Crítica: Em ‘A Sindicalista’, Isabelle Huppert triunfa como dirigente sindical entre heroína e vilã


Atriz constrói com habilidade figura de sindicalista feroz, que passa de defensora dos direitos dos colegas a vítima, talvez uma farsa. Diretor Jean-Paul Salomé peca pelo didatismo

Por Luiz Zanin Oricchio

A Sindicalista é, pelo menos, dois filmes em um. Talvez três. Dirigido por Jean-Paul Salomé e interpretado por Isabelle Huppert, ainda por cima é baseado em caso real. O livro-reportagem, que serve de base à obra cinematográfica, foi escrito pela jornalista francesa Caroline Michel-Aguirre, da revista Le Nouvel Observateur. O filme estreou nesta quinta-feira (29) no Brasil.

A personagem se chama Maureen Kearney, dirigente sindical que ousa denunciar um acordo nuclear com a China, segundo ela prejudicial aos interesses da França e dos operários. Maureen encarna a feroz defensora dos direitos dos trabalhadores porque tal acordo implicaria na supressão de muitos empregos. Mas há uma virada, que transforma a heroína primeiro em vítima e depois em vilã. A não ser que não seja nada disso.

Onde está a verdade? Essa é a pergunta que percorre a história e é conduzida com boa mão por Salomé. Com sua direção meio frenética, ele faz desse caso um suspense social e, em seguida, drama policial e judiciário. Conta com a sempre ótima performance interpretativa de Isabelle Huppert, atriz que dispõe de muita energia interna, porém não a usa de maneira exibicionista. Prefere ser contida, para ser mais eficaz. No entanto, mesmo em condições desfavoráveis, temos dificuldade em ver sua personagem como pobre vítima. Nunca parece indefesa, ou passiva.

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De modo que as possíveis reviravoltas da trama não soam absurdas, pois Huppert sempre parece capaz de produzi-las ou revertê-las. Isso não quer dizer que haja sequências absurdas ou inverossímeis na trama. Mas a segunda parte, de fato, é mais intrigante e menos evidente que a primeira.

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O início parece bastante plausível. Há essa dirigente sindical cheia de boas intenções, muito qualificada, trabalhadora enérgica e disposta a enfrentar interesses econômicos escusos para defender funcionários do complexo nuclear e mesmo o interesse geral da nação. Sustenta sua posição mesmo quando o CEO da empresa mostra-se homem bastante agressivo e disposto a fazer valer sua vontade a qualquer custo.

Nesse ponto, o filme anda por caminho contemporâneo ao encenar esse enfrentamento em contexto de maior poder feminino frente aos desmandos do macho alfa. A trama é feminista, sem necessidade de discursos explícitos. O “feminismo” de Maureen vem mais das ações da personagem que de suas palavras. Não é discursivo; é ativo. A misoginia estrutural é explicitada, sem que precise ser denunciada em termos moralizantes.

Por outro lado, quando a trama muda de lado e faz da heroína vítima, e, em seguida, potencial vilã, tudo se torna mais complexo. Se na primeira parte o público não tem problemas em se identificar com Maureen, na segunda é jogado no torvelinho da dúvida. O que terá de fato acontecido a essa mulher? Ela fala a verdade ou mente? Mas o que é a verdade?

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Como dizia Nietzsche, a verdade mora no fundo de um poço. Talvez poço sem fundo. Existem os fatos e as interpretações dos fatos. E, talvez, só tenhamos acesso a versões, nunca aos fatos em si. Passa por verdade aquilo que é mais plausível, mais convincente, mais compreensível. Daí os dramas judiciais se resolverem em geral na disputa retórica. Se as provas não forem evidentes como a luz do sol, é no embate entre defesa e promotoria que se decide o destino do réu.

Isabelle Huppert em 'A Sindicalista' Foto: Guy Ferrandis/Le Bureau Films

Ao articular essas várias dimensões da obra, o diretor precisa ser equilibrista. Salomé nem sempre se sai tão bem. Às vezes dá impressão de ser nova versão de Costa-Gavras, o veterano diretor franco-grego autor de clássicos do cinema político e social como Z, Missing - O Desaparecido e O Quarto Poder.

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Gavras é, com frequência, acusado pela crítica de fazer filmes socialmente avançados, porém com linguagem tradicional. A crítica pode ser injusta em relação a ele. Porém, se aplica a Salomé, pelo menos no caso de A Sindicalista. A história é ambiciosa, porém tímida em termos de linguagem cinematográfica. Falta-lhe ousadia, invenção, aquela febre que faz com que alguns (poucos) filmes, políticos ou não, se tornem de fato grandes.

De modo que, ao costurar as diferentes dimensões de A Sindicalista, Salomé apela para certo didatismo, de modo a cimentar as partes. Como se temesse que o público não pudesse alcançar a complexidade da fatia de vida lá exposta e, então, o ajudasse tornando transparente aquilo que é de fato misterioso.

Isso enfraquece um pouco a obra, sem no entanto comprometê-la. É que, acima de tudo, Jean-Paul Salomé conta com o trunfo que empresta consistência ao conjunto, mesmo quando ele não a tenha por completo. Esse trunfo atende pelo nome de Isabelle Huppert. Sem ela, A Sindicalista seria outro filme, e muito menos interessante.

A Sindicalista é, pelo menos, dois filmes em um. Talvez três. Dirigido por Jean-Paul Salomé e interpretado por Isabelle Huppert, ainda por cima é baseado em caso real. O livro-reportagem, que serve de base à obra cinematográfica, foi escrito pela jornalista francesa Caroline Michel-Aguirre, da revista Le Nouvel Observateur. O filme estreou nesta quinta-feira (29) no Brasil.

A personagem se chama Maureen Kearney, dirigente sindical que ousa denunciar um acordo nuclear com a China, segundo ela prejudicial aos interesses da França e dos operários. Maureen encarna a feroz defensora dos direitos dos trabalhadores porque tal acordo implicaria na supressão de muitos empregos. Mas há uma virada, que transforma a heroína primeiro em vítima e depois em vilã. A não ser que não seja nada disso.

Onde está a verdade? Essa é a pergunta que percorre a história e é conduzida com boa mão por Salomé. Com sua direção meio frenética, ele faz desse caso um suspense social e, em seguida, drama policial e judiciário. Conta com a sempre ótima performance interpretativa de Isabelle Huppert, atriz que dispõe de muita energia interna, porém não a usa de maneira exibicionista. Prefere ser contida, para ser mais eficaz. No entanto, mesmo em condições desfavoráveis, temos dificuldade em ver sua personagem como pobre vítima. Nunca parece indefesa, ou passiva.

De modo que as possíveis reviravoltas da trama não soam absurdas, pois Huppert sempre parece capaz de produzi-las ou revertê-las. Isso não quer dizer que haja sequências absurdas ou inverossímeis na trama. Mas a segunda parte, de fato, é mais intrigante e menos evidente que a primeira.

O início parece bastante plausível. Há essa dirigente sindical cheia de boas intenções, muito qualificada, trabalhadora enérgica e disposta a enfrentar interesses econômicos escusos para defender funcionários do complexo nuclear e mesmo o interesse geral da nação. Sustenta sua posição mesmo quando o CEO da empresa mostra-se homem bastante agressivo e disposto a fazer valer sua vontade a qualquer custo.

Nesse ponto, o filme anda por caminho contemporâneo ao encenar esse enfrentamento em contexto de maior poder feminino frente aos desmandos do macho alfa. A trama é feminista, sem necessidade de discursos explícitos. O “feminismo” de Maureen vem mais das ações da personagem que de suas palavras. Não é discursivo; é ativo. A misoginia estrutural é explicitada, sem que precise ser denunciada em termos moralizantes.

Por outro lado, quando a trama muda de lado e faz da heroína vítima, e, em seguida, potencial vilã, tudo se torna mais complexo. Se na primeira parte o público não tem problemas em se identificar com Maureen, na segunda é jogado no torvelinho da dúvida. O que terá de fato acontecido a essa mulher? Ela fala a verdade ou mente? Mas o que é a verdade?

Como dizia Nietzsche, a verdade mora no fundo de um poço. Talvez poço sem fundo. Existem os fatos e as interpretações dos fatos. E, talvez, só tenhamos acesso a versões, nunca aos fatos em si. Passa por verdade aquilo que é mais plausível, mais convincente, mais compreensível. Daí os dramas judiciais se resolverem em geral na disputa retórica. Se as provas não forem evidentes como a luz do sol, é no embate entre defesa e promotoria que se decide o destino do réu.

Isabelle Huppert em 'A Sindicalista' Foto: Guy Ferrandis/Le Bureau Films

Ao articular essas várias dimensões da obra, o diretor precisa ser equilibrista. Salomé nem sempre se sai tão bem. Às vezes dá impressão de ser nova versão de Costa-Gavras, o veterano diretor franco-grego autor de clássicos do cinema político e social como Z, Missing - O Desaparecido e O Quarto Poder.

Gavras é, com frequência, acusado pela crítica de fazer filmes socialmente avançados, porém com linguagem tradicional. A crítica pode ser injusta em relação a ele. Porém, se aplica a Salomé, pelo menos no caso de A Sindicalista. A história é ambiciosa, porém tímida em termos de linguagem cinematográfica. Falta-lhe ousadia, invenção, aquela febre que faz com que alguns (poucos) filmes, políticos ou não, se tornem de fato grandes.

De modo que, ao costurar as diferentes dimensões de A Sindicalista, Salomé apela para certo didatismo, de modo a cimentar as partes. Como se temesse que o público não pudesse alcançar a complexidade da fatia de vida lá exposta e, então, o ajudasse tornando transparente aquilo que é de fato misterioso.

Isso enfraquece um pouco a obra, sem no entanto comprometê-la. É que, acima de tudo, Jean-Paul Salomé conta com o trunfo que empresta consistência ao conjunto, mesmo quando ele não a tenha por completo. Esse trunfo atende pelo nome de Isabelle Huppert. Sem ela, A Sindicalista seria outro filme, e muito menos interessante.

A Sindicalista é, pelo menos, dois filmes em um. Talvez três. Dirigido por Jean-Paul Salomé e interpretado por Isabelle Huppert, ainda por cima é baseado em caso real. O livro-reportagem, que serve de base à obra cinematográfica, foi escrito pela jornalista francesa Caroline Michel-Aguirre, da revista Le Nouvel Observateur. O filme estreou nesta quinta-feira (29) no Brasil.

A personagem se chama Maureen Kearney, dirigente sindical que ousa denunciar um acordo nuclear com a China, segundo ela prejudicial aos interesses da França e dos operários. Maureen encarna a feroz defensora dos direitos dos trabalhadores porque tal acordo implicaria na supressão de muitos empregos. Mas há uma virada, que transforma a heroína primeiro em vítima e depois em vilã. A não ser que não seja nada disso.

Onde está a verdade? Essa é a pergunta que percorre a história e é conduzida com boa mão por Salomé. Com sua direção meio frenética, ele faz desse caso um suspense social e, em seguida, drama policial e judiciário. Conta com a sempre ótima performance interpretativa de Isabelle Huppert, atriz que dispõe de muita energia interna, porém não a usa de maneira exibicionista. Prefere ser contida, para ser mais eficaz. No entanto, mesmo em condições desfavoráveis, temos dificuldade em ver sua personagem como pobre vítima. Nunca parece indefesa, ou passiva.

De modo que as possíveis reviravoltas da trama não soam absurdas, pois Huppert sempre parece capaz de produzi-las ou revertê-las. Isso não quer dizer que haja sequências absurdas ou inverossímeis na trama. Mas a segunda parte, de fato, é mais intrigante e menos evidente que a primeira.

O início parece bastante plausível. Há essa dirigente sindical cheia de boas intenções, muito qualificada, trabalhadora enérgica e disposta a enfrentar interesses econômicos escusos para defender funcionários do complexo nuclear e mesmo o interesse geral da nação. Sustenta sua posição mesmo quando o CEO da empresa mostra-se homem bastante agressivo e disposto a fazer valer sua vontade a qualquer custo.

Nesse ponto, o filme anda por caminho contemporâneo ao encenar esse enfrentamento em contexto de maior poder feminino frente aos desmandos do macho alfa. A trama é feminista, sem necessidade de discursos explícitos. O “feminismo” de Maureen vem mais das ações da personagem que de suas palavras. Não é discursivo; é ativo. A misoginia estrutural é explicitada, sem que precise ser denunciada em termos moralizantes.

Por outro lado, quando a trama muda de lado e faz da heroína vítima, e, em seguida, potencial vilã, tudo se torna mais complexo. Se na primeira parte o público não tem problemas em se identificar com Maureen, na segunda é jogado no torvelinho da dúvida. O que terá de fato acontecido a essa mulher? Ela fala a verdade ou mente? Mas o que é a verdade?

Como dizia Nietzsche, a verdade mora no fundo de um poço. Talvez poço sem fundo. Existem os fatos e as interpretações dos fatos. E, talvez, só tenhamos acesso a versões, nunca aos fatos em si. Passa por verdade aquilo que é mais plausível, mais convincente, mais compreensível. Daí os dramas judiciais se resolverem em geral na disputa retórica. Se as provas não forem evidentes como a luz do sol, é no embate entre defesa e promotoria que se decide o destino do réu.

Isabelle Huppert em 'A Sindicalista' Foto: Guy Ferrandis/Le Bureau Films

Ao articular essas várias dimensões da obra, o diretor precisa ser equilibrista. Salomé nem sempre se sai tão bem. Às vezes dá impressão de ser nova versão de Costa-Gavras, o veterano diretor franco-grego autor de clássicos do cinema político e social como Z, Missing - O Desaparecido e O Quarto Poder.

Gavras é, com frequência, acusado pela crítica de fazer filmes socialmente avançados, porém com linguagem tradicional. A crítica pode ser injusta em relação a ele. Porém, se aplica a Salomé, pelo menos no caso de A Sindicalista. A história é ambiciosa, porém tímida em termos de linguagem cinematográfica. Falta-lhe ousadia, invenção, aquela febre que faz com que alguns (poucos) filmes, políticos ou não, se tornem de fato grandes.

De modo que, ao costurar as diferentes dimensões de A Sindicalista, Salomé apela para certo didatismo, de modo a cimentar as partes. Como se temesse que o público não pudesse alcançar a complexidade da fatia de vida lá exposta e, então, o ajudasse tornando transparente aquilo que é de fato misterioso.

Isso enfraquece um pouco a obra, sem no entanto comprometê-la. É que, acima de tudo, Jean-Paul Salomé conta com o trunfo que empresta consistência ao conjunto, mesmo quando ele não a tenha por completo. Esse trunfo atende pelo nome de Isabelle Huppert. Sem ela, A Sindicalista seria outro filme, e muito menos interessante.

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