoura para bronzear. Era pura fritura da pele. Não sei como não peguei câncer de pele. No ano passado, fizemos uma viagem para a Antártica, e o pessoal ficou impressionado. Há dias lindos, maravilhosos de sol, mas se você ficar quarenta minutos no sol, tem que ir para um ambulatório, porque o sol de hoje machuca.

Isso se reflete também nos materiais que usamos, como cabos e cordas de polipropileno, que são muito sensíveis ao UV. Antigamente, duravam cinco, seis anos; hoje, duram uma temporada e viram pó. Vou muito para Ushuaia, nossa última base antes de chegar à Antártica. Estatisticamente, até quinze anos atrás, não havia ventos acima de setenta, oitenta nós. Hoje, ventos acima de cem, cento e dez nós são comuns.

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Amyr Klink em foto de 2012 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nesse cenário, e ainda relatando tudo em livros que foram muito bem vendidos, você ganhou no Brasil um status de herói, um ícone nacional. Seus livros também entraram na vida das pessoas. Como é para você lidar com essa questão?

Acho que muito pouca gente me conhece no Brasil, mas, por exemplo, na França, especialmente na Bretanha, sou muito conhecido. Isso porque a maioria dos navegadores que encontro são franceses. 80% da minha biblioteca de viagens é composta por livros em francês, e construímos muitos barcos no Brasil com projetos franceses.

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Eles têm esse trauma de a língua francesa não ser mais universal, se recusam a falar inglês, mas sabem que há um cara no Brasil que faz viagens inspiradas neles. Então, não sou assediado na rua, mas, quando sou, isso não me incomoda. Vejo isso como uma demonstração de carinho e apreço.

Não sou muito ativo nas redes sociais, mas percebo, no caso da Tamara, por exemplo, o quanto as pessoas interagem com ela no Instagram. Antigamente, quando voltava de uma viagem, tinha histórias para contar o ano todo. Hoje, todo mundo já acompanhou tudo online, então chego às reuniões com amigos sem nada novo para contar.

Filipe Bragança e Amyr Klink - o ator dará vida ao navegante em cinebiografia dirigida por Carlos Saldanha. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

E sobre o filme que será feito sobre sua travessia, como surgiu a proposta? Foi algo que você sempre desejou?

Nunca foi algo que desejei ativamente, mas escrevi cerca de dez livros. O que mais faz sucesso até hoje é Cem Dias Entre Céu E Mar. Gosto muito de escrever e revisar textos, e acho que fui feliz ao escrever esse livro, pois era uma história difícil de contar.

Às vezes, uma grande aventura resulta em um livro medíocre, mas acho que consegui transmitir bem a história. A ideia de transformar o livro em filme começou com minha esposa, Marina. Ela conheceu o pessoal da [produtora] Conspiração Filmes, no Rio de Janeiro, e eles se encantaram. Vendi os direitos autorais, e o Breno Silveira se ofereceu para dirigir.

Ele contratou cinco roteiristas diferentes ao longo dos anos, mas não gostou de nenhum roteiro. Então, acabei me desligando do projeto. No final, surgiu a proposta do Carlos Saldanha, e as coisas avançaram. Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada.

Recentemente, li um artigo de um autor que dizia que a adaptação de um livro para o cinema é uma nova obra, e ele não se envolvia nesse processo. Estou impressionado com o nível de detalhamento que a equipe de produção está verificando, desde a cor da âncora até a marca da roupa de borracha que usei.

Gostou da escolha do Carlos Saldanha para dirigir o filme?

Gostei, sim. Já conhecia parte do trabalho dele, especialmente Rio, que é uma animação impressionante. Gosto da maneira simples e interessada com que ele assumiu essa responsabilidade. Não tenho ideia dos números envolvidos, mas sei que é um trabalho complicado. Acompanhei a produção de vários filmes em Paraty ao longo dos anos e sei o quanto é difícil transpor uma boa história para a tela.

Carlos Saldanha está produzindo vida sobre a vida de Amir Klink. Navegador e escritor será interpretado por Filipe Bragança. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

O que pode faltar em um filme sobre sua história?

O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso. No começo, havia crises financeiras, de ignorância, burocráticas. Tudo dava errado. Eu tive um acidente e precisei reimplantar a mão direita.

O barco foi apreendido pelas autoridades da África do Sul, e meu dinheiro acabou no meio da viagem. Finalmente, a travessia em si foi quase um prêmio. Claro, estava apavorado porque o mar era muito duro, mas a viagem foi uma espécie de alívio. O final foi bacana.

Minha travessia terminou de forma poética, sem GPS, sem ninguém me esperando, sem multidão. Cheguei em paz, e o único que apareceu foi um pescador que me ofereceu duas sardinhas, toda a comida que tinha na casa dele. Achei aquilo um gesto gigante.

O que você está planejando para o restante do ano e talvez para 2025?

Estamos pensando em fazer essa viagem para a Groenlândia, que será relativamente longa. Depois, vou levar um grupo de brasileiros para a Islândia em outubro, pela terceira ou quarta vez. Fiquei apaixonado por lá. Por fim, estamos desenvolvendo uma série sobre comunidades flutuantes ao redor do mundo para o Globoplay. Sinto que isso é algo revolucionário e precisamos mostrar às pessoas.

Amyr Klink ligou sua câmera para conversar com a reportagem do Estadão diretamente de seu escritório, na cidade de Paraty. Ao fundo, remos, livros e um aspecto de casa de barcos. Uma composição visual que não poderia ser mais coerente com a trajetória do escritor e navegante brasileiro: ele fez história ao atravessar o Atlântico em um pequeno barco a remo e, depois, imortalizou essa sua jornada no livro Cem Dias Entre Céu e Mar.

Agora, essa história vai ganhar outra camada e outra interpretação: Carlos Saldanha (Rio, O Touro Ferdinando) está dirigindo um filme, atualmente em produção, que irá contar os detalhes dessa travessia. Amyr será vivido por Filipe Bragança, que acabou de interpretar Sidney Magal em Meu Sangue Ferve por Você. A ideia é recriar com detalhes como foi esse desafio – e mostrar, para quem ainda não conhece a história, a dificuldade da tarefa.

Vida e travessia de Amyr Klink vão se tornar filme. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

“O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso”, diz Amyr. Ele revela que não quer se envolver muito com a produção, já que prefere que tenha vida própria – não à toa, ao conversar com a reportagem, revelou que estava prestes a sair em uma longa viagem para a Groenlândia e, depois, emendaria para a Islândia. “Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada”, diz.

A seguir, Amyr fala sobre a expectativa com o filme, reflete sobre passado e fala do que o futuro lhe reserva pelos mares gelados – e sempre desafiadores – à frente de seu barco.

Vida e travessia de Amyr Klink vai se tornar filme Foto: Adriano Vizoni

Amyr, eu queria começar perguntando sobre a sua travessia, que agora vai virar filme. Ela está completando 40 anos. Como é olhar para trás e pensar nessa jornada que você fez? As coisas mudaram?

Amyr Klink: Em primeiro lugar, eu me sinto muito bem. Percebo que estou no lucro, porque nunca imaginei que essa travessia duraria tanto tempo em termos de impacto. Olhando para trás, sinto que tive o privilégio de viver em duas épocas diferentes: a anterior ao GPS e essa atual de hiperconectividade.

Por exemplo, amanhã estamos indo para a Groenlândia para tentar encontrar meu barco, o Paratii 2, que vendi ao governo da Suíça para uma fundação de pesquisa polar. Vamos também tentar encontrar nossa filha, Tamara, que está separada do barco por umas 200 milhas. Ela passou dez meses e meio sozinha, enfrentando o inverno em um micro veleiro, mas não fico preocupado, porque sabemos onde ela está a cada minuto. Uso um aplicativo que permite localizá-la com precisão de metros. É incrível como a tecnologia evoluiu.

Ela terminou a invernagem na semana passada, o barco dela saiu do gelo, e ela conseguiu internet de alta velocidade em uma vila na Groenlândia. Ela tentou desconectar, não queria ser perturbada, mas eu a encontrei usando um aplicativo. Hoje em dia, é como um Big Brother. Achei o barco dela, sei exatamente a velocidade e a direção da proa. Isso é uma grande evolução comparado aos tempos antigos. Na minha primeira vez na Antártica, quatro anos após a travessia, ainda usei sextante.

A navegação naquela época não era muito diferente da que os portugueses e holandeses faziam nos séculos 16 e 17. Hoje, temos possibilidades incríveis, monitoramos embarcações em tempo real, mas a navegação também mudou por causa do clima. Nas primeiras viagens, fiquei cem dias ao sol durante a travessia e nem levei protetor solar.

Hoje, o cenário é outro.

Não existia direito. A gente passava óleo com cenoura para bronzear. Era pura fritura da pele. Não sei como não peguei câncer de pele. No ano passado, fizemos uma viagem para a Antártica, e o pessoal ficou impressionado. Há dias lindos, maravilhosos de sol, mas se você ficar quarenta minutos no sol, tem que ir para um ambulatório, porque o sol de hoje machuca.

Isso se reflete também nos materiais que usamos, como cabos e cordas de polipropileno, que são muito sensíveis ao UV. Antigamente, duravam cinco, seis anos; hoje, duram uma temporada e viram pó. Vou muito para Ushuaia, nossa última base antes de chegar à Antártica. Estatisticamente, até quinze anos atrás, não havia ventos acima de setenta, oitenta nós. Hoje, ventos acima de cem, cento e dez nós são comuns.

Amyr Klink em foto de 2012 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nesse cenário, e ainda relatando tudo em livros que foram muito bem vendidos, você ganhou no Brasil um status de herói, um ícone nacional. Seus livros também entraram na vida das pessoas. Como é para você lidar com essa questão?

Acho que muito pouca gente me conhece no Brasil, mas, por exemplo, na França, especialmente na Bretanha, sou muito conhecido. Isso porque a maioria dos navegadores que encontro são franceses. 80% da minha biblioteca de viagens é composta por livros em francês, e construímos muitos barcos no Brasil com projetos franceses.

Eles têm esse trauma de a língua francesa não ser mais universal, se recusam a falar inglês, mas sabem que há um cara no Brasil que faz viagens inspiradas neles. Então, não sou assediado na rua, mas, quando sou, isso não me incomoda. Vejo isso como uma demonstração de carinho e apreço.

Não sou muito ativo nas redes sociais, mas percebo, no caso da Tamara, por exemplo, o quanto as pessoas interagem com ela no Instagram. Antigamente, quando voltava de uma viagem, tinha histórias para contar o ano todo. Hoje, todo mundo já acompanhou tudo online, então chego às reuniões com amigos sem nada novo para contar.

Filipe Bragança e Amyr Klink - o ator dará vida ao navegante em cinebiografia dirigida por Carlos Saldanha. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

E sobre o filme que será feito sobre sua travessia, como surgiu a proposta? Foi algo que você sempre desejou?

Nunca foi algo que desejei ativamente, mas escrevi cerca de dez livros. O que mais faz sucesso até hoje é Cem Dias Entre Céu E Mar. Gosto muito de escrever e revisar textos, e acho que fui feliz ao escrever esse livro, pois era uma história difícil de contar.

Às vezes, uma grande aventura resulta em um livro medíocre, mas acho que consegui transmitir bem a história. A ideia de transformar o livro em filme começou com minha esposa, Marina. Ela conheceu o pessoal da [produtora] Conspiração Filmes, no Rio de Janeiro, e eles se encantaram. Vendi os direitos autorais, e o Breno Silveira se ofereceu para dirigir.

Ele contratou cinco roteiristas diferentes ao longo dos anos, mas não gostou de nenhum roteiro. Então, acabei me desligando do projeto. No final, surgiu a proposta do Carlos Saldanha, e as coisas avançaram. Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada.

Recentemente, li um artigo de um autor que dizia que a adaptação de um livro para o cinema é uma nova obra, e ele não se envolvia nesse processo. Estou impressionado com o nível de detalhamento que a equipe de produção está verificando, desde a cor da âncora até a marca da roupa de borracha que usei.

Gostou da escolha do Carlos Saldanha para dirigir o filme?

Gostei, sim. Já conhecia parte do trabalho dele, especialmente Rio, que é uma animação impressionante. Gosto da maneira simples e interessada com que ele assumiu essa responsabilidade. Não tenho ideia dos números envolvidos, mas sei que é um trabalho complicado. Acompanhei a produção de vários filmes em Paraty ao longo dos anos e sei o quanto é difícil transpor uma boa história para a tela.

Carlos Saldanha está produzindo vida sobre a vida de Amir Klink. Navegador e escritor será interpretado por Filipe Bragança. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

O que pode faltar em um filme sobre sua história?

O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso. No começo, havia crises financeiras, de ignorância, burocráticas. Tudo dava errado. Eu tive um acidente e precisei reimplantar a mão direita.

O barco foi apreendido pelas autoridades da África do Sul, e meu dinheiro acabou no meio da viagem. Finalmente, a travessia em si foi quase um prêmio. Claro, estava apavorado porque o mar era muito duro, mas a viagem foi uma espécie de alívio. O final foi bacana.

Minha travessia terminou de forma poética, sem GPS, sem ninguém me esperando, sem multidão. Cheguei em paz, e o único que apareceu foi um pescador que me ofereceu duas sardinhas, toda a comida que tinha na casa dele. Achei aquilo um gesto gigante.

O que você está planejando para o restante do ano e talvez para 2025?

Estamos pensando em fazer essa viagem para a Groenlândia, que será relativamente longa. Depois, vou levar um grupo de brasileiros para a Islândia em outubro, pela terceira ou quarta vez. Fiquei apaixonado por lá. Por fim, estamos desenvolvendo uma série sobre comunidades flutuantes ao redor do mundo para o Globoplay. Sinto que isso é algo revolucionário e precisamos mostrar às pessoas.

Amyr Klink ligou sua câmera para conversar com a reportagem do Estadão diretamente de seu escritório, na cidade de Paraty. Ao fundo, remos, livros e um aspecto de casa de barcos. Uma composição visual que não poderia ser mais coerente com a trajetória do escritor e navegante brasileiro: ele fez história ao atravessar o Atlântico em um pequeno barco a remo e, depois, imortalizou essa sua jornada no livro Cem Dias Entre Céu e Mar.

Agora, essa história vai ganhar outra camada e outra interpretação: Carlos Saldanha (Rio, O Touro Ferdinando) está dirigindo um filme, atualmente em produção, que irá contar os detalhes dessa travessia. Amyr será vivido por Filipe Bragança, que acabou de interpretar Sidney Magal em Meu Sangue Ferve por Você. A ideia é recriar com detalhes como foi esse desafio – e mostrar, para quem ainda não conhece a história, a dificuldade da tarefa.

Vida e travessia de Amyr Klink vão se tornar filme. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

“O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso”, diz Amyr. Ele revela que não quer se envolver muito com a produção, já que prefere que tenha vida própria – não à toa, ao conversar com a reportagem, revelou que estava prestes a sair em uma longa viagem para a Groenlândia e, depois, emendaria para a Islândia. “Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada”, diz.

A seguir, Amyr fala sobre a expectativa com o filme, reflete sobre passado e fala do que o futuro lhe reserva pelos mares gelados – e sempre desafiadores – à frente de seu barco.

Vida e travessia de Amyr Klink vai se tornar filme Foto: Adriano Vizoni

Amyr, eu queria começar perguntando sobre a sua travessia, que agora vai virar filme. Ela está completando 40 anos. Como é olhar para trás e pensar nessa jornada que você fez? As coisas mudaram?

Amyr Klink: Em primeiro lugar, eu me sinto muito bem. Percebo que estou no lucro, porque nunca imaginei que essa travessia duraria tanto tempo em termos de impacto. Olhando para trás, sinto que tive o privilégio de viver em duas épocas diferentes: a anterior ao GPS e essa atual de hiperconectividade.

Por exemplo, amanhã estamos indo para a Groenlândia para tentar encontrar meu barco, o Paratii 2, que vendi ao governo da Suíça para uma fundação de pesquisa polar. Vamos também tentar encontrar nossa filha, Tamara, que está separada do barco por umas 200 milhas. Ela passou dez meses e meio sozinha, enfrentando o inverno em um micro veleiro, mas não fico preocupado, porque sabemos onde ela está a cada minuto. Uso um aplicativo que permite localizá-la com precisão de metros. É incrível como a tecnologia evoluiu.

Ela terminou a invernagem na semana passada, o barco dela saiu do gelo, e ela conseguiu internet de alta velocidade em uma vila na Groenlândia. Ela tentou desconectar, não queria ser perturbada, mas eu a encontrei usando um aplicativo. Hoje em dia, é como um Big Brother. Achei o barco dela, sei exatamente a velocidade e a direção da proa. Isso é uma grande evolução comparado aos tempos antigos. Na minha primeira vez na Antártica, quatro anos após a travessia, ainda usei sextante.

A navegação naquela época não era muito diferente da que os portugueses e holandeses faziam nos séculos 16 e 17. Hoje, temos possibilidades incríveis, monitoramos embarcações em tempo real, mas a navegação também mudou por causa do clima. Nas primeiras viagens, fiquei cem dias ao sol durante a travessia e nem levei protetor solar.

Hoje, o cenário é outro.

Não existia direito. A gente passava óleo com cenoura para bronzear. Era pura fritura da pele. Não sei como não peguei câncer de pele. No ano passado, fizemos uma viagem para a Antártica, e o pessoal ficou impressionado. Há dias lindos, maravilhosos de sol, mas se você ficar quarenta minutos no sol, tem que ir para um ambulatório, porque o sol de hoje machuca.

Isso se reflete também nos materiais que usamos, como cabos e cordas de polipropileno, que são muito sensíveis ao UV. Antigamente, duravam cinco, seis anos; hoje, duram uma temporada e viram pó. Vou muito para Ushuaia, nossa última base antes de chegar à Antártica. Estatisticamente, até quinze anos atrás, não havia ventos acima de setenta, oitenta nós. Hoje, ventos acima de cem, cento e dez nós são comuns.

Amyr Klink em foto de 2012 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nesse cenário, e ainda relatando tudo em livros que foram muito bem vendidos, você ganhou no Brasil um status de herói, um ícone nacional. Seus livros também entraram na vida das pessoas. Como é para você lidar com essa questão?

Acho que muito pouca gente me conhece no Brasil, mas, por exemplo, na França, especialmente na Bretanha, sou muito conhecido. Isso porque a maioria dos navegadores que encontro são franceses. 80% da minha biblioteca de viagens é composta por livros em francês, e construímos muitos barcos no Brasil com projetos franceses.

Eles têm esse trauma de a língua francesa não ser mais universal, se recusam a falar inglês, mas sabem que há um cara no Brasil que faz viagens inspiradas neles. Então, não sou assediado na rua, mas, quando sou, isso não me incomoda. Vejo isso como uma demonstração de carinho e apreço.

Não sou muito ativo nas redes sociais, mas percebo, no caso da Tamara, por exemplo, o quanto as pessoas interagem com ela no Instagram. Antigamente, quando voltava de uma viagem, tinha histórias para contar o ano todo. Hoje, todo mundo já acompanhou tudo online, então chego às reuniões com amigos sem nada novo para contar.

Filipe Bragança e Amyr Klink - o ator dará vida ao navegante em cinebiografia dirigida por Carlos Saldanha. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

E sobre o filme que será feito sobre sua travessia, como surgiu a proposta? Foi algo que você sempre desejou?

Nunca foi algo que desejei ativamente, mas escrevi cerca de dez livros. O que mais faz sucesso até hoje é Cem Dias Entre Céu E Mar. Gosto muito de escrever e revisar textos, e acho que fui feliz ao escrever esse livro, pois era uma história difícil de contar.

Às vezes, uma grande aventura resulta em um livro medíocre, mas acho que consegui transmitir bem a história. A ideia de transformar o livro em filme começou com minha esposa, Marina. Ela conheceu o pessoal da [produtora] Conspiração Filmes, no Rio de Janeiro, e eles se encantaram. Vendi os direitos autorais, e o Breno Silveira se ofereceu para dirigir.

Ele contratou cinco roteiristas diferentes ao longo dos anos, mas não gostou de nenhum roteiro. Então, acabei me desligando do projeto. No final, surgiu a proposta do Carlos Saldanha, e as coisas avançaram. Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada.

Recentemente, li um artigo de um autor que dizia que a adaptação de um livro para o cinema é uma nova obra, e ele não se envolvia nesse processo. Estou impressionado com o nível de detalhamento que a equipe de produção está verificando, desde a cor da âncora até a marca da roupa de borracha que usei.

Gostou da escolha do Carlos Saldanha para dirigir o filme?

Gostei, sim. Já conhecia parte do trabalho dele, especialmente Rio, que é uma animação impressionante. Gosto da maneira simples e interessada com que ele assumiu essa responsabilidade. Não tenho ideia dos números envolvidos, mas sei que é um trabalho complicado. Acompanhei a produção de vários filmes em Paraty ao longo dos anos e sei o quanto é difícil transpor uma boa história para a tela.

Carlos Saldanha está produzindo vida sobre a vida de Amir Klink. Navegador e escritor será interpretado por Filipe Bragança. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

O que pode faltar em um filme sobre sua história?

O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso. No começo, havia crises financeiras, de ignorância, burocráticas. Tudo dava errado. Eu tive um acidente e precisei reimplantar a mão direita.

O barco foi apreendido pelas autoridades da África do Sul, e meu dinheiro acabou no meio da viagem. Finalmente, a travessia em si foi quase um prêmio. Claro, estava apavorado porque o mar era muito duro, mas a viagem foi uma espécie de alívio. O final foi bacana.

Minha travessia terminou de forma poética, sem GPS, sem ninguém me esperando, sem multidão. Cheguei em paz, e o único que apareceu foi um pescador que me ofereceu duas sardinhas, toda a comida que tinha na casa dele. Achei aquilo um gesto gigante.

O que você está planejando para o restante do ano e talvez para 2025?

Estamos pensando em fazer essa viagem para a Groenlândia, que será relativamente longa. Depois, vou levar um grupo de brasileiros para a Islândia em outubro, pela terceira ou quarta vez. Fiquei apaixonado por lá. Por fim, estamos desenvolvendo uma série sobre comunidades flutuantes ao redor do mundo para o Globoplay. Sinto que isso é algo revolucionário e precisamos mostrar às pessoas.

Amyr Klink ligou sua câmera para conversar com a reportagem do Estadão diretamente de seu escritório, na cidade de Paraty. Ao fundo, remos, livros e um aspecto de casa de barcos. Uma composição visual que não poderia ser mais coerente com a trajetória do escritor e navegante brasileiro: ele fez história ao atravessar o Atlântico em um pequeno barco a remo e, depois, imortalizou essa sua jornada no livro Cem Dias Entre Céu e Mar.

Agora, essa história vai ganhar outra camada e outra interpretação: Carlos Saldanha (Rio, O Touro Ferdinando) está dirigindo um filme, atualmente em produção, que irá contar os detalhes dessa travessia. Amyr será vivido por Filipe Bragança, que acabou de interpretar Sidney Magal em Meu Sangue Ferve por Você. A ideia é recriar com detalhes como foi esse desafio – e mostrar, para quem ainda não conhece a história, a dificuldade da tarefa.

Vida e travessia de Amyr Klink vão se tornar filme. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

“O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso”, diz Amyr. Ele revela que não quer se envolver muito com a produção, já que prefere que tenha vida própria – não à toa, ao conversar com a reportagem, revelou que estava prestes a sair em uma longa viagem para a Groenlândia e, depois, emendaria para a Islândia. “Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada”, diz.

A seguir, Amyr fala sobre a expectativa com o filme, reflete sobre passado e fala do que o futuro lhe reserva pelos mares gelados – e sempre desafiadores – à frente de seu barco.

Vida e travessia de Amyr Klink vai se tornar filme Foto: Adriano Vizoni

Amyr, eu queria começar perguntando sobre a sua travessia, que agora vai virar filme. Ela está completando 40 anos. Como é olhar para trás e pensar nessa jornada que você fez? As coisas mudaram?

Amyr Klink: Em primeiro lugar, eu me sinto muito bem. Percebo que estou no lucro, porque nunca imaginei que essa travessia duraria tanto tempo em termos de impacto. Olhando para trás, sinto que tive o privilégio de viver em duas épocas diferentes: a anterior ao GPS e essa atual de hiperconectividade.

Por exemplo, amanhã estamos indo para a Groenlândia para tentar encontrar meu barco, o Paratii 2, que vendi ao governo da Suíça para uma fundação de pesquisa polar. Vamos também tentar encontrar nossa filha, Tamara, que está separada do barco por umas 200 milhas. Ela passou dez meses e meio sozinha, enfrentando o inverno em um micro veleiro, mas não fico preocupado, porque sabemos onde ela está a cada minuto. Uso um aplicativo que permite localizá-la com precisão de metros. É incrível como a tecnologia evoluiu.

Ela terminou a invernagem na semana passada, o barco dela saiu do gelo, e ela conseguiu internet de alta velocidade em uma vila na Groenlândia. Ela tentou desconectar, não queria ser perturbada, mas eu a encontrei usando um aplicativo. Hoje em dia, é como um Big Brother. Achei o barco dela, sei exatamente a velocidade e a direção da proa. Isso é uma grande evolução comparado aos tempos antigos. Na minha primeira vez na Antártica, quatro anos após a travessia, ainda usei sextante.

A navegação naquela época não era muito diferente da que os portugueses e holandeses faziam nos séculos 16 e 17. Hoje, temos possibilidades incríveis, monitoramos embarcações em tempo real, mas a navegação também mudou por causa do clima. Nas primeiras viagens, fiquei cem dias ao sol durante a travessia e nem levei protetor solar.

Hoje, o cenário é outro.

Não existia direito. A gente passava óleo com cenoura para bronzear. Era pura fritura da pele. Não sei como não peguei câncer de pele. No ano passado, fizemos uma viagem para a Antártica, e o pessoal ficou impressionado. Há dias lindos, maravilhosos de sol, mas se você ficar quarenta minutos no sol, tem que ir para um ambulatório, porque o sol de hoje machuca.

Isso se reflete também nos materiais que usamos, como cabos e cordas de polipropileno, que são muito sensíveis ao UV. Antigamente, duravam cinco, seis anos; hoje, duram uma temporada e viram pó. Vou muito para Ushuaia, nossa última base antes de chegar à Antártica. Estatisticamente, até quinze anos atrás, não havia ventos acima de setenta, oitenta nós. Hoje, ventos acima de cem, cento e dez nós são comuns.

Amyr Klink em foto de 2012 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nesse cenário, e ainda relatando tudo em livros que foram muito bem vendidos, você ganhou no Brasil um status de herói, um ícone nacional. Seus livros também entraram na vida das pessoas. Como é para você lidar com essa questão?

Acho que muito pouca gente me conhece no Brasil, mas, por exemplo, na França, especialmente na Bretanha, sou muito conhecido. Isso porque a maioria dos navegadores que encontro são franceses. 80% da minha biblioteca de viagens é composta por livros em francês, e construímos muitos barcos no Brasil com projetos franceses.

Eles têm esse trauma de a língua francesa não ser mais universal, se recusam a falar inglês, mas sabem que há um cara no Brasil que faz viagens inspiradas neles. Então, não sou assediado na rua, mas, quando sou, isso não me incomoda. Vejo isso como uma demonstração de carinho e apreço.

Não sou muito ativo nas redes sociais, mas percebo, no caso da Tamara, por exemplo, o quanto as pessoas interagem com ela no Instagram. Antigamente, quando voltava de uma viagem, tinha histórias para contar o ano todo. Hoje, todo mundo já acompanhou tudo online, então chego às reuniões com amigos sem nada novo para contar.

Filipe Bragança e Amyr Klink - o ator dará vida ao navegante em cinebiografia dirigida por Carlos Saldanha. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

E sobre o filme que será feito sobre sua travessia, como surgiu a proposta? Foi algo que você sempre desejou?

Nunca foi algo que desejei ativamente, mas escrevi cerca de dez livros. O que mais faz sucesso até hoje é Cem Dias Entre Céu E Mar. Gosto muito de escrever e revisar textos, e acho que fui feliz ao escrever esse livro, pois era uma história difícil de contar.

Às vezes, uma grande aventura resulta em um livro medíocre, mas acho que consegui transmitir bem a história. A ideia de transformar o livro em filme começou com minha esposa, Marina. Ela conheceu o pessoal da [produtora] Conspiração Filmes, no Rio de Janeiro, e eles se encantaram. Vendi os direitos autorais, e o Breno Silveira se ofereceu para dirigir.

Ele contratou cinco roteiristas diferentes ao longo dos anos, mas não gostou de nenhum roteiro. Então, acabei me desligando do projeto. No final, surgiu a proposta do Carlos Saldanha, e as coisas avançaram. Estou acompanhando à distância, como uma testemunha não interessada.

Recentemente, li um artigo de um autor que dizia que a adaptação de um livro para o cinema é uma nova obra, e ele não se envolvia nesse processo. Estou impressionado com o nível de detalhamento que a equipe de produção está verificando, desde a cor da âncora até a marca da roupa de borracha que usei.

Gostou da escolha do Carlos Saldanha para dirigir o filme?

Gostei, sim. Já conhecia parte do trabalho dele, especialmente Rio, que é uma animação impressionante. Gosto da maneira simples e interessada com que ele assumiu essa responsabilidade. Não tenho ideia dos números envolvidos, mas sei que é um trabalho complicado. Acompanhei a produção de vários filmes em Paraty ao longo dos anos e sei o quanto é difícil transpor uma boa história para a tela.

Carlos Saldanha está produzindo vida sobre a vida de Amir Klink. Navegador e escritor será interpretado por Filipe Bragança. Foto: Adriano Vizoni/Divulgação

O que pode faltar em um filme sobre sua história?

O cinema gosta muito de conflitos e crises, e acho que minha experiência teve um pouco disso. No começo, havia crises financeiras, de ignorância, burocráticas. Tudo dava errado. Eu tive um acidente e precisei reimplantar a mão direita.

O barco foi apreendido pelas autoridades da África do Sul, e meu dinheiro acabou no meio da viagem. Finalmente, a travessia em si foi quase um prêmio. Claro, estava apavorado porque o mar era muito duro, mas a viagem foi uma espécie de alívio. O final foi bacana.

Minha travessia terminou de forma poética, sem GPS, sem ninguém me esperando, sem multidão. Cheguei em paz, e o único que apareceu foi um pescador que me ofereceu duas sardinhas, toda a comida que tinha na casa dele. Achei aquilo um gesto gigante.

O que você está planejando para o restante do ano e talvez para 2025?

Estamos pensando em fazer essa viagem para a Groenlândia, que será relativamente longa. Depois, vou levar um grupo de brasileiros para a Islândia em outubro, pela terceira ou quarta vez. Fiquei apaixonado por lá. Por fim, estamos desenvolvendo uma série sobre comunidades flutuantes ao redor do mundo para o Globoplay. Sinto que isso é algo revolucionário e precisamos mostrar às pessoas.

Entrevista por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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