‘Oppenheimer’ passeia por gêneros para dar conta do impacto da história de criador da bomba atômica


Novo longa-metragem de Christopher Nolan é um colosso de três horas que não cansa de mudar seu estilo, sua linguagem e sua estética; leia crítica

Por Matheus Mans
Atualização:

Judeu, mulherengo, genial, arrogante, progressista. São vários os adjetivos que servem para descrever J. Robert Oppenheimer, físico americano que entrou pra história como um dos principais nomes a desenvolver as bombas atômicas que dizimaram mais de uma centena de milhares de japoneses durante a Segunda Guerra.

Como resumir essa história, com todas suas contradições, em uma tela de cinema? Como dar conta da força de Oppenheimer? Quem assumiu a tarefa foi Christopher Nolan, cineasta que já assinou projetos variados como A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Amnésia.

Ele se debruçou na densa e longa biografia de Oppenheimer (ou apenas Oppie, para os íntimos) e traduziu boa parte dessa história em Oppenheimer, longa que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20. Um filme complicado, que chega aos cinemas rodeado de desafios.

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Cillian Murphy é J. Robert Oppenheimer no filme 'Oppenheimer', escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan Foto: Universal Pictures/ Divulgação

Dois desafios por trás de ‘Oppenheimer’

  • O primeiro, que nasceu antes do lançamento, é compensar o orçamento de mais de US$ 100 milhões. Valor baixo se comparado a Indiana Jones e a Relíquia do Destino, por exemplo, mas alto se analisarmos o cenário do cinema: poucos lançamentos estão passando da marca dos US$ 500 milhões. Oppenheimer, ainda por cima, tem um complicado desafio de vencer a corrida pelo dinheiro do tíquete contra o aguardado Barbie e Missão: Impossível 7.
  • O segundo desafio, quase tão complicado quanto esse primeiro, é justamente traduzir a história de J. Robert Oppenheimer para um filme que não apenas faça sentido, mas que também seja agradável de se assistir. Quem leu Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, biografia que inspirou o filme, sabe que não é algo simples. Não dá para preencher apenas fórmulas. Para cobrir toda a história, é preciso se desdobrar.
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É isso que Nolan faz ao longo de exatas três horas de projeção. Oppenheimer conta com três histórias bem divididas, embora tenha aquela velha característica do cineasta e roteirista em repartir o tempo, com idas e vindas. São eles: os momentos iniciais de Oppie (Cillian Murphy) como físico, explorando possibilidades da física quântica na academia; a direção do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba; e a inquisição que surge no pós-guerra.

Três em um

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São praticamente três filmes distintos, em que Nolan coloca sua versatilidade como cineasta em jogo:

  • Há o drama de Oppenheimer como um homem que carrega a culpa de ter criado uma arma de destruição em massa;
  • há a tensão, com toques de cinema de thriller, com os testes da primeira bomba;
  • há o filme de tribunal, que atravessa quase toda narrativa enquanto o físico norte-americano tenta se proteger de acusações de que seria um traidor.

Esses diferentes filmes, que habitam uma mesma história, contam com desempenhos bem distintos. A primeira hora de projeção, focada em desenvolver a personalidade de Oppenheimer e nos apresentar a mente desse homem que mudou a humanidade, é a mais densa, mas também a mais cansativa. Deve afastar parte do público, principalmente aquele que caiu de paraquedas na sessão depois de assistir a Barbie.

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É um pedaço do filme que também sofre muito por conta da personalidade de Nolan. Ele, que filmou a história em película 70mm para IMAX, se coloca demais na história nesse início, com exagero de cenas entrecortadas, sequências abstratas e decisões narrativas que não agregam exatamente para o que a história está contando. É sofrível.

Depois dessa primeira metade, porém, o filme encontra seu coração. Nolan, enfim, descobre como brilhar com a história: diminui um pouco a ânsia de brincar com o tempo da narrativa e foca em construir (e desconstruir) Oppenheimer. Como diz no texto de abertura, e como bem sublinhou a biografia, é o Prometeu moderno. O titã que roubou o fogo dos deuses e entregou à humanidade – aqui, na figura do homem que explode a espécie.

Oppenheimer cresce quando Nolan entende a complexidade da trama e vai atrás não de destrinchar um momento da História, mas o homem que a transformou. O drama de Robert (não de Oppenheimer) é mais saboroso do que todo o resto. Afinal, é um judeu que, por mais que renegasse sua origem, criou a arma mais poderosa da Segunda Guerra Mundial. Motivo de comemoração? É brilhante a cena em que o físico vê que sua criação funcionou, quase sem nenhum percalço, mas se questiona: E agora? O que será do mundo, da vida?

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Cillian Murphy, astro de Peaky Blinders, entrega atuação madura e consciente da complexidade emocional  Foto: Universal Pictures

Oppenheimer, o homem sem fim

Em determinado ponto de Oppenheimer, veio à mente Daniel Plainview, o protagonista de Sangue Negro, drama de Paul Thomas Anderson. É um homem obcecado, bastante determinado, que vê sua derrota a partir desses seus outros atributos. A loucura chega a partir de seu sucesso, mas também de toda a ideia que Plainview tinha de sua jornada.

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É, guardadas as devidas proporções, a jornada de Oppenheimer. Ele é um homem dedicado, com ânsia de colocar seu nome na história e ajudar seu país. Mas será que é esse o caminho? Como ajustar seus ideais enquanto o progresso apenas acontece?

Cillian Murphy, que interpreta Oppie, não poderia estar melhor: o astro, conhecido por seu trabalho na série Peaky Blinders, entende quem é Oppenheimer e entrega uma atuação madura e consciente de sua complexidade emocional – ele acompanha corretamente todas as nuances do filme de Nolan. O mesmo vale para Robert Downey Jr., o intérprete do filantropo e empresário Lewis Strauss: irretocável e sabe como modular seu personagem.

O resto do elenco, com nomes como Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Casey Affleck e até Rami Malek (que aparece em três cenas, duas delas sem diálogos), parece se contentar em aparecer no longa-metragem sem uma verdadeira profundidade.

Oppenheimer, assim, consegue vencer o hype: ainda que seja um filme com dificuldade para engrenar e que deve decepcionar parte do público, é um dos filmes mais maduros de Christopher Nolan, que assume os desafios e sabe fazer um filme denso sem cansar. Uma produção difícil, que não se rende aos maneirismos do cinema comercial, e que nos faz perceber que Oppenheimer está entre nós, como uma ameaça invisível que nunca quis ser.

Judeu, mulherengo, genial, arrogante, progressista. São vários os adjetivos que servem para descrever J. Robert Oppenheimer, físico americano que entrou pra história como um dos principais nomes a desenvolver as bombas atômicas que dizimaram mais de uma centena de milhares de japoneses durante a Segunda Guerra.

Como resumir essa história, com todas suas contradições, em uma tela de cinema? Como dar conta da força de Oppenheimer? Quem assumiu a tarefa foi Christopher Nolan, cineasta que já assinou projetos variados como A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Amnésia.

Ele se debruçou na densa e longa biografia de Oppenheimer (ou apenas Oppie, para os íntimos) e traduziu boa parte dessa história em Oppenheimer, longa que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20. Um filme complicado, que chega aos cinemas rodeado de desafios.

Cillian Murphy é J. Robert Oppenheimer no filme 'Oppenheimer', escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan Foto: Universal Pictures/ Divulgação

Dois desafios por trás de ‘Oppenheimer’

  • O primeiro, que nasceu antes do lançamento, é compensar o orçamento de mais de US$ 100 milhões. Valor baixo se comparado a Indiana Jones e a Relíquia do Destino, por exemplo, mas alto se analisarmos o cenário do cinema: poucos lançamentos estão passando da marca dos US$ 500 milhões. Oppenheimer, ainda por cima, tem um complicado desafio de vencer a corrida pelo dinheiro do tíquete contra o aguardado Barbie e Missão: Impossível 7.
  • O segundo desafio, quase tão complicado quanto esse primeiro, é justamente traduzir a história de J. Robert Oppenheimer para um filme que não apenas faça sentido, mas que também seja agradável de se assistir. Quem leu Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, biografia que inspirou o filme, sabe que não é algo simples. Não dá para preencher apenas fórmulas. Para cobrir toda a história, é preciso se desdobrar.

É isso que Nolan faz ao longo de exatas três horas de projeção. Oppenheimer conta com três histórias bem divididas, embora tenha aquela velha característica do cineasta e roteirista em repartir o tempo, com idas e vindas. São eles: os momentos iniciais de Oppie (Cillian Murphy) como físico, explorando possibilidades da física quântica na academia; a direção do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba; e a inquisição que surge no pós-guerra.

Três em um

São praticamente três filmes distintos, em que Nolan coloca sua versatilidade como cineasta em jogo:

  • Há o drama de Oppenheimer como um homem que carrega a culpa de ter criado uma arma de destruição em massa;
  • há a tensão, com toques de cinema de thriller, com os testes da primeira bomba;
  • há o filme de tribunal, que atravessa quase toda narrativa enquanto o físico norte-americano tenta se proteger de acusações de que seria um traidor.

Esses diferentes filmes, que habitam uma mesma história, contam com desempenhos bem distintos. A primeira hora de projeção, focada em desenvolver a personalidade de Oppenheimer e nos apresentar a mente desse homem que mudou a humanidade, é a mais densa, mas também a mais cansativa. Deve afastar parte do público, principalmente aquele que caiu de paraquedas na sessão depois de assistir a Barbie.

É um pedaço do filme que também sofre muito por conta da personalidade de Nolan. Ele, que filmou a história em película 70mm para IMAX, se coloca demais na história nesse início, com exagero de cenas entrecortadas, sequências abstratas e decisões narrativas que não agregam exatamente para o que a história está contando. É sofrível.

Depois dessa primeira metade, porém, o filme encontra seu coração. Nolan, enfim, descobre como brilhar com a história: diminui um pouco a ânsia de brincar com o tempo da narrativa e foca em construir (e desconstruir) Oppenheimer. Como diz no texto de abertura, e como bem sublinhou a biografia, é o Prometeu moderno. O titã que roubou o fogo dos deuses e entregou à humanidade – aqui, na figura do homem que explode a espécie.

Oppenheimer cresce quando Nolan entende a complexidade da trama e vai atrás não de destrinchar um momento da História, mas o homem que a transformou. O drama de Robert (não de Oppenheimer) é mais saboroso do que todo o resto. Afinal, é um judeu que, por mais que renegasse sua origem, criou a arma mais poderosa da Segunda Guerra Mundial. Motivo de comemoração? É brilhante a cena em que o físico vê que sua criação funcionou, quase sem nenhum percalço, mas se questiona: E agora? O que será do mundo, da vida?

Cillian Murphy, astro de Peaky Blinders, entrega atuação madura e consciente da complexidade emocional  Foto: Universal Pictures

Oppenheimer, o homem sem fim

Em determinado ponto de Oppenheimer, veio à mente Daniel Plainview, o protagonista de Sangue Negro, drama de Paul Thomas Anderson. É um homem obcecado, bastante determinado, que vê sua derrota a partir desses seus outros atributos. A loucura chega a partir de seu sucesso, mas também de toda a ideia que Plainview tinha de sua jornada.

É, guardadas as devidas proporções, a jornada de Oppenheimer. Ele é um homem dedicado, com ânsia de colocar seu nome na história e ajudar seu país. Mas será que é esse o caminho? Como ajustar seus ideais enquanto o progresso apenas acontece?

Cillian Murphy, que interpreta Oppie, não poderia estar melhor: o astro, conhecido por seu trabalho na série Peaky Blinders, entende quem é Oppenheimer e entrega uma atuação madura e consciente de sua complexidade emocional – ele acompanha corretamente todas as nuances do filme de Nolan. O mesmo vale para Robert Downey Jr., o intérprete do filantropo e empresário Lewis Strauss: irretocável e sabe como modular seu personagem.

O resto do elenco, com nomes como Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Casey Affleck e até Rami Malek (que aparece em três cenas, duas delas sem diálogos), parece se contentar em aparecer no longa-metragem sem uma verdadeira profundidade.

Oppenheimer, assim, consegue vencer o hype: ainda que seja um filme com dificuldade para engrenar e que deve decepcionar parte do público, é um dos filmes mais maduros de Christopher Nolan, que assume os desafios e sabe fazer um filme denso sem cansar. Uma produção difícil, que não se rende aos maneirismos do cinema comercial, e que nos faz perceber que Oppenheimer está entre nós, como uma ameaça invisível que nunca quis ser.

Judeu, mulherengo, genial, arrogante, progressista. São vários os adjetivos que servem para descrever J. Robert Oppenheimer, físico americano que entrou pra história como um dos principais nomes a desenvolver as bombas atômicas que dizimaram mais de uma centena de milhares de japoneses durante a Segunda Guerra.

Como resumir essa história, com todas suas contradições, em uma tela de cinema? Como dar conta da força de Oppenheimer? Quem assumiu a tarefa foi Christopher Nolan, cineasta que já assinou projetos variados como A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Amnésia.

Ele se debruçou na densa e longa biografia de Oppenheimer (ou apenas Oppie, para os íntimos) e traduziu boa parte dessa história em Oppenheimer, longa que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20. Um filme complicado, que chega aos cinemas rodeado de desafios.

Cillian Murphy é J. Robert Oppenheimer no filme 'Oppenheimer', escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan Foto: Universal Pictures/ Divulgação

Dois desafios por trás de ‘Oppenheimer’

  • O primeiro, que nasceu antes do lançamento, é compensar o orçamento de mais de US$ 100 milhões. Valor baixo se comparado a Indiana Jones e a Relíquia do Destino, por exemplo, mas alto se analisarmos o cenário do cinema: poucos lançamentos estão passando da marca dos US$ 500 milhões. Oppenheimer, ainda por cima, tem um complicado desafio de vencer a corrida pelo dinheiro do tíquete contra o aguardado Barbie e Missão: Impossível 7.
  • O segundo desafio, quase tão complicado quanto esse primeiro, é justamente traduzir a história de J. Robert Oppenheimer para um filme que não apenas faça sentido, mas que também seja agradável de se assistir. Quem leu Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, biografia que inspirou o filme, sabe que não é algo simples. Não dá para preencher apenas fórmulas. Para cobrir toda a história, é preciso se desdobrar.

É isso que Nolan faz ao longo de exatas três horas de projeção. Oppenheimer conta com três histórias bem divididas, embora tenha aquela velha característica do cineasta e roteirista em repartir o tempo, com idas e vindas. São eles: os momentos iniciais de Oppie (Cillian Murphy) como físico, explorando possibilidades da física quântica na academia; a direção do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba; e a inquisição que surge no pós-guerra.

Três em um

São praticamente três filmes distintos, em que Nolan coloca sua versatilidade como cineasta em jogo:

  • Há o drama de Oppenheimer como um homem que carrega a culpa de ter criado uma arma de destruição em massa;
  • há a tensão, com toques de cinema de thriller, com os testes da primeira bomba;
  • há o filme de tribunal, que atravessa quase toda narrativa enquanto o físico norte-americano tenta se proteger de acusações de que seria um traidor.

Esses diferentes filmes, que habitam uma mesma história, contam com desempenhos bem distintos. A primeira hora de projeção, focada em desenvolver a personalidade de Oppenheimer e nos apresentar a mente desse homem que mudou a humanidade, é a mais densa, mas também a mais cansativa. Deve afastar parte do público, principalmente aquele que caiu de paraquedas na sessão depois de assistir a Barbie.

É um pedaço do filme que também sofre muito por conta da personalidade de Nolan. Ele, que filmou a história em película 70mm para IMAX, se coloca demais na história nesse início, com exagero de cenas entrecortadas, sequências abstratas e decisões narrativas que não agregam exatamente para o que a história está contando. É sofrível.

Depois dessa primeira metade, porém, o filme encontra seu coração. Nolan, enfim, descobre como brilhar com a história: diminui um pouco a ânsia de brincar com o tempo da narrativa e foca em construir (e desconstruir) Oppenheimer. Como diz no texto de abertura, e como bem sublinhou a biografia, é o Prometeu moderno. O titã que roubou o fogo dos deuses e entregou à humanidade – aqui, na figura do homem que explode a espécie.

Oppenheimer cresce quando Nolan entende a complexidade da trama e vai atrás não de destrinchar um momento da História, mas o homem que a transformou. O drama de Robert (não de Oppenheimer) é mais saboroso do que todo o resto. Afinal, é um judeu que, por mais que renegasse sua origem, criou a arma mais poderosa da Segunda Guerra Mundial. Motivo de comemoração? É brilhante a cena em que o físico vê que sua criação funcionou, quase sem nenhum percalço, mas se questiona: E agora? O que será do mundo, da vida?

Cillian Murphy, astro de Peaky Blinders, entrega atuação madura e consciente da complexidade emocional  Foto: Universal Pictures

Oppenheimer, o homem sem fim

Em determinado ponto de Oppenheimer, veio à mente Daniel Plainview, o protagonista de Sangue Negro, drama de Paul Thomas Anderson. É um homem obcecado, bastante determinado, que vê sua derrota a partir desses seus outros atributos. A loucura chega a partir de seu sucesso, mas também de toda a ideia que Plainview tinha de sua jornada.

É, guardadas as devidas proporções, a jornada de Oppenheimer. Ele é um homem dedicado, com ânsia de colocar seu nome na história e ajudar seu país. Mas será que é esse o caminho? Como ajustar seus ideais enquanto o progresso apenas acontece?

Cillian Murphy, que interpreta Oppie, não poderia estar melhor: o astro, conhecido por seu trabalho na série Peaky Blinders, entende quem é Oppenheimer e entrega uma atuação madura e consciente de sua complexidade emocional – ele acompanha corretamente todas as nuances do filme de Nolan. O mesmo vale para Robert Downey Jr., o intérprete do filantropo e empresário Lewis Strauss: irretocável e sabe como modular seu personagem.

O resto do elenco, com nomes como Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Casey Affleck e até Rami Malek (que aparece em três cenas, duas delas sem diálogos), parece se contentar em aparecer no longa-metragem sem uma verdadeira profundidade.

Oppenheimer, assim, consegue vencer o hype: ainda que seja um filme com dificuldade para engrenar e que deve decepcionar parte do público, é um dos filmes mais maduros de Christopher Nolan, que assume os desafios e sabe fazer um filme denso sem cansar. Uma produção difícil, que não se rende aos maneirismos do cinema comercial, e que nos faz perceber que Oppenheimer está entre nós, como uma ameaça invisível que nunca quis ser.

Judeu, mulherengo, genial, arrogante, progressista. São vários os adjetivos que servem para descrever J. Robert Oppenheimer, físico americano que entrou pra história como um dos principais nomes a desenvolver as bombas atômicas que dizimaram mais de uma centena de milhares de japoneses durante a Segunda Guerra.

Como resumir essa história, com todas suas contradições, em uma tela de cinema? Como dar conta da força de Oppenheimer? Quem assumiu a tarefa foi Christopher Nolan, cineasta que já assinou projetos variados como A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Amnésia.

Ele se debruçou na densa e longa biografia de Oppenheimer (ou apenas Oppie, para os íntimos) e traduziu boa parte dessa história em Oppenheimer, longa que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20. Um filme complicado, que chega aos cinemas rodeado de desafios.

Cillian Murphy é J. Robert Oppenheimer no filme 'Oppenheimer', escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan Foto: Universal Pictures/ Divulgação

Dois desafios por trás de ‘Oppenheimer’

  • O primeiro, que nasceu antes do lançamento, é compensar o orçamento de mais de US$ 100 milhões. Valor baixo se comparado a Indiana Jones e a Relíquia do Destino, por exemplo, mas alto se analisarmos o cenário do cinema: poucos lançamentos estão passando da marca dos US$ 500 milhões. Oppenheimer, ainda por cima, tem um complicado desafio de vencer a corrida pelo dinheiro do tíquete contra o aguardado Barbie e Missão: Impossível 7.
  • O segundo desafio, quase tão complicado quanto esse primeiro, é justamente traduzir a história de J. Robert Oppenheimer para um filme que não apenas faça sentido, mas que também seja agradável de se assistir. Quem leu Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, biografia que inspirou o filme, sabe que não é algo simples. Não dá para preencher apenas fórmulas. Para cobrir toda a história, é preciso se desdobrar.

É isso que Nolan faz ao longo de exatas três horas de projeção. Oppenheimer conta com três histórias bem divididas, embora tenha aquela velha característica do cineasta e roteirista em repartir o tempo, com idas e vindas. São eles: os momentos iniciais de Oppie (Cillian Murphy) como físico, explorando possibilidades da física quântica na academia; a direção do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba; e a inquisição que surge no pós-guerra.

Três em um

São praticamente três filmes distintos, em que Nolan coloca sua versatilidade como cineasta em jogo:

  • Há o drama de Oppenheimer como um homem que carrega a culpa de ter criado uma arma de destruição em massa;
  • há a tensão, com toques de cinema de thriller, com os testes da primeira bomba;
  • há o filme de tribunal, que atravessa quase toda narrativa enquanto o físico norte-americano tenta se proteger de acusações de que seria um traidor.

Esses diferentes filmes, que habitam uma mesma história, contam com desempenhos bem distintos. A primeira hora de projeção, focada em desenvolver a personalidade de Oppenheimer e nos apresentar a mente desse homem que mudou a humanidade, é a mais densa, mas também a mais cansativa. Deve afastar parte do público, principalmente aquele que caiu de paraquedas na sessão depois de assistir a Barbie.

É um pedaço do filme que também sofre muito por conta da personalidade de Nolan. Ele, que filmou a história em película 70mm para IMAX, se coloca demais na história nesse início, com exagero de cenas entrecortadas, sequências abstratas e decisões narrativas que não agregam exatamente para o que a história está contando. É sofrível.

Depois dessa primeira metade, porém, o filme encontra seu coração. Nolan, enfim, descobre como brilhar com a história: diminui um pouco a ânsia de brincar com o tempo da narrativa e foca em construir (e desconstruir) Oppenheimer. Como diz no texto de abertura, e como bem sublinhou a biografia, é o Prometeu moderno. O titã que roubou o fogo dos deuses e entregou à humanidade – aqui, na figura do homem que explode a espécie.

Oppenheimer cresce quando Nolan entende a complexidade da trama e vai atrás não de destrinchar um momento da História, mas o homem que a transformou. O drama de Robert (não de Oppenheimer) é mais saboroso do que todo o resto. Afinal, é um judeu que, por mais que renegasse sua origem, criou a arma mais poderosa da Segunda Guerra Mundial. Motivo de comemoração? É brilhante a cena em que o físico vê que sua criação funcionou, quase sem nenhum percalço, mas se questiona: E agora? O que será do mundo, da vida?

Cillian Murphy, astro de Peaky Blinders, entrega atuação madura e consciente da complexidade emocional  Foto: Universal Pictures

Oppenheimer, o homem sem fim

Em determinado ponto de Oppenheimer, veio à mente Daniel Plainview, o protagonista de Sangue Negro, drama de Paul Thomas Anderson. É um homem obcecado, bastante determinado, que vê sua derrota a partir desses seus outros atributos. A loucura chega a partir de seu sucesso, mas também de toda a ideia que Plainview tinha de sua jornada.

É, guardadas as devidas proporções, a jornada de Oppenheimer. Ele é um homem dedicado, com ânsia de colocar seu nome na história e ajudar seu país. Mas será que é esse o caminho? Como ajustar seus ideais enquanto o progresso apenas acontece?

Cillian Murphy, que interpreta Oppie, não poderia estar melhor: o astro, conhecido por seu trabalho na série Peaky Blinders, entende quem é Oppenheimer e entrega uma atuação madura e consciente de sua complexidade emocional – ele acompanha corretamente todas as nuances do filme de Nolan. O mesmo vale para Robert Downey Jr., o intérprete do filantropo e empresário Lewis Strauss: irretocável e sabe como modular seu personagem.

O resto do elenco, com nomes como Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Casey Affleck e até Rami Malek (que aparece em três cenas, duas delas sem diálogos), parece se contentar em aparecer no longa-metragem sem uma verdadeira profundidade.

Oppenheimer, assim, consegue vencer o hype: ainda que seja um filme com dificuldade para engrenar e que deve decepcionar parte do público, é um dos filmes mais maduros de Christopher Nolan, que assume os desafios e sabe fazer um filme denso sem cansar. Uma produção difícil, que não se rende aos maneirismos do cinema comercial, e que nos faz perceber que Oppenheimer está entre nós, como uma ameaça invisível que nunca quis ser.

Judeu, mulherengo, genial, arrogante, progressista. São vários os adjetivos que servem para descrever J. Robert Oppenheimer, físico americano que entrou pra história como um dos principais nomes a desenvolver as bombas atômicas que dizimaram mais de uma centena de milhares de japoneses durante a Segunda Guerra.

Como resumir essa história, com todas suas contradições, em uma tela de cinema? Como dar conta da força de Oppenheimer? Quem assumiu a tarefa foi Christopher Nolan, cineasta que já assinou projetos variados como A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Amnésia.

Ele se debruçou na densa e longa biografia de Oppenheimer (ou apenas Oppie, para os íntimos) e traduziu boa parte dessa história em Oppenheimer, longa que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20. Um filme complicado, que chega aos cinemas rodeado de desafios.

Cillian Murphy é J. Robert Oppenheimer no filme 'Oppenheimer', escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan Foto: Universal Pictures/ Divulgação

Dois desafios por trás de ‘Oppenheimer’

  • O primeiro, que nasceu antes do lançamento, é compensar o orçamento de mais de US$ 100 milhões. Valor baixo se comparado a Indiana Jones e a Relíquia do Destino, por exemplo, mas alto se analisarmos o cenário do cinema: poucos lançamentos estão passando da marca dos US$ 500 milhões. Oppenheimer, ainda por cima, tem um complicado desafio de vencer a corrida pelo dinheiro do tíquete contra o aguardado Barbie e Missão: Impossível 7.
  • O segundo desafio, quase tão complicado quanto esse primeiro, é justamente traduzir a história de J. Robert Oppenheimer para um filme que não apenas faça sentido, mas que também seja agradável de se assistir. Quem leu Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, biografia que inspirou o filme, sabe que não é algo simples. Não dá para preencher apenas fórmulas. Para cobrir toda a história, é preciso se desdobrar.

É isso que Nolan faz ao longo de exatas três horas de projeção. Oppenheimer conta com três histórias bem divididas, embora tenha aquela velha característica do cineasta e roteirista em repartir o tempo, com idas e vindas. São eles: os momentos iniciais de Oppie (Cillian Murphy) como físico, explorando possibilidades da física quântica na academia; a direção do Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba; e a inquisição que surge no pós-guerra.

Três em um

São praticamente três filmes distintos, em que Nolan coloca sua versatilidade como cineasta em jogo:

  • Há o drama de Oppenheimer como um homem que carrega a culpa de ter criado uma arma de destruição em massa;
  • há a tensão, com toques de cinema de thriller, com os testes da primeira bomba;
  • há o filme de tribunal, que atravessa quase toda narrativa enquanto o físico norte-americano tenta se proteger de acusações de que seria um traidor.

Esses diferentes filmes, que habitam uma mesma história, contam com desempenhos bem distintos. A primeira hora de projeção, focada em desenvolver a personalidade de Oppenheimer e nos apresentar a mente desse homem que mudou a humanidade, é a mais densa, mas também a mais cansativa. Deve afastar parte do público, principalmente aquele que caiu de paraquedas na sessão depois de assistir a Barbie.

É um pedaço do filme que também sofre muito por conta da personalidade de Nolan. Ele, que filmou a história em película 70mm para IMAX, se coloca demais na história nesse início, com exagero de cenas entrecortadas, sequências abstratas e decisões narrativas que não agregam exatamente para o que a história está contando. É sofrível.

Depois dessa primeira metade, porém, o filme encontra seu coração. Nolan, enfim, descobre como brilhar com a história: diminui um pouco a ânsia de brincar com o tempo da narrativa e foca em construir (e desconstruir) Oppenheimer. Como diz no texto de abertura, e como bem sublinhou a biografia, é o Prometeu moderno. O titã que roubou o fogo dos deuses e entregou à humanidade – aqui, na figura do homem que explode a espécie.

Oppenheimer cresce quando Nolan entende a complexidade da trama e vai atrás não de destrinchar um momento da História, mas o homem que a transformou. O drama de Robert (não de Oppenheimer) é mais saboroso do que todo o resto. Afinal, é um judeu que, por mais que renegasse sua origem, criou a arma mais poderosa da Segunda Guerra Mundial. Motivo de comemoração? É brilhante a cena em que o físico vê que sua criação funcionou, quase sem nenhum percalço, mas se questiona: E agora? O que será do mundo, da vida?

Cillian Murphy, astro de Peaky Blinders, entrega atuação madura e consciente da complexidade emocional  Foto: Universal Pictures

Oppenheimer, o homem sem fim

Em determinado ponto de Oppenheimer, veio à mente Daniel Plainview, o protagonista de Sangue Negro, drama de Paul Thomas Anderson. É um homem obcecado, bastante determinado, que vê sua derrota a partir desses seus outros atributos. A loucura chega a partir de seu sucesso, mas também de toda a ideia que Plainview tinha de sua jornada.

É, guardadas as devidas proporções, a jornada de Oppenheimer. Ele é um homem dedicado, com ânsia de colocar seu nome na história e ajudar seu país. Mas será que é esse o caminho? Como ajustar seus ideais enquanto o progresso apenas acontece?

Cillian Murphy, que interpreta Oppie, não poderia estar melhor: o astro, conhecido por seu trabalho na série Peaky Blinders, entende quem é Oppenheimer e entrega uma atuação madura e consciente de sua complexidade emocional – ele acompanha corretamente todas as nuances do filme de Nolan. O mesmo vale para Robert Downey Jr., o intérprete do filantropo e empresário Lewis Strauss: irretocável e sabe como modular seu personagem.

O resto do elenco, com nomes como Emily Blunt, Matt Damon, Kenneth Branagh, Florence Pugh, Casey Affleck e até Rami Malek (que aparece em três cenas, duas delas sem diálogos), parece se contentar em aparecer no longa-metragem sem uma verdadeira profundidade.

Oppenheimer, assim, consegue vencer o hype: ainda que seja um filme com dificuldade para engrenar e que deve decepcionar parte do público, é um dos filmes mais maduros de Christopher Nolan, que assume os desafios e sabe fazer um filme denso sem cansar. Uma produção difícil, que não se rende aos maneirismos do cinema comercial, e que nos faz perceber que Oppenheimer está entre nós, como uma ameaça invisível que nunca quis ser.

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