Imagine que o universo cinematográfico da DC é um avião. Há muito tempo, decolou com um piloto empolgado, dizendo que pousariam em um paraíso. Muita gente comprou a ideia, mas a coisa não deu certo: o piloto precisou sair de seu posto, o voo teve muita turbulência e a tripulação passou por algumas perdas. Agora, prestes a pousar, o avião apresenta suas manobras finais para, quem sabe, terminar em um destino melhor do que se anuncia. A penúltima manobra vem com Besouro Azul, filme que chega aos cinemas nesta quinta, 17.
O longa-metragem é, em tese, o penúltimo filme desse universo criado lá atrás por Zack Snyder – o último chega no final do ano, se tudo der certo, com Aquaman 2. No entanto, assim como aconteceu com Shazam 2, o novo chefão da DC Studios, James Gunn, tenta deixar o filme mais interessante: diz que, ao contrário do que parece, o super-herói aqui apresentado não será descontinuado e que, para ele, há possibilidades de voltar a aparecer no universo que começa a ser criado quase do zero, aproveitando pouca coisa de antes.
O fato é que, apesar de ser um filme que fica balançando entre a vida e a morte dentro do novo universo da DC nos cinemas, Besouro Azul talvez seja o mais competente lançado este ano pela empresa – afinal, é mais interessante do que Shazam 2 e muito mais bem acabado do que The Flash. Dirigido por Angel Manuel Soto (do pouco conhecido La Granja), o novo filme da DC se aproxima da ingenuidade do Homem-Aranha em uma trama que não tenta ser mais complexa do que precisa. É aquilo que estamos vendo e fim.
Jaime Reyes (Xolo Maridueña), o protagonista, é um filho de mexicanos que tenta a sorte após se formar na faculdade. A família não vai bem, após um infarto do pai e a ameaça de perder a casa. Ele, assim, talvez seja a última esperança. Só que o desejo de seguir uma carreira como advogado, talvez, seja frustrado quando ele conhece Jenny (Bruna Marquezine).
Na tentativa de conseguir um emprego com ela, acaba entrando em contato com um artefato que o transforma no mítico Besouro Azul, um super-herói com habilidades de um besouro, como força e uma carapaça – aqui, digital – que o protege de tiros.
Entre besouros e aranhas
Difícil não traçar paralelos com o Cabeça de Teia da Marvel. Comparações entre insetos e aracnídeos à parte, os dois heróis são jovens precisando lidar com poderes que chegam de repente, sem aviso. Um é picado por uma aranha, outro é “possuído” por um besouro.
A ingenuidade nesse tipo de personagem acaba sendo um refresco interessante em um mar de produções que, nos últimos anos, estão se levando a sério demais, com uma complexidade desnecessária. Besouro Azul tem uma história fechadinha em que acompanhamos esse jovem aprendendo a lidar com seus poderes em um ambiente que tenta esmagá-lo a qualquer custo – em uma analogia, inclusive, com a situação dos próprios latinos nos Estados Unidos. O sistema bate e persegue, mas ele é resistente.
Xolo Maridueña se revela como uma verdadeira estrela: ao lado de boas atuações de Bruna Marquezine e de George Lopez, o tio Rudy, o rapaz consegue transitar bem entre as emoções. Dá para comprar, com sinceridade, o desespero do rapaz na hora que descobre os seus poderes. Existem ali medo e surpresa genuínos.
Fãs de Bruna Marquezine também não precisam se preocupar. Como já foi visto em novelas como Mulheres Apaixonadas (quando ela era apenas uma criança!) e Em Família, por exemplo, a atriz tem uma capacidade impressionante de transitar entre emoções. Isso, em um filme de super-herói que exagera na comédia e no drama, é essencial.
Também são boas as referências que o roteiro de Gareth Dunnet-Alcocer faz à cultura mexicana, como telenovelas e um seriado que é queridíssimo entre os brasileiros. Entrega graça e verdade para a história do herói.
Os problemas de ‘Besouro Azul’
No entanto, não dá pra dizer que a manobra desse avião gigantesco da DC nos cinemas é totalmente bem sucedida. Há problemas aqui em uma trama que parece adorar passear entre altos e baixos. É o caso, por exemplo, da vilã vivida por Susan Sarandon: completamente à toa na história, acaba sendo mais um clichê ambulante do que uma vilã de fato. É ela quem maquina por trás, mas não deixa de ser aquele estereótipo da pessoa que dá uma gargalhada fatal, esfregando as mãos. Falta consistência e profundidade.
E cadê as boas cenas de ação? Tirando uma última sequência, com inspiração em animes como Dragon Ball, todas as outras são esquecíveis, com um trabalho artístico e visual que nada tem de refinado, sempre apostando em colocar a visão do herói de dentro de seu capacete. Falta mais apuro na movimentação de câmera, que parece correr em alguns momentos para diminuir os gastos com efeitos especiais – afinal, o filme acabou com um orçamento de US$ 120 milhões, precisando de uns US$ 300 milhões para se pagar.
Besouro Azul, assim, é uma última manobra surpreendente da DC, mas que não resolve todos os seus problemas – que começaram lá atrás, quando esqueceram de traçar a rota. É divertido, tem um bom protagonista e traz uma latinidade sincera, ainda que em alguns momentos exagerada. Se fosse em outro momento, poderia indicar uma longa vida dentro do universo da DC nos cinemas, mas agora com Gunn no comando tudo fica imprevisível. A torcida, porém, é que o Besouro Azul sobreviva ao pouso forçado que se aproxima.