‘Bacurau’, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, reflete o País como um espelho


Filme tem elementos de ficção científica - a história passa-se daqui a alguns anos, revelando um Brasil distópico

Por Luiz Carlos Merten
Sonia Braga e Udo Kier como Domingas e Michael em cena de 'Bacurau' Foto: Victor Juca

Em 1968, um ano emblemático, o cineasta alemão Peter Fleischmann realizou um filme premonitório sobre o racismo na Europa - Cenas de Caça na Baixa Baviera. Quem conhece aquele clássico do novo cinema alemão dificilmente deixa de fazer a associação. Bacurau, ou as cenas de caça no Brasil. Embora a lista de inscritos para concorrer à indicação pelo Brasil a uma vaga no Oscar comportasse 12 títulos, houve desde logo uma polarização entre dois - Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, o primeiro com o prêmio especial do júri, e o segundo escolhido como melhor na mostra Un Certain Regard.

Na terça, 27, a comissão formada pela Academia Brasileira de Cinema escolheu o longa de Aïnouz como o candidato do Brasil a uma vaga no prêmio de melhor filme internacional da Academia de Hollywood. Bacurau chega antes aos cinemas. Estreia nesta quinta, 29. Será o maior lançamento da história da distribuidora Vitrine, que também vai lançar A Vida Invisível, mas essa é outra história. Bacurau sai em 200 salas.

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Qualquer que fosse o representante brasileiro - dos dois -, o País estaria bem representado. Não se repetiu a politicalha que impediu que Aquarius, também de Kleber, fosse indicado há três anos. Na semana passada, a equipe esteve na cidade para o que se chama de ‘junket’. Diretores e elenco deram entrevistas para promover o lançamento. Sônia Braga dedicou sua interpretação a Marielle Franco, a vereadora que foi assassinada no Rio, em 2018. Kleber revelou que há dez anos iniciou a gestação do filme. Depois de Aquarius, e com a cumplicidade de Juliano Dornelles - diretor de arte e amigo do peito, colaborador em quase tudo o que fez antes -, colocou o foco em Bacurau.

Cena do filme 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Foto: Victor Jucá

Como um filme gestado ao longo de uma década pode ser o espelho do Brasil atual?

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Karine Teles, atriz - e grande vencedora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro deste ano, por Benzinho - arrisca uma interpretação. Essa atualidade tão veemente - visceral - de Bacurau está no olhar de quem vê. A cidade que sumiu do mapa e está sob ataque de um bando de gringos, a população que pega em armas para defender seu território, as cenas de caça, tudo compõe o receituário de um western ideológico, mas dizer que é uma obra de revanche contra a perseguição a Aquarius? Kleber não lança gasolina no fogo. “Não vou dizer como as pessoas têm de ver o Bacurau. Desde que era crítico, sempre me recusei a entregar uma fórmula. Como crítico antes, como cineasta, hoje, meu papel sempre foi instigar.”

Mais até do que Kleber, Juliano Dornelles é apaixonado pelo cinema de gênero. Bacurau tem elementos de ficção científica - a história passa-se daqui a alguns anos, revelando um Brasil distópico. Tem até terror. Kleber e Juliano, Juliano e Kleber, J&K, reabrem a vertente do western ideológico de Glauber (Rocha), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. É curioso, mas Quentin Tarantino, em Era Uma Vez... em Hollywood, revisita o spaghetti western e Noite Mágica, de Paolo Virzì, também questiona a autoria dos faroestes macarrônicos, por meio daquelas discussões de roteiros, e roteiristas. Kleber reconhece em seu filme a sujeira do spaghetti western, mas diz que a limpou ao filmar com a lente Panavision. Embora antiamericano - os matadores numa teoria da conspiração, a serviço de políticos corruptos -, o filme está impregnado pelo espírito da Nova Hollywood, da qual os diretores são admiradores, e dos mais apaixonados.

Na trama de Bacurau, Teresa/Bárbara Colen, um assombro de beleza e talento, vem enterrar a avó e encontra a cidade sitiada. Logo vai começar o ataque. A igreja virou depósito, o museu e a escola viraram sedes de resistência. “A gente não acorda um dia e diz que o roteiro vai ter essas simbologias. A gente escreve e tudo vai se desenvolvendo com naturalidade”, diz Kleber. “Acho fantástico quando as pessoas veem o museu e a escola como esteios da comunidade. Os forasteiros que chegam se recusam a visitar o museu. Talvez devessem ter aceitado. Uma coisa que é muito clara para mim, para o Juliano, para a equipe toda, é que a cultura merece, mais que isso, exige respeito.”

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As (violentas) cenas de caça mostram os invasores - os gringos, liderados pelo alemão Udo Kier, que se considera mais americano que eles - usando tecnologia de ponta. Armamentos, drones (em formato de disco voador). Sônia Braga faz a médica, Domingas. O sertão não vira mar - vira sangue. “A violência está no centro de tudo, mas não é o objetivo. Bacurau é sobre o que ocorre quando há radicalização”, reflete Kleber.

Sônia Braga interpreta Domingas no filme 'Bacurau' Foto: Victor Jucá

‘Personagem é parte de uma trama coletiva’, diz Sônia Braga

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Sônia Braga não quis saber de entrevista individual, só com a TV. Dedicou, de pé, alguns minutos ao repórter. Faz a médica, personagem que, quando não está bêbada, é um amor de pessoa (a definição está no diálogo do filme). Sônia segue gloriosa, icônica.

Mesmo ausente, você foi a rainha na noite de premiação do Cinema Brasileiro. Todas aquelas cenas, aquelas canções...

Vi pelo WhatsApp, todo mundo compartilhava comigo. As cenas de Dona Flor, A Dama do Lotação, Eu Te Amo. Todas aquelas canções que me acompanhavam na tela. Não adianta ter inveja. Fico pensando só se virão novas canções.

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Como surgiu a sua médica?

Preciso antes entender a personagem, de onde ela brota. Domingas só tomou forma quando criei uma voz para ela. Foi muito mais simples de fazer porque a vejo dentro de uma história que é coletiva. Quero dizer também que dediquei essa personagem a Marielle (Franco) e que também quero saber quem matou Marielle.

Cena do filme 'Bacurau', com Sônia Braga Foto: Victor Jucá
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Análise:  Resistir é preciso, numa ficção densa e apaixonante

Há algo muito forte, que explode em forma de violência, em Bacurau. Os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles reabrem a vertente do western ideológico, à Glauber Rocha. O sertão vira sangue, mas Bacurau não é um panfleto que usa códigos de gênero para eletrizar a plateia. É um filme de personagens, forte em colorido - e erotismo. O céu impressiona - borrascoso. Algumas daquelas cenas, acredite - os diretores confirmam -, são efeitos especiais para tornar o colorido mais dramático. E o erotismo - está presente desde sempre na obra de Kleber.

Seu parceiro busca na Guerra do Vietnã, na resistência dos vietcongues ao imperialismo dos Estados Unidos, uma das matrizes de Bacurau. Kleber recua um pouco mais. Cita o Gueto de Varsóvia e os judeus que se sublevaram contra o nazismo, na luta pela sobrevivência. É o que faz a população de Bacurau. O filme já se abre sob o signo da morte - um acidente de estrada, caixões despejados pelo caminho. Bacurau fica no sertão, mas, ops!, de repente a cidade sumiu do mapa. E começa a caçada. A conspiração que une os gringos, liderados por Udo Kier, a um político local desencadeia implacável destruição. Mortes contam pontos. A população reage. Teresa, que acaba de chegar para enterrar a avó, Domingas, a médica sem papas na língua, Pacote, o gatilho do sertão, Lunga, o trânsfuga readmitido na comunidade. Unidos na luta pela sobrevivência. Para reintegrar Bacurau ao mapa.

Todos esses personagens são muito bem desenhados - e interpretados. Bárbara Colen, Sônia Braga, Thomás Aquino, Silvero Pereira. E os forasteiros - Karine Teles, naquela moto. Sua personagem, que vem do Sudeste, acha que é branca, mas é tratada pelos gringos com o mesmo desdém que dedicam aos demais habitantes de Bacurau. São todos ‘latinos’. São estranhas as coincidências da arte. O filme que começou a ser gestado há dez anos ganhou forma na era Temer, que provocou o protesto da equipe de Aquarius na escadaria de Cannes, e chega aos cinemas como um espelho a refletir o Brasil atual. 

Cenas de uma caçada brutal. Tudo muito direto, a agressão como a reação. Na ficção de Bacurau, o povo não aguenta mais tanto sofrimento, e reage. Pegas em armas. Contra a tecnologia de ponta dos agressores, as armas são peças de museu.

Bacurau, que dá título ao filme, é um pássaro noturno do sertão. Enxerga à noite. A metáfora não poderia ser mais clara. Como cinema, o filme convida o público a viajar nos códigos de gênero. A trilha vira uma personagem à parte. De Gal, embalando a ficção científica inicial, ao chamado ideológico de Geraldo Vandré. No final, um letreiro informa. Além de defender a identidade nacional, Bacurau gerou 800 empregos. Tudo, realmente, muito direto.

Sonia Braga e Udo Kier como Domingas e Michael em cena de 'Bacurau' Foto: Victor Juca

Em 1968, um ano emblemático, o cineasta alemão Peter Fleischmann realizou um filme premonitório sobre o racismo na Europa - Cenas de Caça na Baixa Baviera. Quem conhece aquele clássico do novo cinema alemão dificilmente deixa de fazer a associação. Bacurau, ou as cenas de caça no Brasil. Embora a lista de inscritos para concorrer à indicação pelo Brasil a uma vaga no Oscar comportasse 12 títulos, houve desde logo uma polarização entre dois - Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, o primeiro com o prêmio especial do júri, e o segundo escolhido como melhor na mostra Un Certain Regard.

Na terça, 27, a comissão formada pela Academia Brasileira de Cinema escolheu o longa de Aïnouz como o candidato do Brasil a uma vaga no prêmio de melhor filme internacional da Academia de Hollywood. Bacurau chega antes aos cinemas. Estreia nesta quinta, 29. Será o maior lançamento da história da distribuidora Vitrine, que também vai lançar A Vida Invisível, mas essa é outra história. Bacurau sai em 200 salas.

Qualquer que fosse o representante brasileiro - dos dois -, o País estaria bem representado. Não se repetiu a politicalha que impediu que Aquarius, também de Kleber, fosse indicado há três anos. Na semana passada, a equipe esteve na cidade para o que se chama de ‘junket’. Diretores e elenco deram entrevistas para promover o lançamento. Sônia Braga dedicou sua interpretação a Marielle Franco, a vereadora que foi assassinada no Rio, em 2018. Kleber revelou que há dez anos iniciou a gestação do filme. Depois de Aquarius, e com a cumplicidade de Juliano Dornelles - diretor de arte e amigo do peito, colaborador em quase tudo o que fez antes -, colocou o foco em Bacurau.

Cena do filme 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Foto: Victor Jucá

Como um filme gestado ao longo de uma década pode ser o espelho do Brasil atual?

Karine Teles, atriz - e grande vencedora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro deste ano, por Benzinho - arrisca uma interpretação. Essa atualidade tão veemente - visceral - de Bacurau está no olhar de quem vê. A cidade que sumiu do mapa e está sob ataque de um bando de gringos, a população que pega em armas para defender seu território, as cenas de caça, tudo compõe o receituário de um western ideológico, mas dizer que é uma obra de revanche contra a perseguição a Aquarius? Kleber não lança gasolina no fogo. “Não vou dizer como as pessoas têm de ver o Bacurau. Desde que era crítico, sempre me recusei a entregar uma fórmula. Como crítico antes, como cineasta, hoje, meu papel sempre foi instigar.”

Mais até do que Kleber, Juliano Dornelles é apaixonado pelo cinema de gênero. Bacurau tem elementos de ficção científica - a história passa-se daqui a alguns anos, revelando um Brasil distópico. Tem até terror. Kleber e Juliano, Juliano e Kleber, J&K, reabrem a vertente do western ideológico de Glauber (Rocha), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. É curioso, mas Quentin Tarantino, em Era Uma Vez... em Hollywood, revisita o spaghetti western e Noite Mágica, de Paolo Virzì, também questiona a autoria dos faroestes macarrônicos, por meio daquelas discussões de roteiros, e roteiristas. Kleber reconhece em seu filme a sujeira do spaghetti western, mas diz que a limpou ao filmar com a lente Panavision. Embora antiamericano - os matadores numa teoria da conspiração, a serviço de políticos corruptos -, o filme está impregnado pelo espírito da Nova Hollywood, da qual os diretores são admiradores, e dos mais apaixonados.

Na trama de Bacurau, Teresa/Bárbara Colen, um assombro de beleza e talento, vem enterrar a avó e encontra a cidade sitiada. Logo vai começar o ataque. A igreja virou depósito, o museu e a escola viraram sedes de resistência. “A gente não acorda um dia e diz que o roteiro vai ter essas simbologias. A gente escreve e tudo vai se desenvolvendo com naturalidade”, diz Kleber. “Acho fantástico quando as pessoas veem o museu e a escola como esteios da comunidade. Os forasteiros que chegam se recusam a visitar o museu. Talvez devessem ter aceitado. Uma coisa que é muito clara para mim, para o Juliano, para a equipe toda, é que a cultura merece, mais que isso, exige respeito.”

As (violentas) cenas de caça mostram os invasores - os gringos, liderados pelo alemão Udo Kier, que se considera mais americano que eles - usando tecnologia de ponta. Armamentos, drones (em formato de disco voador). Sônia Braga faz a médica, Domingas. O sertão não vira mar - vira sangue. “A violência está no centro de tudo, mas não é o objetivo. Bacurau é sobre o que ocorre quando há radicalização”, reflete Kleber.

Sônia Braga interpreta Domingas no filme 'Bacurau' Foto: Victor Jucá

‘Personagem é parte de uma trama coletiva’, diz Sônia Braga

Sônia Braga não quis saber de entrevista individual, só com a TV. Dedicou, de pé, alguns minutos ao repórter. Faz a médica, personagem que, quando não está bêbada, é um amor de pessoa (a definição está no diálogo do filme). Sônia segue gloriosa, icônica.

Mesmo ausente, você foi a rainha na noite de premiação do Cinema Brasileiro. Todas aquelas cenas, aquelas canções...

Vi pelo WhatsApp, todo mundo compartilhava comigo. As cenas de Dona Flor, A Dama do Lotação, Eu Te Amo. Todas aquelas canções que me acompanhavam na tela. Não adianta ter inveja. Fico pensando só se virão novas canções.

Como surgiu a sua médica?

Preciso antes entender a personagem, de onde ela brota. Domingas só tomou forma quando criei uma voz para ela. Foi muito mais simples de fazer porque a vejo dentro de uma história que é coletiva. Quero dizer também que dediquei essa personagem a Marielle (Franco) e que também quero saber quem matou Marielle.

Cena do filme 'Bacurau', com Sônia Braga Foto: Victor Jucá

Análise:  Resistir é preciso, numa ficção densa e apaixonante

Há algo muito forte, que explode em forma de violência, em Bacurau. Os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles reabrem a vertente do western ideológico, à Glauber Rocha. O sertão vira sangue, mas Bacurau não é um panfleto que usa códigos de gênero para eletrizar a plateia. É um filme de personagens, forte em colorido - e erotismo. O céu impressiona - borrascoso. Algumas daquelas cenas, acredite - os diretores confirmam -, são efeitos especiais para tornar o colorido mais dramático. E o erotismo - está presente desde sempre na obra de Kleber.

Seu parceiro busca na Guerra do Vietnã, na resistência dos vietcongues ao imperialismo dos Estados Unidos, uma das matrizes de Bacurau. Kleber recua um pouco mais. Cita o Gueto de Varsóvia e os judeus que se sublevaram contra o nazismo, na luta pela sobrevivência. É o que faz a população de Bacurau. O filme já se abre sob o signo da morte - um acidente de estrada, caixões despejados pelo caminho. Bacurau fica no sertão, mas, ops!, de repente a cidade sumiu do mapa. E começa a caçada. A conspiração que une os gringos, liderados por Udo Kier, a um político local desencadeia implacável destruição. Mortes contam pontos. A população reage. Teresa, que acaba de chegar para enterrar a avó, Domingas, a médica sem papas na língua, Pacote, o gatilho do sertão, Lunga, o trânsfuga readmitido na comunidade. Unidos na luta pela sobrevivência. Para reintegrar Bacurau ao mapa.

Todos esses personagens são muito bem desenhados - e interpretados. Bárbara Colen, Sônia Braga, Thomás Aquino, Silvero Pereira. E os forasteiros - Karine Teles, naquela moto. Sua personagem, que vem do Sudeste, acha que é branca, mas é tratada pelos gringos com o mesmo desdém que dedicam aos demais habitantes de Bacurau. São todos ‘latinos’. São estranhas as coincidências da arte. O filme que começou a ser gestado há dez anos ganhou forma na era Temer, que provocou o protesto da equipe de Aquarius na escadaria de Cannes, e chega aos cinemas como um espelho a refletir o Brasil atual. 

Cenas de uma caçada brutal. Tudo muito direto, a agressão como a reação. Na ficção de Bacurau, o povo não aguenta mais tanto sofrimento, e reage. Pegas em armas. Contra a tecnologia de ponta dos agressores, as armas são peças de museu.

Bacurau, que dá título ao filme, é um pássaro noturno do sertão. Enxerga à noite. A metáfora não poderia ser mais clara. Como cinema, o filme convida o público a viajar nos códigos de gênero. A trilha vira uma personagem à parte. De Gal, embalando a ficção científica inicial, ao chamado ideológico de Geraldo Vandré. No final, um letreiro informa. Além de defender a identidade nacional, Bacurau gerou 800 empregos. Tudo, realmente, muito direto.

Sonia Braga e Udo Kier como Domingas e Michael em cena de 'Bacurau' Foto: Victor Juca

Em 1968, um ano emblemático, o cineasta alemão Peter Fleischmann realizou um filme premonitório sobre o racismo na Europa - Cenas de Caça na Baixa Baviera. Quem conhece aquele clássico do novo cinema alemão dificilmente deixa de fazer a associação. Bacurau, ou as cenas de caça no Brasil. Embora a lista de inscritos para concorrer à indicação pelo Brasil a uma vaga no Oscar comportasse 12 títulos, houve desde logo uma polarização entre dois - Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, o primeiro com o prêmio especial do júri, e o segundo escolhido como melhor na mostra Un Certain Regard.

Na terça, 27, a comissão formada pela Academia Brasileira de Cinema escolheu o longa de Aïnouz como o candidato do Brasil a uma vaga no prêmio de melhor filme internacional da Academia de Hollywood. Bacurau chega antes aos cinemas. Estreia nesta quinta, 29. Será o maior lançamento da história da distribuidora Vitrine, que também vai lançar A Vida Invisível, mas essa é outra história. Bacurau sai em 200 salas.

Qualquer que fosse o representante brasileiro - dos dois -, o País estaria bem representado. Não se repetiu a politicalha que impediu que Aquarius, também de Kleber, fosse indicado há três anos. Na semana passada, a equipe esteve na cidade para o que se chama de ‘junket’. Diretores e elenco deram entrevistas para promover o lançamento. Sônia Braga dedicou sua interpretação a Marielle Franco, a vereadora que foi assassinada no Rio, em 2018. Kleber revelou que há dez anos iniciou a gestação do filme. Depois de Aquarius, e com a cumplicidade de Juliano Dornelles - diretor de arte e amigo do peito, colaborador em quase tudo o que fez antes -, colocou o foco em Bacurau.

Cena do filme 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Foto: Victor Jucá

Como um filme gestado ao longo de uma década pode ser o espelho do Brasil atual?

Karine Teles, atriz - e grande vencedora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro deste ano, por Benzinho - arrisca uma interpretação. Essa atualidade tão veemente - visceral - de Bacurau está no olhar de quem vê. A cidade que sumiu do mapa e está sob ataque de um bando de gringos, a população que pega em armas para defender seu território, as cenas de caça, tudo compõe o receituário de um western ideológico, mas dizer que é uma obra de revanche contra a perseguição a Aquarius? Kleber não lança gasolina no fogo. “Não vou dizer como as pessoas têm de ver o Bacurau. Desde que era crítico, sempre me recusei a entregar uma fórmula. Como crítico antes, como cineasta, hoje, meu papel sempre foi instigar.”

Mais até do que Kleber, Juliano Dornelles é apaixonado pelo cinema de gênero. Bacurau tem elementos de ficção científica - a história passa-se daqui a alguns anos, revelando um Brasil distópico. Tem até terror. Kleber e Juliano, Juliano e Kleber, J&K, reabrem a vertente do western ideológico de Glauber (Rocha), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. É curioso, mas Quentin Tarantino, em Era Uma Vez... em Hollywood, revisita o spaghetti western e Noite Mágica, de Paolo Virzì, também questiona a autoria dos faroestes macarrônicos, por meio daquelas discussões de roteiros, e roteiristas. Kleber reconhece em seu filme a sujeira do spaghetti western, mas diz que a limpou ao filmar com a lente Panavision. Embora antiamericano - os matadores numa teoria da conspiração, a serviço de políticos corruptos -, o filme está impregnado pelo espírito da Nova Hollywood, da qual os diretores são admiradores, e dos mais apaixonados.

Na trama de Bacurau, Teresa/Bárbara Colen, um assombro de beleza e talento, vem enterrar a avó e encontra a cidade sitiada. Logo vai começar o ataque. A igreja virou depósito, o museu e a escola viraram sedes de resistência. “A gente não acorda um dia e diz que o roteiro vai ter essas simbologias. A gente escreve e tudo vai se desenvolvendo com naturalidade”, diz Kleber. “Acho fantástico quando as pessoas veem o museu e a escola como esteios da comunidade. Os forasteiros que chegam se recusam a visitar o museu. Talvez devessem ter aceitado. Uma coisa que é muito clara para mim, para o Juliano, para a equipe toda, é que a cultura merece, mais que isso, exige respeito.”

As (violentas) cenas de caça mostram os invasores - os gringos, liderados pelo alemão Udo Kier, que se considera mais americano que eles - usando tecnologia de ponta. Armamentos, drones (em formato de disco voador). Sônia Braga faz a médica, Domingas. O sertão não vira mar - vira sangue. “A violência está no centro de tudo, mas não é o objetivo. Bacurau é sobre o que ocorre quando há radicalização”, reflete Kleber.

Sônia Braga interpreta Domingas no filme 'Bacurau' Foto: Victor Jucá

‘Personagem é parte de uma trama coletiva’, diz Sônia Braga

Sônia Braga não quis saber de entrevista individual, só com a TV. Dedicou, de pé, alguns minutos ao repórter. Faz a médica, personagem que, quando não está bêbada, é um amor de pessoa (a definição está no diálogo do filme). Sônia segue gloriosa, icônica.

Mesmo ausente, você foi a rainha na noite de premiação do Cinema Brasileiro. Todas aquelas cenas, aquelas canções...

Vi pelo WhatsApp, todo mundo compartilhava comigo. As cenas de Dona Flor, A Dama do Lotação, Eu Te Amo. Todas aquelas canções que me acompanhavam na tela. Não adianta ter inveja. Fico pensando só se virão novas canções.

Como surgiu a sua médica?

Preciso antes entender a personagem, de onde ela brota. Domingas só tomou forma quando criei uma voz para ela. Foi muito mais simples de fazer porque a vejo dentro de uma história que é coletiva. Quero dizer também que dediquei essa personagem a Marielle (Franco) e que também quero saber quem matou Marielle.

Cena do filme 'Bacurau', com Sônia Braga Foto: Victor Jucá

Análise:  Resistir é preciso, numa ficção densa e apaixonante

Há algo muito forte, que explode em forma de violência, em Bacurau. Os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles reabrem a vertente do western ideológico, à Glauber Rocha. O sertão vira sangue, mas Bacurau não é um panfleto que usa códigos de gênero para eletrizar a plateia. É um filme de personagens, forte em colorido - e erotismo. O céu impressiona - borrascoso. Algumas daquelas cenas, acredite - os diretores confirmam -, são efeitos especiais para tornar o colorido mais dramático. E o erotismo - está presente desde sempre na obra de Kleber.

Seu parceiro busca na Guerra do Vietnã, na resistência dos vietcongues ao imperialismo dos Estados Unidos, uma das matrizes de Bacurau. Kleber recua um pouco mais. Cita o Gueto de Varsóvia e os judeus que se sublevaram contra o nazismo, na luta pela sobrevivência. É o que faz a população de Bacurau. O filme já se abre sob o signo da morte - um acidente de estrada, caixões despejados pelo caminho. Bacurau fica no sertão, mas, ops!, de repente a cidade sumiu do mapa. E começa a caçada. A conspiração que une os gringos, liderados por Udo Kier, a um político local desencadeia implacável destruição. Mortes contam pontos. A população reage. Teresa, que acaba de chegar para enterrar a avó, Domingas, a médica sem papas na língua, Pacote, o gatilho do sertão, Lunga, o trânsfuga readmitido na comunidade. Unidos na luta pela sobrevivência. Para reintegrar Bacurau ao mapa.

Todos esses personagens são muito bem desenhados - e interpretados. Bárbara Colen, Sônia Braga, Thomás Aquino, Silvero Pereira. E os forasteiros - Karine Teles, naquela moto. Sua personagem, que vem do Sudeste, acha que é branca, mas é tratada pelos gringos com o mesmo desdém que dedicam aos demais habitantes de Bacurau. São todos ‘latinos’. São estranhas as coincidências da arte. O filme que começou a ser gestado há dez anos ganhou forma na era Temer, que provocou o protesto da equipe de Aquarius na escadaria de Cannes, e chega aos cinemas como um espelho a refletir o Brasil atual. 

Cenas de uma caçada brutal. Tudo muito direto, a agressão como a reação. Na ficção de Bacurau, o povo não aguenta mais tanto sofrimento, e reage. Pegas em armas. Contra a tecnologia de ponta dos agressores, as armas são peças de museu.

Bacurau, que dá título ao filme, é um pássaro noturno do sertão. Enxerga à noite. A metáfora não poderia ser mais clara. Como cinema, o filme convida o público a viajar nos códigos de gênero. A trilha vira uma personagem à parte. De Gal, embalando a ficção científica inicial, ao chamado ideológico de Geraldo Vandré. No final, um letreiro informa. Além de defender a identidade nacional, Bacurau gerou 800 empregos. Tudo, realmente, muito direto.

Sonia Braga e Udo Kier como Domingas e Michael em cena de 'Bacurau' Foto: Victor Juca

Em 1968, um ano emblemático, o cineasta alemão Peter Fleischmann realizou um filme premonitório sobre o racismo na Europa - Cenas de Caça na Baixa Baviera. Quem conhece aquele clássico do novo cinema alemão dificilmente deixa de fazer a associação. Bacurau, ou as cenas de caça no Brasil. Embora a lista de inscritos para concorrer à indicação pelo Brasil a uma vaga no Oscar comportasse 12 títulos, houve desde logo uma polarização entre dois - Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, o primeiro com o prêmio especial do júri, e o segundo escolhido como melhor na mostra Un Certain Regard.

Na terça, 27, a comissão formada pela Academia Brasileira de Cinema escolheu o longa de Aïnouz como o candidato do Brasil a uma vaga no prêmio de melhor filme internacional da Academia de Hollywood. Bacurau chega antes aos cinemas. Estreia nesta quinta, 29. Será o maior lançamento da história da distribuidora Vitrine, que também vai lançar A Vida Invisível, mas essa é outra história. Bacurau sai em 200 salas.

Qualquer que fosse o representante brasileiro - dos dois -, o País estaria bem representado. Não se repetiu a politicalha que impediu que Aquarius, também de Kleber, fosse indicado há três anos. Na semana passada, a equipe esteve na cidade para o que se chama de ‘junket’. Diretores e elenco deram entrevistas para promover o lançamento. Sônia Braga dedicou sua interpretação a Marielle Franco, a vereadora que foi assassinada no Rio, em 2018. Kleber revelou que há dez anos iniciou a gestação do filme. Depois de Aquarius, e com a cumplicidade de Juliano Dornelles - diretor de arte e amigo do peito, colaborador em quase tudo o que fez antes -, colocou o foco em Bacurau.

Cena do filme 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Foto: Victor Jucá

Como um filme gestado ao longo de uma década pode ser o espelho do Brasil atual?

Karine Teles, atriz - e grande vencedora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro deste ano, por Benzinho - arrisca uma interpretação. Essa atualidade tão veemente - visceral - de Bacurau está no olhar de quem vê. A cidade que sumiu do mapa e está sob ataque de um bando de gringos, a população que pega em armas para defender seu território, as cenas de caça, tudo compõe o receituário de um western ideológico, mas dizer que é uma obra de revanche contra a perseguição a Aquarius? Kleber não lança gasolina no fogo. “Não vou dizer como as pessoas têm de ver o Bacurau. Desde que era crítico, sempre me recusei a entregar uma fórmula. Como crítico antes, como cineasta, hoje, meu papel sempre foi instigar.”

Mais até do que Kleber, Juliano Dornelles é apaixonado pelo cinema de gênero. Bacurau tem elementos de ficção científica - a história passa-se daqui a alguns anos, revelando um Brasil distópico. Tem até terror. Kleber e Juliano, Juliano e Kleber, J&K, reabrem a vertente do western ideológico de Glauber (Rocha), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. É curioso, mas Quentin Tarantino, em Era Uma Vez... em Hollywood, revisita o spaghetti western e Noite Mágica, de Paolo Virzì, também questiona a autoria dos faroestes macarrônicos, por meio daquelas discussões de roteiros, e roteiristas. Kleber reconhece em seu filme a sujeira do spaghetti western, mas diz que a limpou ao filmar com a lente Panavision. Embora antiamericano - os matadores numa teoria da conspiração, a serviço de políticos corruptos -, o filme está impregnado pelo espírito da Nova Hollywood, da qual os diretores são admiradores, e dos mais apaixonados.

Na trama de Bacurau, Teresa/Bárbara Colen, um assombro de beleza e talento, vem enterrar a avó e encontra a cidade sitiada. Logo vai começar o ataque. A igreja virou depósito, o museu e a escola viraram sedes de resistência. “A gente não acorda um dia e diz que o roteiro vai ter essas simbologias. A gente escreve e tudo vai se desenvolvendo com naturalidade”, diz Kleber. “Acho fantástico quando as pessoas veem o museu e a escola como esteios da comunidade. Os forasteiros que chegam se recusam a visitar o museu. Talvez devessem ter aceitado. Uma coisa que é muito clara para mim, para o Juliano, para a equipe toda, é que a cultura merece, mais que isso, exige respeito.”

As (violentas) cenas de caça mostram os invasores - os gringos, liderados pelo alemão Udo Kier, que se considera mais americano que eles - usando tecnologia de ponta. Armamentos, drones (em formato de disco voador). Sônia Braga faz a médica, Domingas. O sertão não vira mar - vira sangue. “A violência está no centro de tudo, mas não é o objetivo. Bacurau é sobre o que ocorre quando há radicalização”, reflete Kleber.

Sônia Braga interpreta Domingas no filme 'Bacurau' Foto: Victor Jucá

‘Personagem é parte de uma trama coletiva’, diz Sônia Braga

Sônia Braga não quis saber de entrevista individual, só com a TV. Dedicou, de pé, alguns minutos ao repórter. Faz a médica, personagem que, quando não está bêbada, é um amor de pessoa (a definição está no diálogo do filme). Sônia segue gloriosa, icônica.

Mesmo ausente, você foi a rainha na noite de premiação do Cinema Brasileiro. Todas aquelas cenas, aquelas canções...

Vi pelo WhatsApp, todo mundo compartilhava comigo. As cenas de Dona Flor, A Dama do Lotação, Eu Te Amo. Todas aquelas canções que me acompanhavam na tela. Não adianta ter inveja. Fico pensando só se virão novas canções.

Como surgiu a sua médica?

Preciso antes entender a personagem, de onde ela brota. Domingas só tomou forma quando criei uma voz para ela. Foi muito mais simples de fazer porque a vejo dentro de uma história que é coletiva. Quero dizer também que dediquei essa personagem a Marielle (Franco) e que também quero saber quem matou Marielle.

Cena do filme 'Bacurau', com Sônia Braga Foto: Victor Jucá

Análise:  Resistir é preciso, numa ficção densa e apaixonante

Há algo muito forte, que explode em forma de violência, em Bacurau. Os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles reabrem a vertente do western ideológico, à Glauber Rocha. O sertão vira sangue, mas Bacurau não é um panfleto que usa códigos de gênero para eletrizar a plateia. É um filme de personagens, forte em colorido - e erotismo. O céu impressiona - borrascoso. Algumas daquelas cenas, acredite - os diretores confirmam -, são efeitos especiais para tornar o colorido mais dramático. E o erotismo - está presente desde sempre na obra de Kleber.

Seu parceiro busca na Guerra do Vietnã, na resistência dos vietcongues ao imperialismo dos Estados Unidos, uma das matrizes de Bacurau. Kleber recua um pouco mais. Cita o Gueto de Varsóvia e os judeus que se sublevaram contra o nazismo, na luta pela sobrevivência. É o que faz a população de Bacurau. O filme já se abre sob o signo da morte - um acidente de estrada, caixões despejados pelo caminho. Bacurau fica no sertão, mas, ops!, de repente a cidade sumiu do mapa. E começa a caçada. A conspiração que une os gringos, liderados por Udo Kier, a um político local desencadeia implacável destruição. Mortes contam pontos. A população reage. Teresa, que acaba de chegar para enterrar a avó, Domingas, a médica sem papas na língua, Pacote, o gatilho do sertão, Lunga, o trânsfuga readmitido na comunidade. Unidos na luta pela sobrevivência. Para reintegrar Bacurau ao mapa.

Todos esses personagens são muito bem desenhados - e interpretados. Bárbara Colen, Sônia Braga, Thomás Aquino, Silvero Pereira. E os forasteiros - Karine Teles, naquela moto. Sua personagem, que vem do Sudeste, acha que é branca, mas é tratada pelos gringos com o mesmo desdém que dedicam aos demais habitantes de Bacurau. São todos ‘latinos’. São estranhas as coincidências da arte. O filme que começou a ser gestado há dez anos ganhou forma na era Temer, que provocou o protesto da equipe de Aquarius na escadaria de Cannes, e chega aos cinemas como um espelho a refletir o Brasil atual. 

Cenas de uma caçada brutal. Tudo muito direto, a agressão como a reação. Na ficção de Bacurau, o povo não aguenta mais tanto sofrimento, e reage. Pegas em armas. Contra a tecnologia de ponta dos agressores, as armas são peças de museu.

Bacurau, que dá título ao filme, é um pássaro noturno do sertão. Enxerga à noite. A metáfora não poderia ser mais clara. Como cinema, o filme convida o público a viajar nos códigos de gênero. A trilha vira uma personagem à parte. De Gal, embalando a ficção científica inicial, ao chamado ideológico de Geraldo Vandré. No final, um letreiro informa. Além de defender a identidade nacional, Bacurau gerou 800 empregos. Tudo, realmente, muito direto.

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