Bizarros Peixes das Fossas Abissais pode deixar o espectador perdido. A animação é surreal e quebra noções do cinema e do senso comum. No meio da loucura, entre uma nuvem sentimental e uma tartaruga à beira de um ataque de nervos, o público vai achar ali algo comum, familiar: a voz de um dos principais atores brasileiros.
Rodrigo Santoro já trabalhou com a voz outras vezes, também dublando animações – e diz que gosta de ter a voz como única ferramenta para humanizar os personagens. Quando questionado sobre essa sua ligação com produções brasileiras, ao mesmo tempo em que tem uma carreira internacional bastante consolidada e interessante, Santoro vai direto ao ponto.
“Eu nunca saí desse mercado brasileiro. Agora é Bizarros Peixes, logo mais tenho Bom Dia, Verônica, depois tem o filme O Outro Lado do Céu”, afirma. “Eu continuo trabalhando. Sempre fiz pelo menos um projeto no Brasil. Pode ter um ano ou outro por ter passado mais tempo lá fora, mas nunca separei muito minha carreira”.
Rodrigo Santoro
Mas aqui se trata de uma história brasileira fora de qualquer expectativa. “Minha bunda é um gorila”, exclama a protagonista da animação logo nos primeiros minutos. Alguns segundos depois, o filme do diretor Marão começa a mostrar a que veio: essa parte do corpo da personagem começa a realmente se transformar em um grande macaco, que luta contra vilões que a perseguem.
Isso já dá a tônica do longa, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 25 de janeiro. É uma animação fora de qualquer obviedade e que fala sobre essa mulher transmorfa, uma tartaruga com transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e uma nuvem com vergonha de chover – os três em busca de cacos de um objeto antigo que pode ajudar o avô da protagonista.
“É muito corajoso artisticamente. [É um filme] que resolve sair das regras pré-estabelecidas, da normatividade. Tudo isso ainda permeado por uma linha dramática bem construída com uma motivação muito humana, verdadeira, bonita mesmo”, diz Natália Lage, que dubla a personagem principal, ao Estadão.
Natália Lage
Apesar de ser uma história totalmente “fora da caixinha”, Bizarros Peixes das Fossas Abissais está longe de ser um filme incompreensível. Pelo contrário: o longa-metragem conta até com uma narrativa bastante linear, com começo, meio e fim, ainda que o desejo real da personagem seja completamente revelado só no final. A dublagem de Lage, ao lado de Santoro (como a tartaruga) e Guilherme Briggs, dublador veterano de franquias como Toy Story e Transformers (como a nuvem), também ajuda.
“Quando ele me chamou, topei de cara. Bizarrice é com a gente”, diz Briggs. Segundo ele, é um trabalho mais gostoso de fazer justamente pela liberdade que chega com o projeto. “Quando é dublagem de algo de fora, vem junto um monte de executivo intermediando. Até você chegar na alma do projeto, demora. Tem o executivo A, o executivo B, o cara que dá um pitaco. Quando você é a voz original, é totalmente diferente. É mais emocionante”.
Cinema brasileiro e suas possibilidades
Assim como a sensação para Natália e Briggs é de emoção pela criatividade, a mesma coisa acontece com o público do outro lado. Assistir a Bizarros Peixes é mergulhar em uma trama extremamente autoral, tocada quase na íntegra por Marão, que fez questão de usar traços que trazem certa imperfeição para lembrar que existe alguém ali controlando o lápis.
Era esse o objetivo do cineasta. “Queria passar mais tempo com as minhas criações, com aquele universo. Não queria ficar engessado”, explica. “Sendo um projeto meu, posso exagerar mais. Eu era meu chefe neste trabalho, podendo improvisar. É uma história bem simples, o que me dá margem para inventar cenas inspiradas no que aconteceu na minha vida”.
Isso também dá um frescor ainda maior para a animação nacional. Mostra que podemos criar histórias surpreendentes. “Você pode fazer qualquer coisa com a animação. Você pode contar qualquer história brasileira, de qualquer época, usando a imaginação com histórias também universais”, afirma Guilherme Briggs.
Guilherme Briggs