Isabelle Huppert está duplamente no Oscar 2023. Prestes a completar 70 anos (no dia 16 de março), a diva francesa integra o elenco de Sra. Harris Vai a Paris (forte concorrente à estatueta de Melhor Figurino) e brilha numa pontinha em EO, do polonês Jerzy Skolimowski, na disputa pelo prêmio de Melhor Filme Internacional.
Isabelle está na web também, mas só até dia 13 de fevereiro - ela é o destaque da retrospectiva online My French Film Festival, à frente de À Propos de Joan, drama afetivo aplaudido na Berlinale de 2021. E tem ainda Huppert no circuito exibidor, mas só o de seu país natal, onde aparece como coadjuvante na produção italiana L’Ombra di Caravaggio (A Sombra de Caravaggio).
No dia 8 de março, a atriz começará a arrastar seus conterrâneos às salas de projeção da França, desta vez para conferir seus dotes irônicos em Mon Crime, o novo longa-metragem de outro artista hoje quase tão incansável quanto ela: o diretor François Ozon. Os dois fizeram juntos o popular Oito Mulheres (2002) e voltam a unir talentos no que promete ser um novo blockbuster para o Velho Mundo.
“O que me leva a seguir adiante nas telas, mesmo depois de tudo o que já fiz, são ideias cheias de frescor que recebo dos cineastas responsáveis por manter viva a tradição da autoralidade no audiovisual, como Ozon. Não falo deles com reverência de estudante. Um diretor ou uma diretora não é alguém que vai me ensinar algo. É alguém que vai me abrir a porta de um novo mundo, com uma perspectiva distinta para a arte”, disse ela ao Estadão, em um encontro em Paris, em janeiro, durante o 25.º Rendez-vous Avec Le Cinéma Français (25.º Encontro com o Cinema Francês).
Vida e cinema
A atriz leva adiante o seu raciocínio: “Mesmo parceiros muito queridos do meu passado, como Michael Haneke ou Claude Chabrol, que me deu papéis essenciais à minha vida, não me abordavam com um ar professoral. Chabrol era um amigo, no caso. O que me fascinava era a ideia que ele fazia da vida a partir do cinema”, ressalta.
Sua abertura ficou a cargo de Ozon: Mon Crime é uma adaptação da peça homônima de Georges Berr (1867-1942) e Louis Verneuil (1893-1952), cheia de humor rascante, apesar do tom de policial noir, no qual Isabelle contracena com um elenco estelar. Tem André Dussollier, Fabrice Luchini e Dany Boon (o diretor e astro do arrasa-quarteirão A Riviera Não É Aqui), que vendeu 20 milhões de ingressos só na França, em 2018. Huppert e todos esses astros orbitam como satélites na história de Madeleine Verdier (Nadia Tereszkiewicz), uma atriz pobretona acusada de matar um produtor, mas salva, nos tribunais, sob a alegação de legítima defesa. Há algo de suspeito na alegação. E há algo mais suspeito ainda na personagem de Isabelle.
“Há um texto de Simone de Beauvoir do qual gosto muito, que se chama Por Uma Moral Da Ambiguidade, no qual ela nos alerta para o limite entre hipóteses e verdades. É esse o tipo de dicotomia que a arte nos dá, libertando nossa percepção - sobretudo quando vem de um diretor como Ozon, que enxerga o mundo além do maniqueísmo”, observa a atriz, indicada para o Oscar, em 2017, por Elle, o polêmico filme de Paul Verhoeven. “Paul é um diretor magistral que me oferecia muita coisa no set. Existem cineastas que têm uma abordagem muito singular e rica. Skolimowski é assim. Ele também é ator. Sabe o que é o meu ofício. Aceitei o trabalho em EO pela nossa amizade, mesmo sendo um papel pequeno, e foi ótimo estar com ele de novo. Tentamos fazer um projeto com a Susan Sarandon, faz já um tempo, mas não aconteceu”.
No Brasil
Além de Mon Crime, Isabelle vai agitar o circuito francês (e o brasileiro) com o thriller La Syndicaliste, de Jean-Paul Salomé, em que aparece com um visual aloirado mais acentuado do que seu tom normal. Aplaudido no último Festival de Veneza, em setembro, o longa-metragem é baseado na luta real de uma líder sindical ligada à indústria nuclear na Europa, confrontada por escândalos de poder. A estreia na França está agendada para o 1.º de março. Salomé, seu realizador, filmou com ela A Dona do Barato (2020), que foi um dos longas franceses de maior sucesso no Brasil durante a pandemia, pelas contas da Unifrance, órgão oficial da Cultura na Europa responsável por quantificar bilheterias.
“É bom ter um retorno assim e saber que o Brasil tem carinho por mim e pelos filmes que a gente tenta fazer do nosso modo, por aqui”, disse Isabelle. “Gostei do trabalho de Salomé em A Dona do Barato, com a dose certa de humor e humanismo, o que me fez estar de novo com ele num filme que vai além da questão política para abrir reflexões sobre o peso do rumor, da boataria e das fake news numa sociedade como a nossa. O aspecto importante nessa troca com ela é a chance de poder construir uma mulher forte, em luta contra o sistema, e, assim, discutir a necessidade urgente do empoderamento feminino”.