Indicado a melhor documentário no Oscar 2024, As 4 Filhas de Olfa é um filme bem diferente do que você encontra na categoria. Afinal, o longa-metragem – que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 7 de março – não está preocupado em ser um documentário formal, como estamos acostumados. Aqui, a diretora Kaouther Ben Hania (do premiado O Homem que Vendeu Sua Pele) mistura ficção e registros documentais em um só filme.
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Tudo isso para fazer um retrato íntimo e comovente de uma mãe devastada pelo desaparecimento de suas filhas, de apenas 15 e 16 anos, que se juntam ao grupo terrorista ISIS (o Estado Islâmico) – e, depois, são presas. Nós, espectadores, somos confrontados com contradições, ambiguidades e problemáticas da experiência materna. Olfa é retratada com toda sua humanidade, com falhas e qualidades, enquanto luta para lidar com a dor da perda e culpa.
“É um filme especial na forma e no conteúdo, entre documentário e ficção”, diz a atriz Ichraq Matar, intérprete de Ghofrane, uma das filhas de Olfa, ao Estadão. “É um filme que fala sobre muitos temas. Sobre maternidade, a relação entre uma mãe e suas filhas, sobre adolescência, violência, radicalização, liberdade, amor, desejo, sobre o impacto da situação política na situação social e nas famílias. Fala também sobre o trabalho dos atores”.
Um processo terapêutico
Matar, que já trabalhou anteriormente com Ben Hania e que descobriu sua paixão pelo trabalho no cinema com O Homem que Vendeu Sua Pele, conta que esta foi sua primeira experiência interpretando uma personagem real, que existe de verdade. Isso, para ela, foi o ponto de maior desafio na produção – além das trocas intensas com a família de Ghofrane.
“É um personagem real. Ela está viva. Ela está em outro lugar. Ela está na prisão e eu tive que ser fiel para retratar o personagem exatamente como ela é”, diz. “Então, foi um pouco difícil emocionalmente. Mas foi engraçado ao mesmo tempo. Afinal, como você vê no filme, todas as filhas dela são muito engraçadas, elas têm uma ótima maneira de falar sobre seu trauma. Eu acho que é um mecanismo de enfrentamento com o trauma que elas vivem”.
A atriz conta que, no set, a sensação era de que todos ali eram uma família nessa espécie de psicodrama – estudo da psicologia que faz com que as pessoas interpretem situações. “Conversamos sobre muitas coisas sem julgamento. Era um espaço seguro”, diz. “Há tentativas de entender o ser humano, as contradições, os motivos dos personagens sem julgamento. Então conversamos muito. Choramos muito. Agora há um vínculo entre nós”.
Para além dessa história
O ponto nevrálgico de As 4 Filhas de Olfa, que o torna o indicado mais interessante dentre os cinco celebrados no Oscar, é a capacidade que tem de ir além dos estereótipos do terrorismo e dessa obsessão. Como Matar ressaltou, o longa-metragem não tenta apenas falar sobre o que a filiação ao ISIS causou no seio familiar, mas trazer temas mais densos.
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É sobre a história da Tunísia, sobre o povo tunisiano, mas vai além. “Esses problemas, os problemas do patriarcado, a relação das mulheres com seus corpos, o trauma geracional, a transmissão do trauma de geração em geração, são temas universais”, diz Matar.
“É importante falar sobre isso na Tunísia e também em outros países, sem julgar. Afinal, a história de Olfa é conhecida pela mídia tunisiana, mas ninguém discutiu o assunto. Ninguém tentou entender por que essas jovens filhas foram para um grupo terrorista. Ninguém tentou entender o que as levou a este ponto. É importante discutir essas questões e fazer as perguntas reais e perguntas profundas e entender a história da família e dessas filhas”, completa.