Com ‘Lucy and Desi’, Amy Poehler vai ao coração de um casamento


A atriz e diretora queria entregar um retrato realista de um casal cuja união estava longe de ser perfeita, mesmo que os espectadores não quisessem ver nada disso

Por Dina Gachman
Atualização:

Logo no começo de Lucy and Desi, o novo documentário dirigido por Amy Poehler, uma gravação de áudio é reproduzida. Nele, Lucille Ball agradece ao marido, Desi Arnaz, por seus dois filhos lindos e saudáveis. Não é exatamente uma declaração chocante vinda de uma mulher da América dos anos 1950. O surpreendente é que Ball termina agradecendo ao marido por sua “liberdade”. É um dos muitos momentos do filme que podem fazer com que as pessoas que pensam que conhecem a história desse casal de estrelas comecem a prestar mais atenção. O filme está disponível na plataforma Amazon Prime Video.

Lucille Ball e Desi Arnaz leem um roteiro, em imagem incluída no documentário 'Lucy and Desi' Foto: Amazon Studios/Bettmann Archive

Para Poehler, também atriz e comediante cuja vida profissional e pessoal é submetida à ocasional cobertura dos tabloides, a impressionante confissão de Ball foi uma das muitas revelações que a inspiraram a se aprofundar no relacionamento de um dos casais mais conhecidos de Hollywood. Em parte por causa da popularidade duradoura de I Love Lucy, Ball e Arnaz, que interpretavam o casal Lucy e Ricky Ricardo, passaram a representar uma marca particular de casal amoroso para gerações e gerações de americanos. Assim como em muitos outros casamentos, porém, sua parceria estava longe de ser perfeita.

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A atriz Amy Poehler dirige 'Lucy and Desi' Foto: Lucas Jackson/Reuters

Quando Poehler foi procurada pelas produtoras Imagine Entertainment e White Horse Pictures para fazer um documentário sobre Ball e Arnaz, ela sabia que não queria fazer um filme onde “pessoas engraçadas falam sobre como todo mundo é engraçado”, mas sim falar com pessoas que realmente conheciam um deles ou os dois – como seus filhos, Lucie Arnaz e Desi Arnaz Jr., ou Carol Burnett ou Bette Midler. Poehler não queria retratar Ball como uma gênia, mas sim como uma mulher muito real, cujos vinte anos de casamento foram ao mesmo tempo complexos, amorosos, dolorosos e ternos.

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Durante um telefonema recente, enquanto caminhava por Nova York, Poehler discutiu as maneiras pelas quais Ball e Arnaz quebraram barreiras, moldaram a cultura e provaram que um casamento não precisa durar para sempre para ser bem-sucedido. Aqui vão alguns trechos editados da nossa conversa.

Fiquei muito surpresa quando ouvi Lucy agradecendo ao marido por seus filhos e sua “liberdade”. Qual foi a sua reação ao ouvir esse áudio?

Eu não esperava essa palavra. Não sei exatamente o que ela quis dizer, mas gosto de pensar que ela quis dizer que conseguiu ter liberdade financeira. Uma mulher com mais de 40 anos e um imigrante e refugiado cubano muitas vezes não estavam na sala quando os negócios eram fechados. Então, para ela, a liberdade financeira era uma coisa imensa. Ela cresceu na pobreza, e Desi tivera uma vida privilegiada em Cuba, mas passou pela experiência traumática de perder tudo e ter que fugir de seu próprio país. Por isso, os dois se preocupavam com o trabalho e com o sustento da família. Acho que a liberdade veio de uma espécie de segurança. Eu também acho que eles se amavam pelo que eram.

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Você fez alguma ressalva ao aceitar o projeto?

Eu estava tentando descobrir, como cineasta, qual seria meu caminho e meu ponto de vista. Eu acho que com pessoas tão famosas e talentosas, você ouve muito coisas tipo “pioneiros” ou “gênios”, o que é, tipo, OK, tudo bem. Já fizeram muitas homenagens. Fiquei animada quando conversei com a White Horse e a Imagine, e basicamente disse que tinha algumas coisas que queria evitar. Uma era passar o filme inteiro com pessoas engraçadas falando sobre como todo mundo é engraçado. Eu queria tentar trazer os dois de volta ao chão. Então descobri que a história de amor é realmente a coisa que, espero eu, mantém as pessoas assistindo.

Lucille Ball e Desi Arnaz em 1957 Foto: Cortesia Museum of Television and Radio/Photofest/Reuters
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As filmagens e fitas a que você teve acesso são muito íntimas, e muitas nunca tinham sido vistas nem ouvidas pelo público. A quantos arquivos você teve acesso?

Horas e horas de material. Uma das nossas produtoras estava na casa de Lucie [filha de Ball] e ela apontou para uma caixa, tipo, “O que tem nessa?”. Encontrar todas as fitas foi um daqueles momentos de gênio saindo da garrafa. Quando você está fazendo um documentário, você percebe que você e seu editor [Robert Martinez, cujos trabalhos incluem The Bee Gees: How Can You Mend a Broken Heart] são duas pessoas num bote salva-vidas. Nós tínhamos muito material, e isso foi de longe a coisa mais impressionante. Quando tomamos a decisão de ouvir Lucy e Desi nos contarem sua história [por meio das gravações], tudo mudou, porque assim pareciam figuras vivas e humanas – mas conseguimos envelhecê-las à medida que o filme avançava. Mesmo acreditando fortemente que as pessoas não são narradoras confiáveis, acho que você aprende muito com o que as pessoas não dizem, que é tão importante quanto o que elas dizem. Eu sempre fiquei muito comovida com a forma como eles falavam um do outro.

O filme dá a sensação de que eles estavam sempre defendendo essa versão bem anos 1950 de felizes-para-sempre. Mas, longe das câmeras, pelo menos depois de anos de casamento, eles passaram por maus momentos. Às vezes é difícil conciliar isso com a Lucy e o Ricky que vemos na televisão.

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A televisão é um meio íntimo que você costuma assistir com a sua família, e eles foram os primeiros inventores da ideia de briga-e-conciliação: ou seja, talvez Lucy tenha feito pão demais, ou Ricky tenha esquecido seu aniversário, ou seja lá o que for, e você acha que não tem jeito de eles fazerem as pazes, mas no fim eles se acertam e fica tudo bem. Havia um anseio profundo, especialmente na América do pós-guerra, de pensar: “Será que é possível consertar as coisas? Será que vamos ficar bem? Será que a família vai ficar junto?”. E o que foi realmente emocionante para mim é que eles estavam vivendo coisas muito humanas e complicadas que a maioria das pessoas sente com o sucesso e o casamento. Você sabe, todas as coisas que acontecem na vida humana.

Você teve conversas com os produtores ou com seu editor sobre o casamento deles ou sobre por que o relacionamento deles pode ressoar junto ao público moderno?

Pois é, nós realmente tentamos desconstruir a ideia de parceria e fazer perguntas sobre o que faz um casamento ser bem-sucedido. O que Lucy e Desi fazem nas suas vidas é que trabalham muito consigo mesmos e com seu ofício. Eles criam essa linda música juntos. E continuam a criar separadamente, se respeitando e encontrando maneiras de trabalhar juntos. Então sempre vem aquela pergunta: o que é uma parceria de sucesso? O casamento deles termina, mas eles são pai e mãe e encontram um novo amor. Adorei conversar com Laura LaPlaca [diretora do Departamento de Arquivos e Preservação Carl Reiner, do National Comedy Center] porque ela disse que a América simplesmente não aceitava o divórcio. A América falava, tipo, de jeito nenhum. Mas eles mostraram como era se divorciar e mostrar respeito um pelo outro. Eles estavam abrindo uma trilha. Mas, você sabe, se eu tivesse o privilégio de falar com qualquer um deles agora, eles provavelmente iriam dizer que estavam só vivendo suas vidas humanas e complicadas. Eles não estavam tentando fazer nada de especial.

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Desi morreu em 1986. Sua filha Lucie conta uma história comovente sobre fazer um encontro para assistir a episódios antigos de ‘I Love Lucy’, que, de certa forma, é um final meio felizes-para-sempre, mas muito agridoce. O que essa história significou para você e o que você acha que ela diz sobre o casamento deles e a noção de felizes-para-sempre?

Lucy disse que depois que eles se divorciaram, os dois ficaram muito mais gentis um com o outro. Como cultura, somos obcecados pelo “até que a morte os separe”. Mas não seria melhor que, no seu leito de morte, você pudesse dizer às pessoas que as ama? O objetivo é ter um casamento infeliz de décadas? Ou o objetivo é se unir numa parceria para criar coisas interessantes juntos e continuar cheios de amor e respeito um pelo outro? Lucy e Desi trabalharam muito e, quando tiveram a oportunidade, deram as mãos e pularam. Parece que eles eram astronautas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Logo no começo de Lucy and Desi, o novo documentário dirigido por Amy Poehler, uma gravação de áudio é reproduzida. Nele, Lucille Ball agradece ao marido, Desi Arnaz, por seus dois filhos lindos e saudáveis. Não é exatamente uma declaração chocante vinda de uma mulher da América dos anos 1950. O surpreendente é que Ball termina agradecendo ao marido por sua “liberdade”. É um dos muitos momentos do filme que podem fazer com que as pessoas que pensam que conhecem a história desse casal de estrelas comecem a prestar mais atenção. O filme está disponível na plataforma Amazon Prime Video.

Lucille Ball e Desi Arnaz leem um roteiro, em imagem incluída no documentário 'Lucy and Desi' Foto: Amazon Studios/Bettmann Archive

Para Poehler, também atriz e comediante cuja vida profissional e pessoal é submetida à ocasional cobertura dos tabloides, a impressionante confissão de Ball foi uma das muitas revelações que a inspiraram a se aprofundar no relacionamento de um dos casais mais conhecidos de Hollywood. Em parte por causa da popularidade duradoura de I Love Lucy, Ball e Arnaz, que interpretavam o casal Lucy e Ricky Ricardo, passaram a representar uma marca particular de casal amoroso para gerações e gerações de americanos. Assim como em muitos outros casamentos, porém, sua parceria estava longe de ser perfeita.

A atriz Amy Poehler dirige 'Lucy and Desi' Foto: Lucas Jackson/Reuters

Quando Poehler foi procurada pelas produtoras Imagine Entertainment e White Horse Pictures para fazer um documentário sobre Ball e Arnaz, ela sabia que não queria fazer um filme onde “pessoas engraçadas falam sobre como todo mundo é engraçado”, mas sim falar com pessoas que realmente conheciam um deles ou os dois – como seus filhos, Lucie Arnaz e Desi Arnaz Jr., ou Carol Burnett ou Bette Midler. Poehler não queria retratar Ball como uma gênia, mas sim como uma mulher muito real, cujos vinte anos de casamento foram ao mesmo tempo complexos, amorosos, dolorosos e ternos.

Durante um telefonema recente, enquanto caminhava por Nova York, Poehler discutiu as maneiras pelas quais Ball e Arnaz quebraram barreiras, moldaram a cultura e provaram que um casamento não precisa durar para sempre para ser bem-sucedido. Aqui vão alguns trechos editados da nossa conversa.

Fiquei muito surpresa quando ouvi Lucy agradecendo ao marido por seus filhos e sua “liberdade”. Qual foi a sua reação ao ouvir esse áudio?

Eu não esperava essa palavra. Não sei exatamente o que ela quis dizer, mas gosto de pensar que ela quis dizer que conseguiu ter liberdade financeira. Uma mulher com mais de 40 anos e um imigrante e refugiado cubano muitas vezes não estavam na sala quando os negócios eram fechados. Então, para ela, a liberdade financeira era uma coisa imensa. Ela cresceu na pobreza, e Desi tivera uma vida privilegiada em Cuba, mas passou pela experiência traumática de perder tudo e ter que fugir de seu próprio país. Por isso, os dois se preocupavam com o trabalho e com o sustento da família. Acho que a liberdade veio de uma espécie de segurança. Eu também acho que eles se amavam pelo que eram.

Você fez alguma ressalva ao aceitar o projeto?

Eu estava tentando descobrir, como cineasta, qual seria meu caminho e meu ponto de vista. Eu acho que com pessoas tão famosas e talentosas, você ouve muito coisas tipo “pioneiros” ou “gênios”, o que é, tipo, OK, tudo bem. Já fizeram muitas homenagens. Fiquei animada quando conversei com a White Horse e a Imagine, e basicamente disse que tinha algumas coisas que queria evitar. Uma era passar o filme inteiro com pessoas engraçadas falando sobre como todo mundo é engraçado. Eu queria tentar trazer os dois de volta ao chão. Então descobri que a história de amor é realmente a coisa que, espero eu, mantém as pessoas assistindo.

Lucille Ball e Desi Arnaz em 1957 Foto: Cortesia Museum of Television and Radio/Photofest/Reuters

As filmagens e fitas a que você teve acesso são muito íntimas, e muitas nunca tinham sido vistas nem ouvidas pelo público. A quantos arquivos você teve acesso?

Horas e horas de material. Uma das nossas produtoras estava na casa de Lucie [filha de Ball] e ela apontou para uma caixa, tipo, “O que tem nessa?”. Encontrar todas as fitas foi um daqueles momentos de gênio saindo da garrafa. Quando você está fazendo um documentário, você percebe que você e seu editor [Robert Martinez, cujos trabalhos incluem The Bee Gees: How Can You Mend a Broken Heart] são duas pessoas num bote salva-vidas. Nós tínhamos muito material, e isso foi de longe a coisa mais impressionante. Quando tomamos a decisão de ouvir Lucy e Desi nos contarem sua história [por meio das gravações], tudo mudou, porque assim pareciam figuras vivas e humanas – mas conseguimos envelhecê-las à medida que o filme avançava. Mesmo acreditando fortemente que as pessoas não são narradoras confiáveis, acho que você aprende muito com o que as pessoas não dizem, que é tão importante quanto o que elas dizem. Eu sempre fiquei muito comovida com a forma como eles falavam um do outro.

O filme dá a sensação de que eles estavam sempre defendendo essa versão bem anos 1950 de felizes-para-sempre. Mas, longe das câmeras, pelo menos depois de anos de casamento, eles passaram por maus momentos. Às vezes é difícil conciliar isso com a Lucy e o Ricky que vemos na televisão.

A televisão é um meio íntimo que você costuma assistir com a sua família, e eles foram os primeiros inventores da ideia de briga-e-conciliação: ou seja, talvez Lucy tenha feito pão demais, ou Ricky tenha esquecido seu aniversário, ou seja lá o que for, e você acha que não tem jeito de eles fazerem as pazes, mas no fim eles se acertam e fica tudo bem. Havia um anseio profundo, especialmente na América do pós-guerra, de pensar: “Será que é possível consertar as coisas? Será que vamos ficar bem? Será que a família vai ficar junto?”. E o que foi realmente emocionante para mim é que eles estavam vivendo coisas muito humanas e complicadas que a maioria das pessoas sente com o sucesso e o casamento. Você sabe, todas as coisas que acontecem na vida humana.

Você teve conversas com os produtores ou com seu editor sobre o casamento deles ou sobre por que o relacionamento deles pode ressoar junto ao público moderno?

Pois é, nós realmente tentamos desconstruir a ideia de parceria e fazer perguntas sobre o que faz um casamento ser bem-sucedido. O que Lucy e Desi fazem nas suas vidas é que trabalham muito consigo mesmos e com seu ofício. Eles criam essa linda música juntos. E continuam a criar separadamente, se respeitando e encontrando maneiras de trabalhar juntos. Então sempre vem aquela pergunta: o que é uma parceria de sucesso? O casamento deles termina, mas eles são pai e mãe e encontram um novo amor. Adorei conversar com Laura LaPlaca [diretora do Departamento de Arquivos e Preservação Carl Reiner, do National Comedy Center] porque ela disse que a América simplesmente não aceitava o divórcio. A América falava, tipo, de jeito nenhum. Mas eles mostraram como era se divorciar e mostrar respeito um pelo outro. Eles estavam abrindo uma trilha. Mas, você sabe, se eu tivesse o privilégio de falar com qualquer um deles agora, eles provavelmente iriam dizer que estavam só vivendo suas vidas humanas e complicadas. Eles não estavam tentando fazer nada de especial.

Desi morreu em 1986. Sua filha Lucie conta uma história comovente sobre fazer um encontro para assistir a episódios antigos de ‘I Love Lucy’, que, de certa forma, é um final meio felizes-para-sempre, mas muito agridoce. O que essa história significou para você e o que você acha que ela diz sobre o casamento deles e a noção de felizes-para-sempre?

Lucy disse que depois que eles se divorciaram, os dois ficaram muito mais gentis um com o outro. Como cultura, somos obcecados pelo “até que a morte os separe”. Mas não seria melhor que, no seu leito de morte, você pudesse dizer às pessoas que as ama? O objetivo é ter um casamento infeliz de décadas? Ou o objetivo é se unir numa parceria para criar coisas interessantes juntos e continuar cheios de amor e respeito um pelo outro? Lucy e Desi trabalharam muito e, quando tiveram a oportunidade, deram as mãos e pularam. Parece que eles eram astronautas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Logo no começo de Lucy and Desi, o novo documentário dirigido por Amy Poehler, uma gravação de áudio é reproduzida. Nele, Lucille Ball agradece ao marido, Desi Arnaz, por seus dois filhos lindos e saudáveis. Não é exatamente uma declaração chocante vinda de uma mulher da América dos anos 1950. O surpreendente é que Ball termina agradecendo ao marido por sua “liberdade”. É um dos muitos momentos do filme que podem fazer com que as pessoas que pensam que conhecem a história desse casal de estrelas comecem a prestar mais atenção. O filme está disponível na plataforma Amazon Prime Video.

Lucille Ball e Desi Arnaz leem um roteiro, em imagem incluída no documentário 'Lucy and Desi' Foto: Amazon Studios/Bettmann Archive

Para Poehler, também atriz e comediante cuja vida profissional e pessoal é submetida à ocasional cobertura dos tabloides, a impressionante confissão de Ball foi uma das muitas revelações que a inspiraram a se aprofundar no relacionamento de um dos casais mais conhecidos de Hollywood. Em parte por causa da popularidade duradoura de I Love Lucy, Ball e Arnaz, que interpretavam o casal Lucy e Ricky Ricardo, passaram a representar uma marca particular de casal amoroso para gerações e gerações de americanos. Assim como em muitos outros casamentos, porém, sua parceria estava longe de ser perfeita.

A atriz Amy Poehler dirige 'Lucy and Desi' Foto: Lucas Jackson/Reuters

Quando Poehler foi procurada pelas produtoras Imagine Entertainment e White Horse Pictures para fazer um documentário sobre Ball e Arnaz, ela sabia que não queria fazer um filme onde “pessoas engraçadas falam sobre como todo mundo é engraçado”, mas sim falar com pessoas que realmente conheciam um deles ou os dois – como seus filhos, Lucie Arnaz e Desi Arnaz Jr., ou Carol Burnett ou Bette Midler. Poehler não queria retratar Ball como uma gênia, mas sim como uma mulher muito real, cujos vinte anos de casamento foram ao mesmo tempo complexos, amorosos, dolorosos e ternos.

Durante um telefonema recente, enquanto caminhava por Nova York, Poehler discutiu as maneiras pelas quais Ball e Arnaz quebraram barreiras, moldaram a cultura e provaram que um casamento não precisa durar para sempre para ser bem-sucedido. Aqui vão alguns trechos editados da nossa conversa.

Fiquei muito surpresa quando ouvi Lucy agradecendo ao marido por seus filhos e sua “liberdade”. Qual foi a sua reação ao ouvir esse áudio?

Eu não esperava essa palavra. Não sei exatamente o que ela quis dizer, mas gosto de pensar que ela quis dizer que conseguiu ter liberdade financeira. Uma mulher com mais de 40 anos e um imigrante e refugiado cubano muitas vezes não estavam na sala quando os negócios eram fechados. Então, para ela, a liberdade financeira era uma coisa imensa. Ela cresceu na pobreza, e Desi tivera uma vida privilegiada em Cuba, mas passou pela experiência traumática de perder tudo e ter que fugir de seu próprio país. Por isso, os dois se preocupavam com o trabalho e com o sustento da família. Acho que a liberdade veio de uma espécie de segurança. Eu também acho que eles se amavam pelo que eram.

Você fez alguma ressalva ao aceitar o projeto?

Eu estava tentando descobrir, como cineasta, qual seria meu caminho e meu ponto de vista. Eu acho que com pessoas tão famosas e talentosas, você ouve muito coisas tipo “pioneiros” ou “gênios”, o que é, tipo, OK, tudo bem. Já fizeram muitas homenagens. Fiquei animada quando conversei com a White Horse e a Imagine, e basicamente disse que tinha algumas coisas que queria evitar. Uma era passar o filme inteiro com pessoas engraçadas falando sobre como todo mundo é engraçado. Eu queria tentar trazer os dois de volta ao chão. Então descobri que a história de amor é realmente a coisa que, espero eu, mantém as pessoas assistindo.

Lucille Ball e Desi Arnaz em 1957 Foto: Cortesia Museum of Television and Radio/Photofest/Reuters

As filmagens e fitas a que você teve acesso são muito íntimas, e muitas nunca tinham sido vistas nem ouvidas pelo público. A quantos arquivos você teve acesso?

Horas e horas de material. Uma das nossas produtoras estava na casa de Lucie [filha de Ball] e ela apontou para uma caixa, tipo, “O que tem nessa?”. Encontrar todas as fitas foi um daqueles momentos de gênio saindo da garrafa. Quando você está fazendo um documentário, você percebe que você e seu editor [Robert Martinez, cujos trabalhos incluem The Bee Gees: How Can You Mend a Broken Heart] são duas pessoas num bote salva-vidas. Nós tínhamos muito material, e isso foi de longe a coisa mais impressionante. Quando tomamos a decisão de ouvir Lucy e Desi nos contarem sua história [por meio das gravações], tudo mudou, porque assim pareciam figuras vivas e humanas – mas conseguimos envelhecê-las à medida que o filme avançava. Mesmo acreditando fortemente que as pessoas não são narradoras confiáveis, acho que você aprende muito com o que as pessoas não dizem, que é tão importante quanto o que elas dizem. Eu sempre fiquei muito comovida com a forma como eles falavam um do outro.

O filme dá a sensação de que eles estavam sempre defendendo essa versão bem anos 1950 de felizes-para-sempre. Mas, longe das câmeras, pelo menos depois de anos de casamento, eles passaram por maus momentos. Às vezes é difícil conciliar isso com a Lucy e o Ricky que vemos na televisão.

A televisão é um meio íntimo que você costuma assistir com a sua família, e eles foram os primeiros inventores da ideia de briga-e-conciliação: ou seja, talvez Lucy tenha feito pão demais, ou Ricky tenha esquecido seu aniversário, ou seja lá o que for, e você acha que não tem jeito de eles fazerem as pazes, mas no fim eles se acertam e fica tudo bem. Havia um anseio profundo, especialmente na América do pós-guerra, de pensar: “Será que é possível consertar as coisas? Será que vamos ficar bem? Será que a família vai ficar junto?”. E o que foi realmente emocionante para mim é que eles estavam vivendo coisas muito humanas e complicadas que a maioria das pessoas sente com o sucesso e o casamento. Você sabe, todas as coisas que acontecem na vida humana.

Você teve conversas com os produtores ou com seu editor sobre o casamento deles ou sobre por que o relacionamento deles pode ressoar junto ao público moderno?

Pois é, nós realmente tentamos desconstruir a ideia de parceria e fazer perguntas sobre o que faz um casamento ser bem-sucedido. O que Lucy e Desi fazem nas suas vidas é que trabalham muito consigo mesmos e com seu ofício. Eles criam essa linda música juntos. E continuam a criar separadamente, se respeitando e encontrando maneiras de trabalhar juntos. Então sempre vem aquela pergunta: o que é uma parceria de sucesso? O casamento deles termina, mas eles são pai e mãe e encontram um novo amor. Adorei conversar com Laura LaPlaca [diretora do Departamento de Arquivos e Preservação Carl Reiner, do National Comedy Center] porque ela disse que a América simplesmente não aceitava o divórcio. A América falava, tipo, de jeito nenhum. Mas eles mostraram como era se divorciar e mostrar respeito um pelo outro. Eles estavam abrindo uma trilha. Mas, você sabe, se eu tivesse o privilégio de falar com qualquer um deles agora, eles provavelmente iriam dizer que estavam só vivendo suas vidas humanas e complicadas. Eles não estavam tentando fazer nada de especial.

Desi morreu em 1986. Sua filha Lucie conta uma história comovente sobre fazer um encontro para assistir a episódios antigos de ‘I Love Lucy’, que, de certa forma, é um final meio felizes-para-sempre, mas muito agridoce. O que essa história significou para você e o que você acha que ela diz sobre o casamento deles e a noção de felizes-para-sempre?

Lucy disse que depois que eles se divorciaram, os dois ficaram muito mais gentis um com o outro. Como cultura, somos obcecados pelo “até que a morte os separe”. Mas não seria melhor que, no seu leito de morte, você pudesse dizer às pessoas que as ama? O objetivo é ter um casamento infeliz de décadas? Ou o objetivo é se unir numa parceria para criar coisas interessantes juntos e continuar cheios de amor e respeito um pelo outro? Lucy e Desi trabalharam muito e, quando tiveram a oportunidade, deram as mãos e pularam. Parece que eles eram astronautas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Logo no começo de Lucy and Desi, o novo documentário dirigido por Amy Poehler, uma gravação de áudio é reproduzida. Nele, Lucille Ball agradece ao marido, Desi Arnaz, por seus dois filhos lindos e saudáveis. Não é exatamente uma declaração chocante vinda de uma mulher da América dos anos 1950. O surpreendente é que Ball termina agradecendo ao marido por sua “liberdade”. É um dos muitos momentos do filme que podem fazer com que as pessoas que pensam que conhecem a história desse casal de estrelas comecem a prestar mais atenção. O filme está disponível na plataforma Amazon Prime Video.

Lucille Ball e Desi Arnaz leem um roteiro, em imagem incluída no documentário 'Lucy and Desi' Foto: Amazon Studios/Bettmann Archive

Para Poehler, também atriz e comediante cuja vida profissional e pessoal é submetida à ocasional cobertura dos tabloides, a impressionante confissão de Ball foi uma das muitas revelações que a inspiraram a se aprofundar no relacionamento de um dos casais mais conhecidos de Hollywood. Em parte por causa da popularidade duradoura de I Love Lucy, Ball e Arnaz, que interpretavam o casal Lucy e Ricky Ricardo, passaram a representar uma marca particular de casal amoroso para gerações e gerações de americanos. Assim como em muitos outros casamentos, porém, sua parceria estava longe de ser perfeita.

A atriz Amy Poehler dirige 'Lucy and Desi' Foto: Lucas Jackson/Reuters

Quando Poehler foi procurada pelas produtoras Imagine Entertainment e White Horse Pictures para fazer um documentário sobre Ball e Arnaz, ela sabia que não queria fazer um filme onde “pessoas engraçadas falam sobre como todo mundo é engraçado”, mas sim falar com pessoas que realmente conheciam um deles ou os dois – como seus filhos, Lucie Arnaz e Desi Arnaz Jr., ou Carol Burnett ou Bette Midler. Poehler não queria retratar Ball como uma gênia, mas sim como uma mulher muito real, cujos vinte anos de casamento foram ao mesmo tempo complexos, amorosos, dolorosos e ternos.

Durante um telefonema recente, enquanto caminhava por Nova York, Poehler discutiu as maneiras pelas quais Ball e Arnaz quebraram barreiras, moldaram a cultura e provaram que um casamento não precisa durar para sempre para ser bem-sucedido. Aqui vão alguns trechos editados da nossa conversa.

Fiquei muito surpresa quando ouvi Lucy agradecendo ao marido por seus filhos e sua “liberdade”. Qual foi a sua reação ao ouvir esse áudio?

Eu não esperava essa palavra. Não sei exatamente o que ela quis dizer, mas gosto de pensar que ela quis dizer que conseguiu ter liberdade financeira. Uma mulher com mais de 40 anos e um imigrante e refugiado cubano muitas vezes não estavam na sala quando os negócios eram fechados. Então, para ela, a liberdade financeira era uma coisa imensa. Ela cresceu na pobreza, e Desi tivera uma vida privilegiada em Cuba, mas passou pela experiência traumática de perder tudo e ter que fugir de seu próprio país. Por isso, os dois se preocupavam com o trabalho e com o sustento da família. Acho que a liberdade veio de uma espécie de segurança. Eu também acho que eles se amavam pelo que eram.

Você fez alguma ressalva ao aceitar o projeto?

Eu estava tentando descobrir, como cineasta, qual seria meu caminho e meu ponto de vista. Eu acho que com pessoas tão famosas e talentosas, você ouve muito coisas tipo “pioneiros” ou “gênios”, o que é, tipo, OK, tudo bem. Já fizeram muitas homenagens. Fiquei animada quando conversei com a White Horse e a Imagine, e basicamente disse que tinha algumas coisas que queria evitar. Uma era passar o filme inteiro com pessoas engraçadas falando sobre como todo mundo é engraçado. Eu queria tentar trazer os dois de volta ao chão. Então descobri que a história de amor é realmente a coisa que, espero eu, mantém as pessoas assistindo.

Lucille Ball e Desi Arnaz em 1957 Foto: Cortesia Museum of Television and Radio/Photofest/Reuters

As filmagens e fitas a que você teve acesso são muito íntimas, e muitas nunca tinham sido vistas nem ouvidas pelo público. A quantos arquivos você teve acesso?

Horas e horas de material. Uma das nossas produtoras estava na casa de Lucie [filha de Ball] e ela apontou para uma caixa, tipo, “O que tem nessa?”. Encontrar todas as fitas foi um daqueles momentos de gênio saindo da garrafa. Quando você está fazendo um documentário, você percebe que você e seu editor [Robert Martinez, cujos trabalhos incluem The Bee Gees: How Can You Mend a Broken Heart] são duas pessoas num bote salva-vidas. Nós tínhamos muito material, e isso foi de longe a coisa mais impressionante. Quando tomamos a decisão de ouvir Lucy e Desi nos contarem sua história [por meio das gravações], tudo mudou, porque assim pareciam figuras vivas e humanas – mas conseguimos envelhecê-las à medida que o filme avançava. Mesmo acreditando fortemente que as pessoas não são narradoras confiáveis, acho que você aprende muito com o que as pessoas não dizem, que é tão importante quanto o que elas dizem. Eu sempre fiquei muito comovida com a forma como eles falavam um do outro.

O filme dá a sensação de que eles estavam sempre defendendo essa versão bem anos 1950 de felizes-para-sempre. Mas, longe das câmeras, pelo menos depois de anos de casamento, eles passaram por maus momentos. Às vezes é difícil conciliar isso com a Lucy e o Ricky que vemos na televisão.

A televisão é um meio íntimo que você costuma assistir com a sua família, e eles foram os primeiros inventores da ideia de briga-e-conciliação: ou seja, talvez Lucy tenha feito pão demais, ou Ricky tenha esquecido seu aniversário, ou seja lá o que for, e você acha que não tem jeito de eles fazerem as pazes, mas no fim eles se acertam e fica tudo bem. Havia um anseio profundo, especialmente na América do pós-guerra, de pensar: “Será que é possível consertar as coisas? Será que vamos ficar bem? Será que a família vai ficar junto?”. E o que foi realmente emocionante para mim é que eles estavam vivendo coisas muito humanas e complicadas que a maioria das pessoas sente com o sucesso e o casamento. Você sabe, todas as coisas que acontecem na vida humana.

Você teve conversas com os produtores ou com seu editor sobre o casamento deles ou sobre por que o relacionamento deles pode ressoar junto ao público moderno?

Pois é, nós realmente tentamos desconstruir a ideia de parceria e fazer perguntas sobre o que faz um casamento ser bem-sucedido. O que Lucy e Desi fazem nas suas vidas é que trabalham muito consigo mesmos e com seu ofício. Eles criam essa linda música juntos. E continuam a criar separadamente, se respeitando e encontrando maneiras de trabalhar juntos. Então sempre vem aquela pergunta: o que é uma parceria de sucesso? O casamento deles termina, mas eles são pai e mãe e encontram um novo amor. Adorei conversar com Laura LaPlaca [diretora do Departamento de Arquivos e Preservação Carl Reiner, do National Comedy Center] porque ela disse que a América simplesmente não aceitava o divórcio. A América falava, tipo, de jeito nenhum. Mas eles mostraram como era se divorciar e mostrar respeito um pelo outro. Eles estavam abrindo uma trilha. Mas, você sabe, se eu tivesse o privilégio de falar com qualquer um deles agora, eles provavelmente iriam dizer que estavam só vivendo suas vidas humanas e complicadas. Eles não estavam tentando fazer nada de especial.

Desi morreu em 1986. Sua filha Lucie conta uma história comovente sobre fazer um encontro para assistir a episódios antigos de ‘I Love Lucy’, que, de certa forma, é um final meio felizes-para-sempre, mas muito agridoce. O que essa história significou para você e o que você acha que ela diz sobre o casamento deles e a noção de felizes-para-sempre?

Lucy disse que depois que eles se divorciaram, os dois ficaram muito mais gentis um com o outro. Como cultura, somos obcecados pelo “até que a morte os separe”. Mas não seria melhor que, no seu leito de morte, você pudesse dizer às pessoas que as ama? O objetivo é ter um casamento infeliz de décadas? Ou o objetivo é se unir numa parceria para criar coisas interessantes juntos e continuar cheios de amor e respeito um pelo outro? Lucy e Desi trabalharam muito e, quando tiveram a oportunidade, deram as mãos e pularam. Parece que eles eram astronautas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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