Los Angeles - “Com licença”, disse Ariana Grande, chamando um garçom imaginário. “Pode nos trazer 1 milhão de lenços de papel, por favor?”
Estávamos na metade do mês de outubro, um mês propício para as bruxas, e Ariana Grande e Cynthia Erivo tinham se encontrado no Chateau Marmont, em Los Angeles, para falar sobre seu novo filme, Wicked, adaptado do musical da Broadway, que está em cartaz há um bom tempo. Com as emoções à flor da pele para o lançamento em 22 de novembro, as duas choraram várias vezes ao falar sobre o que o filme significa para elas.
No set, as coisas não foram menos emocionantes. “Sempre rolavam umas lágrimas”, disse Erivo ao contar sobre a filmagem de uma sequência de dança com sua colega. “Eu não precisava nem me esforçar, elas sempre caíam.”
“E eu as pegava”, acrescentou Grande.
Wicked funciona como um prequel revisionista de O Mágico de Oz, com o filme do diretor Jon M. Chu seguindo a Elphaba de pele verde (Erivo) muito antes de ela se tornar a Bruxa Má do Oeste. Quando jovem na Universidade de Shiz, Elphaba é obrigada a morar com Glinda (Grande) uma rival-amiga que planeja fazer uma transformação total na colega de quarto durante o efervescente número musical Popular.
Mas, à medida que Elphaba aprende os segredos obscuros que sustentam a Cidade Esmeralda de Oz, a jovem bruxa desiludida finalmente ganha poder e canta Defying Gravity – que, no palco, vem para fechar a cortina do primeiro ato. Na tela, a música serve como o clímax do filme de duas horas e meia: o restante da história está guardado para Wicked: Parte Dois, filmado junto com a primeira parte e com lançamento previsto para novembro do ano que vem.
Embora a produção seja extremamente pomposa, era importante para Erivo – vencedora do Tony de 2016 por A Cor Púrpura e indicada ao Oscar de 2020 por Harriet – apresentar uma performance íntima e grandiosa como Elphaba. “Eu não tinha a intenção de ficar só escondida atrás da pele verde”, disse ela. “Queria que as pessoas vissem a vida interior da personagem.”
Mais conhecida por sua carreira na música pop, Grande estava igualmente determinada a quebrar as expectativas, desfazendo-se do rabo de cavalo alto, sua marca registrada, e mudando o tom de voz para se entregar totalmente à efervescência de sua personagem. “Foi muito importante apagar o máximo possível de mim mesma para que ficasse só a Glinda”, disse ela.
As duas têm 1,55 m de altura e são grandes potências vocais – Grande brincou dizendo que, quando foram apresentadas pela primeira vez, “ficamos chocadas por termos finalmente conhecido alguém do mesmo tamanho” – e o vínculo que elas formaram nas filmagens ficou mais evidente durante nossa entrevista. Elas ficavam emocionadas só de olhar uma para a outra e, quando falaram sobre a finalização do filme, as duas começaram a chorar mais uma vez.
“Não consigo nem lidar com isso”, disse Erivo, rindo.
Constrangida, Grande começou a se arrastar para baixo da mesa. “Estou indo embora!”, disse ela.
Aqui vão trechos editados de nossa conversa.
Quando cada uma de vocês soube que a outra tinha sido escolhida, qual foi sua reação?
Cynthia Erivo: Absolutamente nenhuma surpresa.
Ariana Grande: Eu disse: “Graças a Deus”.
Erivo: Graças a Deus, porque não eram as duas moças com quem eu fiz o teste de elenco.
Grande: Oh, meu Deus!
Cynthia, você disse que achava que não seria chamada para esse filme. Por que não?
Erivo: Historicamente, as mulheres negras nunca foram consideradas para esse papel. Se foram, não conseguiram e, se conseguiram, geralmente foram só como suplentes. Só conheço uma mulher que fez o papel no West End. Então não achei que estivessem pensando em mim.
Por que você acha que tão poucas mulheres negras foram escolhidas para o papel?
Erivo: Não sei. Talvez seja um sintoma da época em que o musical foi feito.
Ariana, você sonhava que sua carreira poderia se cruzar com Wicked de algum jeito?
Grande: Com certeza, pensei nisso aos 10 anos de idade. Comecei na Broadway e sou muito grata pela maneira como minha carreira deu uma guinada e o pop virou minha principal atividade, mas também acho que minha alma sente muita falta do teatro musical e da comédia. Por isso, assim que ouvi rumores de que a história poderia virar filme, tudo o que eu queria era uma chance de fazer o teste.
Algumas pessoas da minha equipe na época diziam: “Você não deveria nem ter que fazer o teste”, e eu dizia: “Vocês não entendem, é claro que tenho que fazer. É uma coisa que precisa ser conquistada”. Tenho muito a provar, e me dediquei a isso de todas as formas possíveis.
Quando estavam fazendo o teste para o filme, vocês sabiam que ele seria dividido em duas partes?
Erivo: Não, só descobri bem mais tarde.
Grande: Foi uma surpresa, mas fiquei animada. Nós realmente teremos a chance de fundamentar e humanizar essas personagens de uma nova maneira.
Até que ponto Wicked virou sua vida quando vocês começaram a filmar em 2022?
Grande: Pessoalmente, eu fiquei bem focada quando estava no set.
Erivo: Fui repreendida pelo meu melhor amigo. Estávamos filmando em Londres e ele disse: “Ainda não vi você. Você está aqui há seis meses!” Era realmente uma coisa assim: “Cabeça baixa, vamos trabalhar”.
Grande: Foram poucos momentos em que ela não estivesse pintada de verde, que minhas tatuagens não estivessem cobertas, que não estivéssemos de espartilho e fantasia.
Erivo: E, quando tivemos um tempo, ficamos doentes. Teve uma vez em que peguei covid, outra vez em que você pegou covid.
Grande: Ficamos doentes só uma vez cada, mas as duas vezes foram antes de alguns dos trabalhos mais importantes do filme todo – a minha foi na semana anterior a Popular. Eu vim de máscara para o set nos meus últimos dias de recuperação, e ninguém gostou dessa piada, mas eu adorei, então vou contar: Estávamos no dormitório juntas e eu cantei no ouvido dela: “Positivo, você vai dar positivo!” Mas eu não estava mais positiva, não se preocupe! Eu tinha feito o teste.
Erivo: Peguei covid na semana anterior à filmagem de Defying Gravity. Foi literalmente assim: “Sente aí, Cynthia, ainda não”.
Suas personagens dividem o quarto no filme. Como foi a proximidade entre vocês durante a produção?
Grande: Oh, Deus, foi demais. Não só porque estávamos na maioria das mesmas cenas, mas também entre elas, eu estava sempre na sua casa e você estava na minha.
Erivo: Fizemos muitas tatuagens juntas.
Grande: Sim. Fomos às compras, demos uma volta no Heath
Erivo: Foi um dia lindo.
Grande: E nós duas com sapatos que não eram muito bons para caminhar.
Erivo: Os piores de todos os tempos. Onde a gente estava com a cabeça?
Grande: Mas acho que foi uma das minhas partes mais queridas dessa experiência: eu me senti amparada e como se tivesse uma amiga a cada passo do caminho. Fiquei muito orgulhosa de nós pelo jeito genuíno com que cuidamos uma da outra durante todo esse tempo.
Erivo: Fico feliz que tenhamos sido nós duas.
O que cada uma aprendeu com a outra?
Grande: Eu me sinto realmente inspirada por sua capacidade feroz de ser verdadeira e se proteger. Só de estar perto dela, eu fiquei mais aliada de mim mesma, sendo que eu me abandonava muito, e eu realmente devo isso à nossa amizade. (Lágrimas) Uau, eu literalmente prometi a mim mesma no carro que não faria isso. Ao passar esse tempo com ela e também com uma personagem que acredita em si mesma, sinto que consegui curar certas partes de mim que precisavam muito de uma amiga como Cynthia e uma amiga como Glinda.
No passado, você sentia que era alguém que estava sempre tentando agradar as pessoas?
Grande: Ah, sim, com certeza. Alguém me dava um soco na cara e eu dizia: “Desculpe”. Estou brincando, mas, sim, eu tinha dificuldade de ouvir as vozes que eu sabia que eram verdadeiras por medo de ser julgada. E acho que é uma coisa muito bonita de se superar.
Erivo: Não sei se ela sabe, mas ela definitivamente mudou minha vida. Acho que foi uma das primeiras vezes que uma pessoa olhou para mim e ficou feliz com o que estava ali. Eu falava sobre o que eu queria para mim como artista e ela simplesmente acreditava em mim, acho que mais do que eu. Acho que foi só depois de conhecê-la que pensei: “Acho que posso ter o que quero nesta vida e posso ter do meu jeito”.
Ela me ensinou a lidar com essa fera maluca que é o sucesso, porque eu já tive um pouco de sucesso, mas isso aqui é uma coisa nova para mim. Ela realmente segurou minha mão durante todo o processo e quer isso para mim tanto quanto eu quero para mim mesma.
A greve dos atores no ano passado interrompeu a produção por vários meses. Depois de uma produção tão intensa, como foi ter esse tempo livre?
Erivo: No começo, parecia uma interrupção e, depois, com o passar do tempo, parecia o descanso de que precisávamos. Estávamos trabalhando demais. Fiquei muito grata porque a próxima coisa que tínhamos que fazer (até a greve acontecer) era Defying Gravity, e parecia que o universo estava dizendo: “Você precisa de toda a sua força para fazer isso”. Já tínhamos feito muita coisa, mas essa precisava de tudo.
Grande: Mas foi engraçado, porque não importava quanto tempo passasse, no momento em que voltávamos a vestir aquelas roupas, as personagens estavam ali com a gente. Acho que elas nunca nos abandonaram, na verdade. Embora estivéssemos tecnicamente descansando, não estávamos prontas para nos libertar totalmente porque sabíamos o quanto ainda havia pela frente.
Ariana, você usa seu nome completo no filme, Ariana Grande-Butera.
Grande: Sim.
Por que você quis ser listada nos créditos desse jeito?
Grande: (Lágrimas) Oh, meu Deus, acabei de parar de chorar. Bem, sinto que realmente voltei para casa, de várias maneiras, durante as filmagens desse filme, e foi um gesto bonito retratar isso nos créditos usando meu nome completo. Era o nome da garotinha que assistiu a Wicked vinte anos atrás, e sinto que, de várias maneiras, peguei a mão dela e disse “Vamos nessa”.
Quando vocês finalmente terminaram de interpretar essas personagens, qual foi a sensação?
Erivo: Fiquei arrasada.
Grande: O dia inteiro foi um pesadelo. Choramos o tempo todo. Nós duas ficamos péssimas por alguns dias.
Erivo: Sim, foi muito difícil deixar as duas ir embora.
Grande: Acho que nunca deixamos de verdade. Acho que nós duas precisávamos delas da mesma forma que elas precisavam uma da outra.
Erivo: Eu ainda a amo ferozmente.
Grande: Eu também. Trouxemos nossos espartilhos, nossos sapatos e nossas varinhas para casa. Ainda tenho todas as minhas perucas.
Erivo: Personagens como essas não aparecem com muita frequência. Então é um verdadeiro privilégio poder interpretar essas mulheres, porque elas são muito mais do que apenas iconografia. Você pode ajudar as pessoas a entender...
Grande: A humanidade.
Erivo: Isso mesmo. E a mágoa, o amor e a dor. E as áreas cinzentas que todo mundo tem.
Grande: Especialmente na cultura atual, em que há um constante apagamento das nuances, da humanidade e dos sentimentos, é muito importante ter essas personagens e essa história para lembrar às pessoas que é possível mudar. Podemos escolher o bem e podemos errar.
Erivo: Temos espaços para todas essas coisas, e tudo bem. Não precisamos ser todos iguais, mas, ainda assim, podemos entender uns aos outros em nossas diferenças, e é isso que essas mulheres querem fazer.
Vocês vêm trabalhando nesse filme há anos e agora ele finalmente está sendo lançado. Qual é a sensação?
Erivo: Muito louca. Foi uma longa jornada.
Grande: Você disse que iria passar voando.
Erivo: De certa forma, sim. O tempo passa, não é?
Grande: Um pouco rápido demais. Estávamos na sala do Mago dois anos atrás e eu disse: “Estou muito grata por termos tanto tempo pela frente uma com a outra”. E ela disse: “Vai passar num piscar de olhos”. E eu disse: “Não, não. Não diga isso”.
Vocês ainda têm um segundo filme a caminho, pelo menos.
Erivo: Temos, e vai passar rápido também.
Daqui a algumas décadas, se as pessoas considerarem que Elphaba e Glinda foram os maiores papéis de suas carreiras, como vocês vão reagir?
Grande: Muito feliz, de braços abertos. Oh, meu Deus!
Erivo: Que coisa linda.
Grande: (Chorando) Por que você fez isso conosco?
Erivo: É muito legal. E não quero ficar falando sobre isso, mas é uma coisa gigante: a tradição de Oz era muito fechada para as meninas que se pareciam comigo, e agora sou a Bruxa Má do Oeste. Acho que as portas estão bem abertas agora, o que é maravilhoso.
Este artigo foi publicado originalmente no New York Times./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU