CANNES - E a 68.ª edição do maior festival do mundo vai se aproximando do fim. Estão chegando os últimos filmes da competição, assinados por Hou Hsiao-hsien (O Assassino), Jacques Audiard (Dheepan, O Homem Que Não Amava a Guerra) e Justin Kurzel (Macbeth). Nos últimos dias, o repórter foi vendo e eliminando concorrentes – o novo Jia Zhang-ke, o novo Paolo Sorrentino. O sucesso internacional de A Grande Beleza consolidou o prestígio do diretor italiano.
Ele voltou à Croisette com outro filme em língua inglesa, Youth/Juventude é interpretado por Michael Caine e Harvey Keitel. Dois velhos num hotel de luxo. Um faz maestro que se aposentou e se recusa a empunhar a batuta de novo, mesmo que seja num concerto para a rainha da Inglaterra. O outro é um cineasta que escreve o último filme, o seu testamento.
Aqui mesmo em Cannes, onde começou a carreira de A Grande Beleza, Sorrentino desencorajava os críticos a verem o filme como sua releitura de A Doce Vida. Recebido com vaias e palmas, Youth não deixa de pegar carona em outro Fellini – Oito e Meio. A crise de criação pode paralisar o artista, destruí-lo, mas, se ele consegue dar a volta por cima, redescobre energias que nem se julgava mais possuidor. Youth dialoga com A Grande Beleza, como se ambos fizessem parte de uma trilogia. Qual seria/será esse hipotético terceiro filme? Uma releitura de Amarcord? O novo Sorrentino radicaliza o defeito do anterior, que a muitos críticos parece sua virtude. Sorrentino faz filmes para os olhos, com imagens belíssimas, sons deslumbrantes. Mas Sorrentino virou um gênero. É reiterativo. Cada cena vem sublinhar a anterior. Depois de uma hora na tela, a impressão é de que Youth ainda não começou. Quase duas horas depois, não termina nunca.
Jane Fonda demora para aparecer. Chega para anunciar que não vai mais fazer o filme dentro do filme, que está indo para a TV. Keitel e ela brigam. Sorrentino era tão bom na época de As Consequências do Amor, O Amigo da Família. Até O Divo tinha seu interesse como desmontagem do jogo político italiano. Hoje em dia, a impressão é de que virou um engodo. A crítica, inclusive a autocrítica, virou indulgência.
Se Sorrentino vira ‘gênero’, o que deu em Jia Zhang-ke para incursionar pelo cinema de lágrimas? O quarto filme do autor chinês na competição também é seu primeiro melodrama. Depois das cenas de sangue de Mountains May Depart (As Montanhas Podem Partir), Jia segue falando das transformações na sociedade chinesa, agora por meio de outra violência, a do dinheiro. A história faz um arco da China até a Austrália para mostrar uma juventude que matou seus sonhos e/ou corrompeu seus ideais. Há críticos que apostam numa Palma para Jia.
Nas seções paralelas, em Un Certain Regard, veio um belíssimo filme do México – Las Elegidas, sobre um garoto que se apaixona por uma prostituta e promete salvá-la, mas para isso terá de achar uma substituta, outra garota para tomar seu lugar. Mesmo as melhores intenções produzem resultados brutais, como prova o filme de David Pablos.
Exibido no primeiro dia, O Filho de Saul, do húngaro Laszlo Nemes, só foi recuperado agora pelo repórter. É o filme que mais tem cara de Palma de Ouro, até agora. Situado no campo de extermínio de Auschwitz/Burkenau, em 1944, mostra o esforço de um pai para retirar do forno o próprio filho, dando-lhe um enterro ritual. Não é exagerado dizer que o jovem autor húngaro, que assina seu primeiro longa – e já está na competição – rediscute (redimensiona?) a representação cinematográfica da Shoah. Se o júri dos irmãos Coen não reconhecer isso, que pelo menos o faça o da Caméra d’Or, presidido por Sabine Azéma.