"Bicho de Sete Cabeças" testa o grande público


Depois de conquistar crítica e público nos festivais por que passou, filme de Laís Bodanzky chega amanhã a 50 salas de 11 cidades do País

Por Agencia Estado

Foram sete prêmios no Festival de Brasília do ano passado - na verdade, nove, porque aos Candangos do júri oficial, Bicho de Sete Cabeças somou mais dois prêmios de júris paralelos. Foram ratificados no Festival do Recife, em abril, que acrescentou aos prêmios de Brasília dois que haviam sido escandalosamente esquecidos nos Candangos (o de melhor roteiro e atriz coadjuvante). Melhor filme, direção, roteiro, ator, ator coadjuvante, montagem... Bicho de Sete Cabeças finalmente estréia amanhã em 50 salas de 11 cidades do País. É o melhor filme brasileiro desde a retomada, após a nefasta era Collor. O trailer não faz justiça ao belo trabalho que Laís Bodanzky adaptou do livro de Austregésilo Carrano, Canto dos Malditos. Sucesso de crítica - nem toda unanimidade é burra, ao contrário do que dizia Nélson Rodrigues -, Bicho tem arrebatado as platéias de festivais e também o público das pré-estréias pelo Brasil afora. Laís e o marido (e roteirista) Luís Bolognesi percorreram diversas cidades mostrando o filme em eventos promovidos pelo Movimento Antimanicomial. Encontraram sempre uma acolhida calorosa. O mesmo entusiasmo marcou as sessões do Bicho que o Ministério da Saúde promoveu para profissionais da área, no Rio e em São Paulo. Laís lembra que este é o Ano Internacional da Saúde Mental. Bicho não foi feito para marcar a data, mas é perfeito para levantar o debate necessário sobre o assunto, não só no Brasil, mas no mundo. Os elogios dos críticos, a acolhida do público nas sessões especiais, por tudo isso Laís admite que está nervosa, com aquele frio na espinha. Fez o filme como se fosse um filho. A partir de amanhã, Bicho ganha o mundo, começa a andar. Qual será a acolhida? Não é uma comerciante que antecipa lucros. É a artista sensível que sabe que tem algo a dizer e gostaria de ser ouvida pelo maior número possível de pessoas. "Apesar de todo o apoio que estamos tendo da distribuidora Columbia e da Riofilme, que investiu dinheiro na produção, nossa verba para a mídia é reduzida; estamos apostando no boca a boca", diz. No Rio e em São Paulo, Bicho não tem oudoors, mas busdoors - ou seja, a publicidade do filme está estampada em ônibus. Nas demais cidades, tem agentes - quase sempre ligados ao Movimento Antimanicomial - que trabalham para que o filme dê certo. Tão siderada Laís está com o lançamento que prefere não falar sobre a nova fase do Castelo Rá-Tim-Bum, que vai fazer na Cultura ("Eles não querem falar nada por enquanto e eu também ainda não assumi o projeto"), nem sobre o próximo filme ("Tenho dois projetos ainda muito incipientes, preciso trabalhar, pesquisar, preciso de um tempo que agora não tenho"). Sua atenção está inteiramente voltada para o Bicho para essa ruptura de cordão umbilical, para a entrega do filme às platéias brasileiras. Divisor de águas - Rodrigo Santoro, duplamente premiado como melhor ator (em Brasília e no Recife), tem sido um parceiro admirável. Ele vai com o Bicho aonde o filme for. Veio a São Paulo esta semana para a pré-estréia de terça no Shopping Jardim Sul. Santoro sabe que Bicho é um divisor de águas em sua carreira. Antes, havia o galã, rótulo pejorativo que lhe colaram porque, tendo boa estampa e fazendo novelas no estilo naturalista da Globo, não saberia representar, sendo apenas ele mesmo diante das câmeras. O galã virou um senhor ator com Bicho e na seqüência veio Abril Despedaçado, o novo filme de Walter Salles, adaptado do romance de Ismail Kadaré. Dois papéis que redimensionam a carreira de qualquer ator. Até o retorno às novelas foi prazeroso. Santoro fez seu primeiro vilão em Estrela Guia, a recém-concluída novela das 6, que a Globo formatou para Sandy. A moçada adorou - a estrela, o vilão. "Me diziam que o cara era muito engraçado; tentei não fazê-lo estereotipado, acho que consegui." Mas a paixão de Rodrigo é Neto, o protagonista de Bicho. Neto é o escritor Austregésilo Carrano, que conheceu o inferno ao ser internado pelo próprio pai, quando descobriu que o filho, por fumar um baseado, era ´drogado´. A família como instituição repressora, o sistema manicomial como representação do horror. E, sobre tudo isso, os versos de Arnaldo Antunes ("O teu olhar melhora o meu..."), pois nessa maneira de olhar o mundo, de refletir sobre perdas e o doloroso processo de um homem para emergir do inferno e acertar contas com o pai, a sociedade, Bicho não deixa de ser também um filme sobre o cinema. A tendência mais fácil é aproximar Bicho de Um Estranho no Ninho, o filme de Milos Forman que deu a Jack Nicholson seu primeiro Oscar, nos anos 70. Uma leitura mais sofisticada consiste em filtrar Um Estranho no Ninho pelo poderoso Vida em Família, que Ken Loach fez baseado nas idéias do antipsiquiatra Ronald D. Laing. Laís não conhecia o filme de Loach ao fazer o dela, tinha o de Forman como referência, mas, mais do que qualquer influência, queria fazer o "seu" filme. Isso significava pegar a história real de Carrano, ocorrida nos anos 70, e transportá-la para os anos 2000, com um tratamento audiovisual capaz de falar ao espectador, ao jovem, de hoje. Luís Bolognesi baseou-se no livro de Carrano, mas a estrutura do filme só começou a ser montada em sua cabeça quando ele acrescentou, àquele texto, o da carta que Carrano escreveu ao pai, incluída no apêndice, e a carta que Franz Kafka escreveu a seu pai. E ainda houve outra fonte importante - o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, com a letra de Judiaria. Laís tinha o roteiro, os atores - Santoro, Othon Bastos, o genial Gero Camilo, que faz Ceará, a magnífica Cássia Kiss -, os técnicos. Hoje ela reconhece que a grande lição da feitura de Bicho foi o respeito às diferentes etapas da produção. O filme foi feito com paixão em todas as fases. Ela espera repetir a experiência, de forma ainda mais madura, no próximo filme. Quanto a você, se ainda tiver qualquer tipo de preconceito com o cinema brasileiro - e por que teria? Pense nisso -, dispa-se dele. Brasileiríssimo, Bicho não é só um grande filme brasileiro. É um grande filme, independentemente de bandeira. Bicho de Sete Cabeças. Drama. Direção de Laís Bodansky. Br/2000. Duração: 80 minutos. 14 anos.

Foram sete prêmios no Festival de Brasília do ano passado - na verdade, nove, porque aos Candangos do júri oficial, Bicho de Sete Cabeças somou mais dois prêmios de júris paralelos. Foram ratificados no Festival do Recife, em abril, que acrescentou aos prêmios de Brasília dois que haviam sido escandalosamente esquecidos nos Candangos (o de melhor roteiro e atriz coadjuvante). Melhor filme, direção, roteiro, ator, ator coadjuvante, montagem... Bicho de Sete Cabeças finalmente estréia amanhã em 50 salas de 11 cidades do País. É o melhor filme brasileiro desde a retomada, após a nefasta era Collor. O trailer não faz justiça ao belo trabalho que Laís Bodanzky adaptou do livro de Austregésilo Carrano, Canto dos Malditos. Sucesso de crítica - nem toda unanimidade é burra, ao contrário do que dizia Nélson Rodrigues -, Bicho tem arrebatado as platéias de festivais e também o público das pré-estréias pelo Brasil afora. Laís e o marido (e roteirista) Luís Bolognesi percorreram diversas cidades mostrando o filme em eventos promovidos pelo Movimento Antimanicomial. Encontraram sempre uma acolhida calorosa. O mesmo entusiasmo marcou as sessões do Bicho que o Ministério da Saúde promoveu para profissionais da área, no Rio e em São Paulo. Laís lembra que este é o Ano Internacional da Saúde Mental. Bicho não foi feito para marcar a data, mas é perfeito para levantar o debate necessário sobre o assunto, não só no Brasil, mas no mundo. Os elogios dos críticos, a acolhida do público nas sessões especiais, por tudo isso Laís admite que está nervosa, com aquele frio na espinha. Fez o filme como se fosse um filho. A partir de amanhã, Bicho ganha o mundo, começa a andar. Qual será a acolhida? Não é uma comerciante que antecipa lucros. É a artista sensível que sabe que tem algo a dizer e gostaria de ser ouvida pelo maior número possível de pessoas. "Apesar de todo o apoio que estamos tendo da distribuidora Columbia e da Riofilme, que investiu dinheiro na produção, nossa verba para a mídia é reduzida; estamos apostando no boca a boca", diz. No Rio e em São Paulo, Bicho não tem oudoors, mas busdoors - ou seja, a publicidade do filme está estampada em ônibus. Nas demais cidades, tem agentes - quase sempre ligados ao Movimento Antimanicomial - que trabalham para que o filme dê certo. Tão siderada Laís está com o lançamento que prefere não falar sobre a nova fase do Castelo Rá-Tim-Bum, que vai fazer na Cultura ("Eles não querem falar nada por enquanto e eu também ainda não assumi o projeto"), nem sobre o próximo filme ("Tenho dois projetos ainda muito incipientes, preciso trabalhar, pesquisar, preciso de um tempo que agora não tenho"). Sua atenção está inteiramente voltada para o Bicho para essa ruptura de cordão umbilical, para a entrega do filme às platéias brasileiras. Divisor de águas - Rodrigo Santoro, duplamente premiado como melhor ator (em Brasília e no Recife), tem sido um parceiro admirável. Ele vai com o Bicho aonde o filme for. Veio a São Paulo esta semana para a pré-estréia de terça no Shopping Jardim Sul. Santoro sabe que Bicho é um divisor de águas em sua carreira. Antes, havia o galã, rótulo pejorativo que lhe colaram porque, tendo boa estampa e fazendo novelas no estilo naturalista da Globo, não saberia representar, sendo apenas ele mesmo diante das câmeras. O galã virou um senhor ator com Bicho e na seqüência veio Abril Despedaçado, o novo filme de Walter Salles, adaptado do romance de Ismail Kadaré. Dois papéis que redimensionam a carreira de qualquer ator. Até o retorno às novelas foi prazeroso. Santoro fez seu primeiro vilão em Estrela Guia, a recém-concluída novela das 6, que a Globo formatou para Sandy. A moçada adorou - a estrela, o vilão. "Me diziam que o cara era muito engraçado; tentei não fazê-lo estereotipado, acho que consegui." Mas a paixão de Rodrigo é Neto, o protagonista de Bicho. Neto é o escritor Austregésilo Carrano, que conheceu o inferno ao ser internado pelo próprio pai, quando descobriu que o filho, por fumar um baseado, era ´drogado´. A família como instituição repressora, o sistema manicomial como representação do horror. E, sobre tudo isso, os versos de Arnaldo Antunes ("O teu olhar melhora o meu..."), pois nessa maneira de olhar o mundo, de refletir sobre perdas e o doloroso processo de um homem para emergir do inferno e acertar contas com o pai, a sociedade, Bicho não deixa de ser também um filme sobre o cinema. A tendência mais fácil é aproximar Bicho de Um Estranho no Ninho, o filme de Milos Forman que deu a Jack Nicholson seu primeiro Oscar, nos anos 70. Uma leitura mais sofisticada consiste em filtrar Um Estranho no Ninho pelo poderoso Vida em Família, que Ken Loach fez baseado nas idéias do antipsiquiatra Ronald D. Laing. Laís não conhecia o filme de Loach ao fazer o dela, tinha o de Forman como referência, mas, mais do que qualquer influência, queria fazer o "seu" filme. Isso significava pegar a história real de Carrano, ocorrida nos anos 70, e transportá-la para os anos 2000, com um tratamento audiovisual capaz de falar ao espectador, ao jovem, de hoje. Luís Bolognesi baseou-se no livro de Carrano, mas a estrutura do filme só começou a ser montada em sua cabeça quando ele acrescentou, àquele texto, o da carta que Carrano escreveu ao pai, incluída no apêndice, e a carta que Franz Kafka escreveu a seu pai. E ainda houve outra fonte importante - o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, com a letra de Judiaria. Laís tinha o roteiro, os atores - Santoro, Othon Bastos, o genial Gero Camilo, que faz Ceará, a magnífica Cássia Kiss -, os técnicos. Hoje ela reconhece que a grande lição da feitura de Bicho foi o respeito às diferentes etapas da produção. O filme foi feito com paixão em todas as fases. Ela espera repetir a experiência, de forma ainda mais madura, no próximo filme. Quanto a você, se ainda tiver qualquer tipo de preconceito com o cinema brasileiro - e por que teria? Pense nisso -, dispa-se dele. Brasileiríssimo, Bicho não é só um grande filme brasileiro. É um grande filme, independentemente de bandeira. Bicho de Sete Cabeças. Drama. Direção de Laís Bodansky. Br/2000. Duração: 80 minutos. 14 anos.

Foram sete prêmios no Festival de Brasília do ano passado - na verdade, nove, porque aos Candangos do júri oficial, Bicho de Sete Cabeças somou mais dois prêmios de júris paralelos. Foram ratificados no Festival do Recife, em abril, que acrescentou aos prêmios de Brasília dois que haviam sido escandalosamente esquecidos nos Candangos (o de melhor roteiro e atriz coadjuvante). Melhor filme, direção, roteiro, ator, ator coadjuvante, montagem... Bicho de Sete Cabeças finalmente estréia amanhã em 50 salas de 11 cidades do País. É o melhor filme brasileiro desde a retomada, após a nefasta era Collor. O trailer não faz justiça ao belo trabalho que Laís Bodanzky adaptou do livro de Austregésilo Carrano, Canto dos Malditos. Sucesso de crítica - nem toda unanimidade é burra, ao contrário do que dizia Nélson Rodrigues -, Bicho tem arrebatado as platéias de festivais e também o público das pré-estréias pelo Brasil afora. Laís e o marido (e roteirista) Luís Bolognesi percorreram diversas cidades mostrando o filme em eventos promovidos pelo Movimento Antimanicomial. Encontraram sempre uma acolhida calorosa. O mesmo entusiasmo marcou as sessões do Bicho que o Ministério da Saúde promoveu para profissionais da área, no Rio e em São Paulo. Laís lembra que este é o Ano Internacional da Saúde Mental. Bicho não foi feito para marcar a data, mas é perfeito para levantar o debate necessário sobre o assunto, não só no Brasil, mas no mundo. Os elogios dos críticos, a acolhida do público nas sessões especiais, por tudo isso Laís admite que está nervosa, com aquele frio na espinha. Fez o filme como se fosse um filho. A partir de amanhã, Bicho ganha o mundo, começa a andar. Qual será a acolhida? Não é uma comerciante que antecipa lucros. É a artista sensível que sabe que tem algo a dizer e gostaria de ser ouvida pelo maior número possível de pessoas. "Apesar de todo o apoio que estamos tendo da distribuidora Columbia e da Riofilme, que investiu dinheiro na produção, nossa verba para a mídia é reduzida; estamos apostando no boca a boca", diz. No Rio e em São Paulo, Bicho não tem oudoors, mas busdoors - ou seja, a publicidade do filme está estampada em ônibus. Nas demais cidades, tem agentes - quase sempre ligados ao Movimento Antimanicomial - que trabalham para que o filme dê certo. Tão siderada Laís está com o lançamento que prefere não falar sobre a nova fase do Castelo Rá-Tim-Bum, que vai fazer na Cultura ("Eles não querem falar nada por enquanto e eu também ainda não assumi o projeto"), nem sobre o próximo filme ("Tenho dois projetos ainda muito incipientes, preciso trabalhar, pesquisar, preciso de um tempo que agora não tenho"). Sua atenção está inteiramente voltada para o Bicho para essa ruptura de cordão umbilical, para a entrega do filme às platéias brasileiras. Divisor de águas - Rodrigo Santoro, duplamente premiado como melhor ator (em Brasília e no Recife), tem sido um parceiro admirável. Ele vai com o Bicho aonde o filme for. Veio a São Paulo esta semana para a pré-estréia de terça no Shopping Jardim Sul. Santoro sabe que Bicho é um divisor de águas em sua carreira. Antes, havia o galã, rótulo pejorativo que lhe colaram porque, tendo boa estampa e fazendo novelas no estilo naturalista da Globo, não saberia representar, sendo apenas ele mesmo diante das câmeras. O galã virou um senhor ator com Bicho e na seqüência veio Abril Despedaçado, o novo filme de Walter Salles, adaptado do romance de Ismail Kadaré. Dois papéis que redimensionam a carreira de qualquer ator. Até o retorno às novelas foi prazeroso. Santoro fez seu primeiro vilão em Estrela Guia, a recém-concluída novela das 6, que a Globo formatou para Sandy. A moçada adorou - a estrela, o vilão. "Me diziam que o cara era muito engraçado; tentei não fazê-lo estereotipado, acho que consegui." Mas a paixão de Rodrigo é Neto, o protagonista de Bicho. Neto é o escritor Austregésilo Carrano, que conheceu o inferno ao ser internado pelo próprio pai, quando descobriu que o filho, por fumar um baseado, era ´drogado´. A família como instituição repressora, o sistema manicomial como representação do horror. E, sobre tudo isso, os versos de Arnaldo Antunes ("O teu olhar melhora o meu..."), pois nessa maneira de olhar o mundo, de refletir sobre perdas e o doloroso processo de um homem para emergir do inferno e acertar contas com o pai, a sociedade, Bicho não deixa de ser também um filme sobre o cinema. A tendência mais fácil é aproximar Bicho de Um Estranho no Ninho, o filme de Milos Forman que deu a Jack Nicholson seu primeiro Oscar, nos anos 70. Uma leitura mais sofisticada consiste em filtrar Um Estranho no Ninho pelo poderoso Vida em Família, que Ken Loach fez baseado nas idéias do antipsiquiatra Ronald D. Laing. Laís não conhecia o filme de Loach ao fazer o dela, tinha o de Forman como referência, mas, mais do que qualquer influência, queria fazer o "seu" filme. Isso significava pegar a história real de Carrano, ocorrida nos anos 70, e transportá-la para os anos 2000, com um tratamento audiovisual capaz de falar ao espectador, ao jovem, de hoje. Luís Bolognesi baseou-se no livro de Carrano, mas a estrutura do filme só começou a ser montada em sua cabeça quando ele acrescentou, àquele texto, o da carta que Carrano escreveu ao pai, incluída no apêndice, e a carta que Franz Kafka escreveu a seu pai. E ainda houve outra fonte importante - o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, com a letra de Judiaria. Laís tinha o roteiro, os atores - Santoro, Othon Bastos, o genial Gero Camilo, que faz Ceará, a magnífica Cássia Kiss -, os técnicos. Hoje ela reconhece que a grande lição da feitura de Bicho foi o respeito às diferentes etapas da produção. O filme foi feito com paixão em todas as fases. Ela espera repetir a experiência, de forma ainda mais madura, no próximo filme. Quanto a você, se ainda tiver qualquer tipo de preconceito com o cinema brasileiro - e por que teria? Pense nisso -, dispa-se dele. Brasileiríssimo, Bicho não é só um grande filme brasileiro. É um grande filme, independentemente de bandeira. Bicho de Sete Cabeças. Drama. Direção de Laís Bodansky. Br/2000. Duração: 80 minutos. 14 anos.

Foram sete prêmios no Festival de Brasília do ano passado - na verdade, nove, porque aos Candangos do júri oficial, Bicho de Sete Cabeças somou mais dois prêmios de júris paralelos. Foram ratificados no Festival do Recife, em abril, que acrescentou aos prêmios de Brasília dois que haviam sido escandalosamente esquecidos nos Candangos (o de melhor roteiro e atriz coadjuvante). Melhor filme, direção, roteiro, ator, ator coadjuvante, montagem... Bicho de Sete Cabeças finalmente estréia amanhã em 50 salas de 11 cidades do País. É o melhor filme brasileiro desde a retomada, após a nefasta era Collor. O trailer não faz justiça ao belo trabalho que Laís Bodanzky adaptou do livro de Austregésilo Carrano, Canto dos Malditos. Sucesso de crítica - nem toda unanimidade é burra, ao contrário do que dizia Nélson Rodrigues -, Bicho tem arrebatado as platéias de festivais e também o público das pré-estréias pelo Brasil afora. Laís e o marido (e roteirista) Luís Bolognesi percorreram diversas cidades mostrando o filme em eventos promovidos pelo Movimento Antimanicomial. Encontraram sempre uma acolhida calorosa. O mesmo entusiasmo marcou as sessões do Bicho que o Ministério da Saúde promoveu para profissionais da área, no Rio e em São Paulo. Laís lembra que este é o Ano Internacional da Saúde Mental. Bicho não foi feito para marcar a data, mas é perfeito para levantar o debate necessário sobre o assunto, não só no Brasil, mas no mundo. Os elogios dos críticos, a acolhida do público nas sessões especiais, por tudo isso Laís admite que está nervosa, com aquele frio na espinha. Fez o filme como se fosse um filho. A partir de amanhã, Bicho ganha o mundo, começa a andar. Qual será a acolhida? Não é uma comerciante que antecipa lucros. É a artista sensível que sabe que tem algo a dizer e gostaria de ser ouvida pelo maior número possível de pessoas. "Apesar de todo o apoio que estamos tendo da distribuidora Columbia e da Riofilme, que investiu dinheiro na produção, nossa verba para a mídia é reduzida; estamos apostando no boca a boca", diz. No Rio e em São Paulo, Bicho não tem oudoors, mas busdoors - ou seja, a publicidade do filme está estampada em ônibus. Nas demais cidades, tem agentes - quase sempre ligados ao Movimento Antimanicomial - que trabalham para que o filme dê certo. Tão siderada Laís está com o lançamento que prefere não falar sobre a nova fase do Castelo Rá-Tim-Bum, que vai fazer na Cultura ("Eles não querem falar nada por enquanto e eu também ainda não assumi o projeto"), nem sobre o próximo filme ("Tenho dois projetos ainda muito incipientes, preciso trabalhar, pesquisar, preciso de um tempo que agora não tenho"). Sua atenção está inteiramente voltada para o Bicho para essa ruptura de cordão umbilical, para a entrega do filme às platéias brasileiras. Divisor de águas - Rodrigo Santoro, duplamente premiado como melhor ator (em Brasília e no Recife), tem sido um parceiro admirável. Ele vai com o Bicho aonde o filme for. Veio a São Paulo esta semana para a pré-estréia de terça no Shopping Jardim Sul. Santoro sabe que Bicho é um divisor de águas em sua carreira. Antes, havia o galã, rótulo pejorativo que lhe colaram porque, tendo boa estampa e fazendo novelas no estilo naturalista da Globo, não saberia representar, sendo apenas ele mesmo diante das câmeras. O galã virou um senhor ator com Bicho e na seqüência veio Abril Despedaçado, o novo filme de Walter Salles, adaptado do romance de Ismail Kadaré. Dois papéis que redimensionam a carreira de qualquer ator. Até o retorno às novelas foi prazeroso. Santoro fez seu primeiro vilão em Estrela Guia, a recém-concluída novela das 6, que a Globo formatou para Sandy. A moçada adorou - a estrela, o vilão. "Me diziam que o cara era muito engraçado; tentei não fazê-lo estereotipado, acho que consegui." Mas a paixão de Rodrigo é Neto, o protagonista de Bicho. Neto é o escritor Austregésilo Carrano, que conheceu o inferno ao ser internado pelo próprio pai, quando descobriu que o filho, por fumar um baseado, era ´drogado´. A família como instituição repressora, o sistema manicomial como representação do horror. E, sobre tudo isso, os versos de Arnaldo Antunes ("O teu olhar melhora o meu..."), pois nessa maneira de olhar o mundo, de refletir sobre perdas e o doloroso processo de um homem para emergir do inferno e acertar contas com o pai, a sociedade, Bicho não deixa de ser também um filme sobre o cinema. A tendência mais fácil é aproximar Bicho de Um Estranho no Ninho, o filme de Milos Forman que deu a Jack Nicholson seu primeiro Oscar, nos anos 70. Uma leitura mais sofisticada consiste em filtrar Um Estranho no Ninho pelo poderoso Vida em Família, que Ken Loach fez baseado nas idéias do antipsiquiatra Ronald D. Laing. Laís não conhecia o filme de Loach ao fazer o dela, tinha o de Forman como referência, mas, mais do que qualquer influência, queria fazer o "seu" filme. Isso significava pegar a história real de Carrano, ocorrida nos anos 70, e transportá-la para os anos 2000, com um tratamento audiovisual capaz de falar ao espectador, ao jovem, de hoje. Luís Bolognesi baseou-se no livro de Carrano, mas a estrutura do filme só começou a ser montada em sua cabeça quando ele acrescentou, àquele texto, o da carta que Carrano escreveu ao pai, incluída no apêndice, e a carta que Franz Kafka escreveu a seu pai. E ainda houve outra fonte importante - o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, com a letra de Judiaria. Laís tinha o roteiro, os atores - Santoro, Othon Bastos, o genial Gero Camilo, que faz Ceará, a magnífica Cássia Kiss -, os técnicos. Hoje ela reconhece que a grande lição da feitura de Bicho foi o respeito às diferentes etapas da produção. O filme foi feito com paixão em todas as fases. Ela espera repetir a experiência, de forma ainda mais madura, no próximo filme. Quanto a você, se ainda tiver qualquer tipo de preconceito com o cinema brasileiro - e por que teria? Pense nisso -, dispa-se dele. Brasileiríssimo, Bicho não é só um grande filme brasileiro. É um grande filme, independentemente de bandeira. Bicho de Sete Cabeças. Drama. Direção de Laís Bodansky. Br/2000. Duração: 80 minutos. 14 anos.

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