Baseado no poema de Jorge de Lima, novo filme de Cacá Diegues vai ao Festival de Cannes


Cineasta, que já integrou quatro vezes a seleção oficial de Cannes, agora leva 'O Grande Circo Místico' ao festival

Por Luiz Carlos Merten

Cacá Diegues tem vivido momentos de euforia. Seu novo longa, O Grande Circo Místico, foi selecionado para o Festival de Cannes, o que o levará de novo ao maior evento de cinema do mundo. Mas Cacá também anda com o coração oprimido. Escreveu um belíssimo texto para homenagear o amigo Nelson Pereira dos Santos, que morreu em 21 de abril. Comparou-o à luz do povo brasileiro, que não se apagará jamais. “Nelson foi uma referência fundamental para todos nós (do Cinema Novo).” Além de cineasta visceral, integrou a Academia Brasileira de Letras. Suas inúmeras adaptações – ficções e documentários – o credenciaram a ocupar uma cadeira na ABL. No próprio velório do amigo, Cacá ouviu de acadêmicos que deveria se candidatar à vaga de Nelson na Academia. Seria uma forma de manter o vínculo da ABL com o cinema brasileiro.

Mariana Ximenes em destaque no filme de Diegues. Foto: Rafael Daló

E ei-lo candidato, Cacá. “Nunca havia pensado nisso, mas vibrei quando Nelson se candidatou, e foi eleito. Nelson foi um modernista. Adaptou nossos maiores autores, pesquisou a linguagem, deu uma cara ao homem brasileiro na tela. Quando o comparei a uma luz, estava tentando dar conta de sua riqueza humana e artística. Será uma honra, se tiver de sucedê-lo na ABL.” O próprio Cacá assinou diversas adaptações. Mais até que uma adaptação, o novo filme é uma invenção. O Grande Circo Místico baseia-se no poema de Jorge de Lima. São 47 estrofes, não contam uma história, mas esboçam uma crônica familiar. Cacá e seu roteirista, George Moura, tiveram de inventar tudo. Desde que se tornou cineasta, no começo dos anos 1960, Cacá integrou quatro vezes a seleção oficial de Cannes, mais três vezes a da Quinzena dos Realizadores e uma vez a da Semana da Crítica. Foi jurado. Cannes e ele têm sido uma história de amor. Cacá se prepara para pisar de novo naquele tapete vermelho. Como roteirista, George Moura participou da montée des marches de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, há exatamente dez anos, e o filme venceu o prêmio de atriz para Sandra Corvelloni.

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Moura é o autor de teledramaturgia de Onde Nascem os Fortes, a supersérie de José Luiz Villamarim, na Globo. Ele já avaliou, para o Estado, a diferença entre escrever para cinema e TV. “Aos 50 minutos, um roteiro de filme se encaminha para os finalmentes. Numa série, é só o começo, o tema está sendo esboçado.” E como é criar o roteiro de um poema? “Quando Cacá me chamou, não sabia nem por onde começar. Conversamos muito, e a única coisa de que me conscientizei, rapidamente, é que teria de ser um roteiro poético.” Posto que já estava até no título, tinha de ter um circo. “O toldo deveria abranger o Brasil”, dizia o diretor. Sempre o Brasil, o interesse autoral de Cacá. E Moura: “Para construir uma temporalidade, surgiu a ideia de fazemos coincidir o circo e o cometa Halley em terras brasileiras. Pesquisei e descobri que, nessas duas datas em que o cometa passou pelo Brasil, uma correspondia ao meu aniversário e outra, ao aniversário do Cacá. Não sei o que isso significa, nem se significa. Será mera coincidência?”

O cineastaCacá Diegues. Foto: Serjão Carvalho/Estadão

O circo, afinal, é místico. Evoca Federico Fellini e essa história do apogeu e decadência de um circo é também a de uma família. “Não pensei especificamente em Fellini, mas ele está entranhado no meu imaginário de cinéfilo, no seu”, diz o diretor. “Mas se tem algo de Fellini, tem também do Lola Montès Max Ophuls, outro gênio.” E tudo converge para um gran finale – um salto sem roupa, sem rede. Mulheres belíssimas, esvoaçando nuas. O efeito deu muito mais trabalho do que Cacá imaginava. Teve de ser refeito. Ele não quer contar os detalhes, porque acha que tiraria a graça, mas está feliz com a repercussão. Quem viu tem viajado na imagem, e no seu enigma. Alagoano, Cacá sempre foi atraído pela literatura de Jorge de Lima. Um grande crítico, Mário Faustino, lhe aguçou ainda mais a sensibilidade pelo poeta. Modernista, formalista, místico, barroco, até surrealista – a obra do autor desafia códigos e propõe desafios. Há quase 50 anos, Cacá já contou outra história do Brasil, por meio de outra família e filtrada pela Rádio Nacional – Os Herdeiros. O rádio, a TV, tudo cabe sob o toldo do Circo Místico. Ao repórter, o novo filme fez lembrar o anterior: “É curioso, outras pessoas já me falaram isso, mas não pensei especificamente em Os Herdeiros ao fazer o Circo, mas é possível, não sei. Ainda é cedo para avaliar”, reflete o diretor. Circo terá sua gala, em Cannes – fora de concurso –, às 19h do dia 12. Cacá, George Moura, as mulheres, Mariana Ximenes, Vincent Cassel estarão no tapete vermelho. O meneur du jeu, no filme, é Jesuíta Barbosa. Chama-se Celavie. Jesuíta não irá. Ainda grava Onde Nascem os Fortes. Como ator, iluminará aquela tela, a maior do mundo.

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++ Cacá Diegues apresenta 'O Grande Circo Místico' em Cannes

Pendência judicial é ameaça

Juízes de um tribunal de Paris decidem sobre a realização do evento em uma sessão marcada para segunda, dia 7

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Será daqui a exatamente uma semana. Na terça, 8, Cannes estenderá o tapete vermelho, iniciando o maior festival de cinema do mundo. Durante 12 dias, as diferentes seções do evento – competição, Un Certain Regard, Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica, Marché du Film – estarão abrigando tudo o que de mais avançado estiver em produção, ou terá sido produzido no último ano. E, então, no sábado 19, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett outorgará a Palma de Ouro. Quem vai levar?

O festival ainda nem começou para avaliar tendências, mas depois da polêmica com a Netflix, no ano passado, o 71.º Festival de Cannes não se anuncia menos controverso. Para início de conversa, uma pendência judicial ameaça a seleção oficial de 2018 e só será resolvida por um tribunal de Paris na segunda-feira, 7. O festival selecionou, como filme de encerramento, The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, e o filme está ameaçado de não passar por causa do pedido de interdição do produtor português Paulo Branco. Ele foi parceiro do diretor no começo do projeto, e depois se afastou. Agora tenta recuperar seus direitos.

Cannes – leia-se o delegado Thiérry Fremaux e o diretor geral Pierre Lescure – divulgou nesta segunda uma nota irada acusando Branco de proclamar ao mundo que deve sua carreira ao festival e aos grandes diretores com quem trabalhou, mas que, nesse momento, ao invés de apoiar o evento, o produtor volta-se contra Cannes e tudo o que significa como liberdade de expressão. Paulo Branco poderá se converter na nova persona non grata na Croisette, e isso quando Lars Voin Trier, desligado do festival de 2011 por declarações consideradas racistas na coletiva de Melancolia, está de volta com The House That Jack Built.

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O retorno do autor dinamarquês, mesmo fora de concurso, promete ser um dos destaques deste ano e, para abrir a nova edição, o festival programou outro filme dos mais aguardados. O iraniano Asghar Farhadi fará a abertura com seu thriller em língua espanhola, Todos lo Saben. Só o elenco desse filme já vale todo um tapete vermelho – Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem. A seleção, propriamente dita – os filmes que vão concorrer à Palma de Ouro –, privilegia a produção masculina. Thiérry Fremaux já disse que, por mais que respeite movimentos como Time's Up e #MeToo, a seleção oficial nunca foi uma questão de gênero. Ele seleciona o que lhe parece melhor, esses são filmes dirigidos por homens – que sejam.

Jean-Luc Godard (O Livro de Imagens), Spike Lee (BlacKkKlansman), Jafar Panahi (Three Faces) e Hirokazu Kore-eda (Shoplifters) são alguns dos diretores da competição. A italiana Alice Rohrwacher, de Lazzaro Felice, uma das raras mulheres. O Brasil participa da seleção oficial, fora de concurso, com Cacá Diegues – O Grande Circo Místico. O festival baixou uma norma. Selfies não serão tolerados no tapete vermelho. Quem insistir, terá o celular confiscado.

Cacá Diegues tem vivido momentos de euforia. Seu novo longa, O Grande Circo Místico, foi selecionado para o Festival de Cannes, o que o levará de novo ao maior evento de cinema do mundo. Mas Cacá também anda com o coração oprimido. Escreveu um belíssimo texto para homenagear o amigo Nelson Pereira dos Santos, que morreu em 21 de abril. Comparou-o à luz do povo brasileiro, que não se apagará jamais. “Nelson foi uma referência fundamental para todos nós (do Cinema Novo).” Além de cineasta visceral, integrou a Academia Brasileira de Letras. Suas inúmeras adaptações – ficções e documentários – o credenciaram a ocupar uma cadeira na ABL. No próprio velório do amigo, Cacá ouviu de acadêmicos que deveria se candidatar à vaga de Nelson na Academia. Seria uma forma de manter o vínculo da ABL com o cinema brasileiro.

Mariana Ximenes em destaque no filme de Diegues. Foto: Rafael Daló

E ei-lo candidato, Cacá. “Nunca havia pensado nisso, mas vibrei quando Nelson se candidatou, e foi eleito. Nelson foi um modernista. Adaptou nossos maiores autores, pesquisou a linguagem, deu uma cara ao homem brasileiro na tela. Quando o comparei a uma luz, estava tentando dar conta de sua riqueza humana e artística. Será uma honra, se tiver de sucedê-lo na ABL.” O próprio Cacá assinou diversas adaptações. Mais até que uma adaptação, o novo filme é uma invenção. O Grande Circo Místico baseia-se no poema de Jorge de Lima. São 47 estrofes, não contam uma história, mas esboçam uma crônica familiar. Cacá e seu roteirista, George Moura, tiveram de inventar tudo. Desde que se tornou cineasta, no começo dos anos 1960, Cacá integrou quatro vezes a seleção oficial de Cannes, mais três vezes a da Quinzena dos Realizadores e uma vez a da Semana da Crítica. Foi jurado. Cannes e ele têm sido uma história de amor. Cacá se prepara para pisar de novo naquele tapete vermelho. Como roteirista, George Moura participou da montée des marches de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, há exatamente dez anos, e o filme venceu o prêmio de atriz para Sandra Corvelloni.

Moura é o autor de teledramaturgia de Onde Nascem os Fortes, a supersérie de José Luiz Villamarim, na Globo. Ele já avaliou, para o Estado, a diferença entre escrever para cinema e TV. “Aos 50 minutos, um roteiro de filme se encaminha para os finalmentes. Numa série, é só o começo, o tema está sendo esboçado.” E como é criar o roteiro de um poema? “Quando Cacá me chamou, não sabia nem por onde começar. Conversamos muito, e a única coisa de que me conscientizei, rapidamente, é que teria de ser um roteiro poético.” Posto que já estava até no título, tinha de ter um circo. “O toldo deveria abranger o Brasil”, dizia o diretor. Sempre o Brasil, o interesse autoral de Cacá. E Moura: “Para construir uma temporalidade, surgiu a ideia de fazemos coincidir o circo e o cometa Halley em terras brasileiras. Pesquisei e descobri que, nessas duas datas em que o cometa passou pelo Brasil, uma correspondia ao meu aniversário e outra, ao aniversário do Cacá. Não sei o que isso significa, nem se significa. Será mera coincidência?”

O cineastaCacá Diegues. Foto: Serjão Carvalho/Estadão

O circo, afinal, é místico. Evoca Federico Fellini e essa história do apogeu e decadência de um circo é também a de uma família. “Não pensei especificamente em Fellini, mas ele está entranhado no meu imaginário de cinéfilo, no seu”, diz o diretor. “Mas se tem algo de Fellini, tem também do Lola Montès Max Ophuls, outro gênio.” E tudo converge para um gran finale – um salto sem roupa, sem rede. Mulheres belíssimas, esvoaçando nuas. O efeito deu muito mais trabalho do que Cacá imaginava. Teve de ser refeito. Ele não quer contar os detalhes, porque acha que tiraria a graça, mas está feliz com a repercussão. Quem viu tem viajado na imagem, e no seu enigma. Alagoano, Cacá sempre foi atraído pela literatura de Jorge de Lima. Um grande crítico, Mário Faustino, lhe aguçou ainda mais a sensibilidade pelo poeta. Modernista, formalista, místico, barroco, até surrealista – a obra do autor desafia códigos e propõe desafios. Há quase 50 anos, Cacá já contou outra história do Brasil, por meio de outra família e filtrada pela Rádio Nacional – Os Herdeiros. O rádio, a TV, tudo cabe sob o toldo do Circo Místico. Ao repórter, o novo filme fez lembrar o anterior: “É curioso, outras pessoas já me falaram isso, mas não pensei especificamente em Os Herdeiros ao fazer o Circo, mas é possível, não sei. Ainda é cedo para avaliar”, reflete o diretor. Circo terá sua gala, em Cannes – fora de concurso –, às 19h do dia 12. Cacá, George Moura, as mulheres, Mariana Ximenes, Vincent Cassel estarão no tapete vermelho. O meneur du jeu, no filme, é Jesuíta Barbosa. Chama-se Celavie. Jesuíta não irá. Ainda grava Onde Nascem os Fortes. Como ator, iluminará aquela tela, a maior do mundo.

++ Cacá Diegues apresenta 'O Grande Circo Místico' em Cannes

Pendência judicial é ameaça

Juízes de um tribunal de Paris decidem sobre a realização do evento em uma sessão marcada para segunda, dia 7

Será daqui a exatamente uma semana. Na terça, 8, Cannes estenderá o tapete vermelho, iniciando o maior festival de cinema do mundo. Durante 12 dias, as diferentes seções do evento – competição, Un Certain Regard, Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica, Marché du Film – estarão abrigando tudo o que de mais avançado estiver em produção, ou terá sido produzido no último ano. E, então, no sábado 19, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett outorgará a Palma de Ouro. Quem vai levar?

O festival ainda nem começou para avaliar tendências, mas depois da polêmica com a Netflix, no ano passado, o 71.º Festival de Cannes não se anuncia menos controverso. Para início de conversa, uma pendência judicial ameaça a seleção oficial de 2018 e só será resolvida por um tribunal de Paris na segunda-feira, 7. O festival selecionou, como filme de encerramento, The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, e o filme está ameaçado de não passar por causa do pedido de interdição do produtor português Paulo Branco. Ele foi parceiro do diretor no começo do projeto, e depois se afastou. Agora tenta recuperar seus direitos.

Cannes – leia-se o delegado Thiérry Fremaux e o diretor geral Pierre Lescure – divulgou nesta segunda uma nota irada acusando Branco de proclamar ao mundo que deve sua carreira ao festival e aos grandes diretores com quem trabalhou, mas que, nesse momento, ao invés de apoiar o evento, o produtor volta-se contra Cannes e tudo o que significa como liberdade de expressão. Paulo Branco poderá se converter na nova persona non grata na Croisette, e isso quando Lars Voin Trier, desligado do festival de 2011 por declarações consideradas racistas na coletiva de Melancolia, está de volta com The House That Jack Built.

O retorno do autor dinamarquês, mesmo fora de concurso, promete ser um dos destaques deste ano e, para abrir a nova edição, o festival programou outro filme dos mais aguardados. O iraniano Asghar Farhadi fará a abertura com seu thriller em língua espanhola, Todos lo Saben. Só o elenco desse filme já vale todo um tapete vermelho – Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem. A seleção, propriamente dita – os filmes que vão concorrer à Palma de Ouro –, privilegia a produção masculina. Thiérry Fremaux já disse que, por mais que respeite movimentos como Time's Up e #MeToo, a seleção oficial nunca foi uma questão de gênero. Ele seleciona o que lhe parece melhor, esses são filmes dirigidos por homens – que sejam.

Jean-Luc Godard (O Livro de Imagens), Spike Lee (BlacKkKlansman), Jafar Panahi (Three Faces) e Hirokazu Kore-eda (Shoplifters) são alguns dos diretores da competição. A italiana Alice Rohrwacher, de Lazzaro Felice, uma das raras mulheres. O Brasil participa da seleção oficial, fora de concurso, com Cacá Diegues – O Grande Circo Místico. O festival baixou uma norma. Selfies não serão tolerados no tapete vermelho. Quem insistir, terá o celular confiscado.

Cacá Diegues tem vivido momentos de euforia. Seu novo longa, O Grande Circo Místico, foi selecionado para o Festival de Cannes, o que o levará de novo ao maior evento de cinema do mundo. Mas Cacá também anda com o coração oprimido. Escreveu um belíssimo texto para homenagear o amigo Nelson Pereira dos Santos, que morreu em 21 de abril. Comparou-o à luz do povo brasileiro, que não se apagará jamais. “Nelson foi uma referência fundamental para todos nós (do Cinema Novo).” Além de cineasta visceral, integrou a Academia Brasileira de Letras. Suas inúmeras adaptações – ficções e documentários – o credenciaram a ocupar uma cadeira na ABL. No próprio velório do amigo, Cacá ouviu de acadêmicos que deveria se candidatar à vaga de Nelson na Academia. Seria uma forma de manter o vínculo da ABL com o cinema brasileiro.

Mariana Ximenes em destaque no filme de Diegues. Foto: Rafael Daló

E ei-lo candidato, Cacá. “Nunca havia pensado nisso, mas vibrei quando Nelson se candidatou, e foi eleito. Nelson foi um modernista. Adaptou nossos maiores autores, pesquisou a linguagem, deu uma cara ao homem brasileiro na tela. Quando o comparei a uma luz, estava tentando dar conta de sua riqueza humana e artística. Será uma honra, se tiver de sucedê-lo na ABL.” O próprio Cacá assinou diversas adaptações. Mais até que uma adaptação, o novo filme é uma invenção. O Grande Circo Místico baseia-se no poema de Jorge de Lima. São 47 estrofes, não contam uma história, mas esboçam uma crônica familiar. Cacá e seu roteirista, George Moura, tiveram de inventar tudo. Desde que se tornou cineasta, no começo dos anos 1960, Cacá integrou quatro vezes a seleção oficial de Cannes, mais três vezes a da Quinzena dos Realizadores e uma vez a da Semana da Crítica. Foi jurado. Cannes e ele têm sido uma história de amor. Cacá se prepara para pisar de novo naquele tapete vermelho. Como roteirista, George Moura participou da montée des marches de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, há exatamente dez anos, e o filme venceu o prêmio de atriz para Sandra Corvelloni.

Moura é o autor de teledramaturgia de Onde Nascem os Fortes, a supersérie de José Luiz Villamarim, na Globo. Ele já avaliou, para o Estado, a diferença entre escrever para cinema e TV. “Aos 50 minutos, um roteiro de filme se encaminha para os finalmentes. Numa série, é só o começo, o tema está sendo esboçado.” E como é criar o roteiro de um poema? “Quando Cacá me chamou, não sabia nem por onde começar. Conversamos muito, e a única coisa de que me conscientizei, rapidamente, é que teria de ser um roteiro poético.” Posto que já estava até no título, tinha de ter um circo. “O toldo deveria abranger o Brasil”, dizia o diretor. Sempre o Brasil, o interesse autoral de Cacá. E Moura: “Para construir uma temporalidade, surgiu a ideia de fazemos coincidir o circo e o cometa Halley em terras brasileiras. Pesquisei e descobri que, nessas duas datas em que o cometa passou pelo Brasil, uma correspondia ao meu aniversário e outra, ao aniversário do Cacá. Não sei o que isso significa, nem se significa. Será mera coincidência?”

O cineastaCacá Diegues. Foto: Serjão Carvalho/Estadão

O circo, afinal, é místico. Evoca Federico Fellini e essa história do apogeu e decadência de um circo é também a de uma família. “Não pensei especificamente em Fellini, mas ele está entranhado no meu imaginário de cinéfilo, no seu”, diz o diretor. “Mas se tem algo de Fellini, tem também do Lola Montès Max Ophuls, outro gênio.” E tudo converge para um gran finale – um salto sem roupa, sem rede. Mulheres belíssimas, esvoaçando nuas. O efeito deu muito mais trabalho do que Cacá imaginava. Teve de ser refeito. Ele não quer contar os detalhes, porque acha que tiraria a graça, mas está feliz com a repercussão. Quem viu tem viajado na imagem, e no seu enigma. Alagoano, Cacá sempre foi atraído pela literatura de Jorge de Lima. Um grande crítico, Mário Faustino, lhe aguçou ainda mais a sensibilidade pelo poeta. Modernista, formalista, místico, barroco, até surrealista – a obra do autor desafia códigos e propõe desafios. Há quase 50 anos, Cacá já contou outra história do Brasil, por meio de outra família e filtrada pela Rádio Nacional – Os Herdeiros. O rádio, a TV, tudo cabe sob o toldo do Circo Místico. Ao repórter, o novo filme fez lembrar o anterior: “É curioso, outras pessoas já me falaram isso, mas não pensei especificamente em Os Herdeiros ao fazer o Circo, mas é possível, não sei. Ainda é cedo para avaliar”, reflete o diretor. Circo terá sua gala, em Cannes – fora de concurso –, às 19h do dia 12. Cacá, George Moura, as mulheres, Mariana Ximenes, Vincent Cassel estarão no tapete vermelho. O meneur du jeu, no filme, é Jesuíta Barbosa. Chama-se Celavie. Jesuíta não irá. Ainda grava Onde Nascem os Fortes. Como ator, iluminará aquela tela, a maior do mundo.

++ Cacá Diegues apresenta 'O Grande Circo Místico' em Cannes

Pendência judicial é ameaça

Juízes de um tribunal de Paris decidem sobre a realização do evento em uma sessão marcada para segunda, dia 7

Será daqui a exatamente uma semana. Na terça, 8, Cannes estenderá o tapete vermelho, iniciando o maior festival de cinema do mundo. Durante 12 dias, as diferentes seções do evento – competição, Un Certain Regard, Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica, Marché du Film – estarão abrigando tudo o que de mais avançado estiver em produção, ou terá sido produzido no último ano. E, então, no sábado 19, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett outorgará a Palma de Ouro. Quem vai levar?

O festival ainda nem começou para avaliar tendências, mas depois da polêmica com a Netflix, no ano passado, o 71.º Festival de Cannes não se anuncia menos controverso. Para início de conversa, uma pendência judicial ameaça a seleção oficial de 2018 e só será resolvida por um tribunal de Paris na segunda-feira, 7. O festival selecionou, como filme de encerramento, The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, e o filme está ameaçado de não passar por causa do pedido de interdição do produtor português Paulo Branco. Ele foi parceiro do diretor no começo do projeto, e depois se afastou. Agora tenta recuperar seus direitos.

Cannes – leia-se o delegado Thiérry Fremaux e o diretor geral Pierre Lescure – divulgou nesta segunda uma nota irada acusando Branco de proclamar ao mundo que deve sua carreira ao festival e aos grandes diretores com quem trabalhou, mas que, nesse momento, ao invés de apoiar o evento, o produtor volta-se contra Cannes e tudo o que significa como liberdade de expressão. Paulo Branco poderá se converter na nova persona non grata na Croisette, e isso quando Lars Voin Trier, desligado do festival de 2011 por declarações consideradas racistas na coletiva de Melancolia, está de volta com The House That Jack Built.

O retorno do autor dinamarquês, mesmo fora de concurso, promete ser um dos destaques deste ano e, para abrir a nova edição, o festival programou outro filme dos mais aguardados. O iraniano Asghar Farhadi fará a abertura com seu thriller em língua espanhola, Todos lo Saben. Só o elenco desse filme já vale todo um tapete vermelho – Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem. A seleção, propriamente dita – os filmes que vão concorrer à Palma de Ouro –, privilegia a produção masculina. Thiérry Fremaux já disse que, por mais que respeite movimentos como Time's Up e #MeToo, a seleção oficial nunca foi uma questão de gênero. Ele seleciona o que lhe parece melhor, esses são filmes dirigidos por homens – que sejam.

Jean-Luc Godard (O Livro de Imagens), Spike Lee (BlacKkKlansman), Jafar Panahi (Three Faces) e Hirokazu Kore-eda (Shoplifters) são alguns dos diretores da competição. A italiana Alice Rohrwacher, de Lazzaro Felice, uma das raras mulheres. O Brasil participa da seleção oficial, fora de concurso, com Cacá Diegues – O Grande Circo Místico. O festival baixou uma norma. Selfies não serão tolerados no tapete vermelho. Quem insistir, terá o celular confiscado.

Cacá Diegues tem vivido momentos de euforia. Seu novo longa, O Grande Circo Místico, foi selecionado para o Festival de Cannes, o que o levará de novo ao maior evento de cinema do mundo. Mas Cacá também anda com o coração oprimido. Escreveu um belíssimo texto para homenagear o amigo Nelson Pereira dos Santos, que morreu em 21 de abril. Comparou-o à luz do povo brasileiro, que não se apagará jamais. “Nelson foi uma referência fundamental para todos nós (do Cinema Novo).” Além de cineasta visceral, integrou a Academia Brasileira de Letras. Suas inúmeras adaptações – ficções e documentários – o credenciaram a ocupar uma cadeira na ABL. No próprio velório do amigo, Cacá ouviu de acadêmicos que deveria se candidatar à vaga de Nelson na Academia. Seria uma forma de manter o vínculo da ABL com o cinema brasileiro.

Mariana Ximenes em destaque no filme de Diegues. Foto: Rafael Daló

E ei-lo candidato, Cacá. “Nunca havia pensado nisso, mas vibrei quando Nelson se candidatou, e foi eleito. Nelson foi um modernista. Adaptou nossos maiores autores, pesquisou a linguagem, deu uma cara ao homem brasileiro na tela. Quando o comparei a uma luz, estava tentando dar conta de sua riqueza humana e artística. Será uma honra, se tiver de sucedê-lo na ABL.” O próprio Cacá assinou diversas adaptações. Mais até que uma adaptação, o novo filme é uma invenção. O Grande Circo Místico baseia-se no poema de Jorge de Lima. São 47 estrofes, não contam uma história, mas esboçam uma crônica familiar. Cacá e seu roteirista, George Moura, tiveram de inventar tudo. Desde que se tornou cineasta, no começo dos anos 1960, Cacá integrou quatro vezes a seleção oficial de Cannes, mais três vezes a da Quinzena dos Realizadores e uma vez a da Semana da Crítica. Foi jurado. Cannes e ele têm sido uma história de amor. Cacá se prepara para pisar de novo naquele tapete vermelho. Como roteirista, George Moura participou da montée des marches de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, há exatamente dez anos, e o filme venceu o prêmio de atriz para Sandra Corvelloni.

Moura é o autor de teledramaturgia de Onde Nascem os Fortes, a supersérie de José Luiz Villamarim, na Globo. Ele já avaliou, para o Estado, a diferença entre escrever para cinema e TV. “Aos 50 minutos, um roteiro de filme se encaminha para os finalmentes. Numa série, é só o começo, o tema está sendo esboçado.” E como é criar o roteiro de um poema? “Quando Cacá me chamou, não sabia nem por onde começar. Conversamos muito, e a única coisa de que me conscientizei, rapidamente, é que teria de ser um roteiro poético.” Posto que já estava até no título, tinha de ter um circo. “O toldo deveria abranger o Brasil”, dizia o diretor. Sempre o Brasil, o interesse autoral de Cacá. E Moura: “Para construir uma temporalidade, surgiu a ideia de fazemos coincidir o circo e o cometa Halley em terras brasileiras. Pesquisei e descobri que, nessas duas datas em que o cometa passou pelo Brasil, uma correspondia ao meu aniversário e outra, ao aniversário do Cacá. Não sei o que isso significa, nem se significa. Será mera coincidência?”

O cineastaCacá Diegues. Foto: Serjão Carvalho/Estadão

O circo, afinal, é místico. Evoca Federico Fellini e essa história do apogeu e decadência de um circo é também a de uma família. “Não pensei especificamente em Fellini, mas ele está entranhado no meu imaginário de cinéfilo, no seu”, diz o diretor. “Mas se tem algo de Fellini, tem também do Lola Montès Max Ophuls, outro gênio.” E tudo converge para um gran finale – um salto sem roupa, sem rede. Mulheres belíssimas, esvoaçando nuas. O efeito deu muito mais trabalho do que Cacá imaginava. Teve de ser refeito. Ele não quer contar os detalhes, porque acha que tiraria a graça, mas está feliz com a repercussão. Quem viu tem viajado na imagem, e no seu enigma. Alagoano, Cacá sempre foi atraído pela literatura de Jorge de Lima. Um grande crítico, Mário Faustino, lhe aguçou ainda mais a sensibilidade pelo poeta. Modernista, formalista, místico, barroco, até surrealista – a obra do autor desafia códigos e propõe desafios. Há quase 50 anos, Cacá já contou outra história do Brasil, por meio de outra família e filtrada pela Rádio Nacional – Os Herdeiros. O rádio, a TV, tudo cabe sob o toldo do Circo Místico. Ao repórter, o novo filme fez lembrar o anterior: “É curioso, outras pessoas já me falaram isso, mas não pensei especificamente em Os Herdeiros ao fazer o Circo, mas é possível, não sei. Ainda é cedo para avaliar”, reflete o diretor. Circo terá sua gala, em Cannes – fora de concurso –, às 19h do dia 12. Cacá, George Moura, as mulheres, Mariana Ximenes, Vincent Cassel estarão no tapete vermelho. O meneur du jeu, no filme, é Jesuíta Barbosa. Chama-se Celavie. Jesuíta não irá. Ainda grava Onde Nascem os Fortes. Como ator, iluminará aquela tela, a maior do mundo.

++ Cacá Diegues apresenta 'O Grande Circo Místico' em Cannes

Pendência judicial é ameaça

Juízes de um tribunal de Paris decidem sobre a realização do evento em uma sessão marcada para segunda, dia 7

Será daqui a exatamente uma semana. Na terça, 8, Cannes estenderá o tapete vermelho, iniciando o maior festival de cinema do mundo. Durante 12 dias, as diferentes seções do evento – competição, Un Certain Regard, Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica, Marché du Film – estarão abrigando tudo o que de mais avançado estiver em produção, ou terá sido produzido no último ano. E, então, no sábado 19, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett outorgará a Palma de Ouro. Quem vai levar?

O festival ainda nem começou para avaliar tendências, mas depois da polêmica com a Netflix, no ano passado, o 71.º Festival de Cannes não se anuncia menos controverso. Para início de conversa, uma pendência judicial ameaça a seleção oficial de 2018 e só será resolvida por um tribunal de Paris na segunda-feira, 7. O festival selecionou, como filme de encerramento, The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, e o filme está ameaçado de não passar por causa do pedido de interdição do produtor português Paulo Branco. Ele foi parceiro do diretor no começo do projeto, e depois se afastou. Agora tenta recuperar seus direitos.

Cannes – leia-se o delegado Thiérry Fremaux e o diretor geral Pierre Lescure – divulgou nesta segunda uma nota irada acusando Branco de proclamar ao mundo que deve sua carreira ao festival e aos grandes diretores com quem trabalhou, mas que, nesse momento, ao invés de apoiar o evento, o produtor volta-se contra Cannes e tudo o que significa como liberdade de expressão. Paulo Branco poderá se converter na nova persona non grata na Croisette, e isso quando Lars Voin Trier, desligado do festival de 2011 por declarações consideradas racistas na coletiva de Melancolia, está de volta com The House That Jack Built.

O retorno do autor dinamarquês, mesmo fora de concurso, promete ser um dos destaques deste ano e, para abrir a nova edição, o festival programou outro filme dos mais aguardados. O iraniano Asghar Farhadi fará a abertura com seu thriller em língua espanhola, Todos lo Saben. Só o elenco desse filme já vale todo um tapete vermelho – Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem. A seleção, propriamente dita – os filmes que vão concorrer à Palma de Ouro –, privilegia a produção masculina. Thiérry Fremaux já disse que, por mais que respeite movimentos como Time's Up e #MeToo, a seleção oficial nunca foi uma questão de gênero. Ele seleciona o que lhe parece melhor, esses são filmes dirigidos por homens – que sejam.

Jean-Luc Godard (O Livro de Imagens), Spike Lee (BlacKkKlansman), Jafar Panahi (Three Faces) e Hirokazu Kore-eda (Shoplifters) são alguns dos diretores da competição. A italiana Alice Rohrwacher, de Lazzaro Felice, uma das raras mulheres. O Brasil participa da seleção oficial, fora de concurso, com Cacá Diegues – O Grande Circo Místico. O festival baixou uma norma. Selfies não serão tolerados no tapete vermelho. Quem insistir, terá o celular confiscado.

Cacá Diegues tem vivido momentos de euforia. Seu novo longa, O Grande Circo Místico, foi selecionado para o Festival de Cannes, o que o levará de novo ao maior evento de cinema do mundo. Mas Cacá também anda com o coração oprimido. Escreveu um belíssimo texto para homenagear o amigo Nelson Pereira dos Santos, que morreu em 21 de abril. Comparou-o à luz do povo brasileiro, que não se apagará jamais. “Nelson foi uma referência fundamental para todos nós (do Cinema Novo).” Além de cineasta visceral, integrou a Academia Brasileira de Letras. Suas inúmeras adaptações – ficções e documentários – o credenciaram a ocupar uma cadeira na ABL. No próprio velório do amigo, Cacá ouviu de acadêmicos que deveria se candidatar à vaga de Nelson na Academia. Seria uma forma de manter o vínculo da ABL com o cinema brasileiro.

Mariana Ximenes em destaque no filme de Diegues. Foto: Rafael Daló

E ei-lo candidato, Cacá. “Nunca havia pensado nisso, mas vibrei quando Nelson se candidatou, e foi eleito. Nelson foi um modernista. Adaptou nossos maiores autores, pesquisou a linguagem, deu uma cara ao homem brasileiro na tela. Quando o comparei a uma luz, estava tentando dar conta de sua riqueza humana e artística. Será uma honra, se tiver de sucedê-lo na ABL.” O próprio Cacá assinou diversas adaptações. Mais até que uma adaptação, o novo filme é uma invenção. O Grande Circo Místico baseia-se no poema de Jorge de Lima. São 47 estrofes, não contam uma história, mas esboçam uma crônica familiar. Cacá e seu roteirista, George Moura, tiveram de inventar tudo. Desde que se tornou cineasta, no começo dos anos 1960, Cacá integrou quatro vezes a seleção oficial de Cannes, mais três vezes a da Quinzena dos Realizadores e uma vez a da Semana da Crítica. Foi jurado. Cannes e ele têm sido uma história de amor. Cacá se prepara para pisar de novo naquele tapete vermelho. Como roteirista, George Moura participou da montée des marches de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, há exatamente dez anos, e o filme venceu o prêmio de atriz para Sandra Corvelloni.

Moura é o autor de teledramaturgia de Onde Nascem os Fortes, a supersérie de José Luiz Villamarim, na Globo. Ele já avaliou, para o Estado, a diferença entre escrever para cinema e TV. “Aos 50 minutos, um roteiro de filme se encaminha para os finalmentes. Numa série, é só o começo, o tema está sendo esboçado.” E como é criar o roteiro de um poema? “Quando Cacá me chamou, não sabia nem por onde começar. Conversamos muito, e a única coisa de que me conscientizei, rapidamente, é que teria de ser um roteiro poético.” Posto que já estava até no título, tinha de ter um circo. “O toldo deveria abranger o Brasil”, dizia o diretor. Sempre o Brasil, o interesse autoral de Cacá. E Moura: “Para construir uma temporalidade, surgiu a ideia de fazemos coincidir o circo e o cometa Halley em terras brasileiras. Pesquisei e descobri que, nessas duas datas em que o cometa passou pelo Brasil, uma correspondia ao meu aniversário e outra, ao aniversário do Cacá. Não sei o que isso significa, nem se significa. Será mera coincidência?”

O cineastaCacá Diegues. Foto: Serjão Carvalho/Estadão

O circo, afinal, é místico. Evoca Federico Fellini e essa história do apogeu e decadência de um circo é também a de uma família. “Não pensei especificamente em Fellini, mas ele está entranhado no meu imaginário de cinéfilo, no seu”, diz o diretor. “Mas se tem algo de Fellini, tem também do Lola Montès Max Ophuls, outro gênio.” E tudo converge para um gran finale – um salto sem roupa, sem rede. Mulheres belíssimas, esvoaçando nuas. O efeito deu muito mais trabalho do que Cacá imaginava. Teve de ser refeito. Ele não quer contar os detalhes, porque acha que tiraria a graça, mas está feliz com a repercussão. Quem viu tem viajado na imagem, e no seu enigma. Alagoano, Cacá sempre foi atraído pela literatura de Jorge de Lima. Um grande crítico, Mário Faustino, lhe aguçou ainda mais a sensibilidade pelo poeta. Modernista, formalista, místico, barroco, até surrealista – a obra do autor desafia códigos e propõe desafios. Há quase 50 anos, Cacá já contou outra história do Brasil, por meio de outra família e filtrada pela Rádio Nacional – Os Herdeiros. O rádio, a TV, tudo cabe sob o toldo do Circo Místico. Ao repórter, o novo filme fez lembrar o anterior: “É curioso, outras pessoas já me falaram isso, mas não pensei especificamente em Os Herdeiros ao fazer o Circo, mas é possível, não sei. Ainda é cedo para avaliar”, reflete o diretor. Circo terá sua gala, em Cannes – fora de concurso –, às 19h do dia 12. Cacá, George Moura, as mulheres, Mariana Ximenes, Vincent Cassel estarão no tapete vermelho. O meneur du jeu, no filme, é Jesuíta Barbosa. Chama-se Celavie. Jesuíta não irá. Ainda grava Onde Nascem os Fortes. Como ator, iluminará aquela tela, a maior do mundo.

++ Cacá Diegues apresenta 'O Grande Circo Místico' em Cannes

Pendência judicial é ameaça

Juízes de um tribunal de Paris decidem sobre a realização do evento em uma sessão marcada para segunda, dia 7

Será daqui a exatamente uma semana. Na terça, 8, Cannes estenderá o tapete vermelho, iniciando o maior festival de cinema do mundo. Durante 12 dias, as diferentes seções do evento – competição, Un Certain Regard, Quinzena dos Realizadores, Semana da Crítica, Marché du Film – estarão abrigando tudo o que de mais avançado estiver em produção, ou terá sido produzido no último ano. E, então, no sábado 19, o júri presidido pela atriz Cate Blanchett outorgará a Palma de Ouro. Quem vai levar?

O festival ainda nem começou para avaliar tendências, mas depois da polêmica com a Netflix, no ano passado, o 71.º Festival de Cannes não se anuncia menos controverso. Para início de conversa, uma pendência judicial ameaça a seleção oficial de 2018 e só será resolvida por um tribunal de Paris na segunda-feira, 7. O festival selecionou, como filme de encerramento, The Man Who Killed Don Quixote, de Terry Gilliam, e o filme está ameaçado de não passar por causa do pedido de interdição do produtor português Paulo Branco. Ele foi parceiro do diretor no começo do projeto, e depois se afastou. Agora tenta recuperar seus direitos.

Cannes – leia-se o delegado Thiérry Fremaux e o diretor geral Pierre Lescure – divulgou nesta segunda uma nota irada acusando Branco de proclamar ao mundo que deve sua carreira ao festival e aos grandes diretores com quem trabalhou, mas que, nesse momento, ao invés de apoiar o evento, o produtor volta-se contra Cannes e tudo o que significa como liberdade de expressão. Paulo Branco poderá se converter na nova persona non grata na Croisette, e isso quando Lars Voin Trier, desligado do festival de 2011 por declarações consideradas racistas na coletiva de Melancolia, está de volta com The House That Jack Built.

O retorno do autor dinamarquês, mesmo fora de concurso, promete ser um dos destaques deste ano e, para abrir a nova edição, o festival programou outro filme dos mais aguardados. O iraniano Asghar Farhadi fará a abertura com seu thriller em língua espanhola, Todos lo Saben. Só o elenco desse filme já vale todo um tapete vermelho – Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem. A seleção, propriamente dita – os filmes que vão concorrer à Palma de Ouro –, privilegia a produção masculina. Thiérry Fremaux já disse que, por mais que respeite movimentos como Time's Up e #MeToo, a seleção oficial nunca foi uma questão de gênero. Ele seleciona o que lhe parece melhor, esses são filmes dirigidos por homens – que sejam.

Jean-Luc Godard (O Livro de Imagens), Spike Lee (BlacKkKlansman), Jafar Panahi (Three Faces) e Hirokazu Kore-eda (Shoplifters) são alguns dos diretores da competição. A italiana Alice Rohrwacher, de Lazzaro Felice, uma das raras mulheres. O Brasil participa da seleção oficial, fora de concurso, com Cacá Diegues – O Grande Circo Místico. O festival baixou uma norma. Selfies não serão tolerados no tapete vermelho. Quem insistir, terá o celular confiscado.

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