A essa altura é dispensável reafirmar o sucesso do filme da Barbie. No Brasil, mais de 4 milhões de ingressos foram vendidos e a arrecadação superou R$ 84,7 milhões só na semana de estreia. Avós, mães, tias, filhas e netas se reuniram nas salas de cinema vestidas de rosa para relembrar o tempo de criança. Mas a verdade é que, para muitas brasileiras, outra boneca marcou a infância: a Susi.
Desde que a Mattel – multinacional fundadora da Barbie – anunciou uma nova sequência de filmes com brinquedos da marca, como o da Polly Pocket, que já tem roteiro pronto e a atriz britânica Lily Collins escalada, os fãs da boneca brasileira passaram a clamar por um filme nacional da Susi.
CEO da Brinquedos Estrela, que criou a boneca brasileira, Carlos Tilkian revelou o desejo de produzir um longa da Susi, apesar de ainda não haver planos fechados para isso. “Fazer filmes baseado no sucesso de alguns brinquedos nossos sempre está no nosso radar. Mas por enquanto não temos nada em planejamento”, disse em entrevista ao Estadão.
Diferença entre as ‘fashion dolls’
O empresário reconhece que o filme da Barbie rememorou o sucesso da Susi no Brasil, mas diz que não pretende usá-lo para alavancar a marca ou o brinquedo. “A Susi não quer surfar na onda cor-de-rosa da Barbie”, afirmou, ao destacar as diferenças entre as duas ‘fashion dolls’: enquanto a estadunidense “vive no mundo cor de rosa cheio de luxúria e tem um manequim que ninguém consegue reproduzir”, a Susi “foi construída dentro de um biotipo e modo de ser da mulher brasileira”, ele defende.
“A Susi sempre esteve mais envolvida com questões sociais, diversidade”, explicou Tilkian. A boneca Susi negra foi lançada em 1972, seis anos antes da primeira Barbie negra lançada pela Mattel em 1980. Em 2001, a boneca brasileira também passou a ter uma coleção que vestia a camisa da luta contra o câncer de mama e vinha acompanhada de uma cartilha educativa para as meninas, com os cuidados de prevenção da doença.
Na época, a boneca na versão “Susi Inventando Moda”, com a camiseta da conscientização criada por Ralph Lauren, fundador de uma das maiores grifes de moda do mundo, era vendida a R$ 29,90 – o que corresponde hoje a R$ 115,96, em valores corrigidos pelo IPCA. Parte do valor era doado para a campanha, de acordo com o folheto exposto no acervo do blog Boneca Susi Museu Virtual, da colecionadora Ana Caldatto.
Susie x Barbie
A tradicional Susi surgiu em 1966, 16 anos antes de a Barbie ser lançada no Brasil em 1982. Como naquele momento o Brasil seguia uma política restritiva no comércio internacional, a importação de brinquedos era barrada. Foi a Estrela, então, que assumiu a fabricação e comercialização da Barbie, representando a Mattel no País.
De lá até 1985, a Susi e a Barbie conviveram juntas no mercado brasileiro. “A Susi continuava vendendo bem mais que a Barbie”, relembra o CEO da Estrela. Mais de 20 milhões de unidades foram distribuídas no país até aquele ano, conforme dados da empresa. No entanto, a Mattel propôs uma fusão entre as empresas como “um chamariz” – como classificou Tilkian – para que a Estrela retirasse a Susi das prateleiras onde reinava. Com a promessa de uma ampla parceria com a Mattel, a empresa brasileira aceitou a condição.
No início dos anos 90, o governo do ex-presidente Collor abriu o mercado nacional às importações. Com o câmbio vantajoso, a Mattel rompeu o contrato com a Estrela e passou a importar a Barbie para vender diretamente a boneca no Brasil. Logo, a empresa brasileira – responsável por alavancar a Barbie no Brasil – retomou a fabricação e venda da Susi em 1996. O brinquedo brasileiro, no entanto, já estava ofuscado pelo norte-americano.
A Estrela chegou a processar a Mattel, mas perdeu a batalha na Justiça em 2021 - na qual pedia que a multinacional a indenizasse em R$ 64,4 milhões pelo rompimento abrupto. “A Estrela foi responsável pelo sucesso da Barbie no Brasil. Produzimos e comercializamos a Barbie aqui, todo investimento era nosso”, relembra Tilkian. Com o desinteresse pelo segmento de bonecas entre as crianças, a produção da boneca foi interrompida novamente em 2013. “Ela foi perdendo a atratividade junto às meninas e isso não era só no Brasil: a própria Barbie reportava quedas expressivas de mercado”, pontuou o empresário.
A Brinquedos Estrela relançou a Susi em 2019, dessa vez com vendas limitadas e exclusivas pelo site. Nele, é possível encontrar quatro tipos de releitura da boneca clássica dos anos 70 e 80, além de uma coleção da série Stranger Things, da Netflix, com preços que variam de R$ 100 a R$ 200. “Hoje, o caminho de entrada é pelas mães, não pelas filhas”, revela Tilkian. No site da Estrela, o termo mais buscado atualmente é “Susi”.