Conde Drácula, Lestat de Lioncourt, Carmilla, Blade e Edward Cullen. Se você gosta de cinema e de literatura, provavelmente conhece esses nomes de cor e salteado. Os vampiros são um dos monstros mais populares da história, fincando suas presas nas mais diversas mídias ao longo dos últimos séculos: filmes, livros, séries, novelas, jogos de videogame, RPGs, entre outros. Como se não bastasse a presença nos mais variados formatos, a criatura também assombra diferentes gêneros: terror, comédia, romance e fantasia. Nada parece escapar do abraço do vampiro.
Mas afinal, o que faz com que tal monstro seja tão popular? Por que escritores e diretores parecem tão interessados em revisitar uma criatura que surgiu há mais de três séculos e que já teve sua história contada e recontada milhares de vezes? “Eu sou obcecado com Nosferatu desde os nove anos de idade”, afirmou o diretor Robert Eggers ao canal de televisão britânico Sky News. O cineasta, responsável por longas como A Bruxa e O Farol, é um dos principais nomes do cinema de terror da última década e acaba de lançar a sua própria versão de Nosferatu, que já está disponível nos cinemas brasileiros.
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No novo longa, Eggers reimagina o filme original de 1922 — dirigido pelo cineasta alemão F. W. Murnau —, mas opta por uma nova abordagem: mais realista, mais crua e mais aterrorizante. O principal motivo que levou o diretor a revisitar o clássico, no entanto, foi a oportunidade de dar mais espaço a uma nova perspectiva: a feminina. “Sempre amei o fato de que o filme de Murnau termina com a protagonista feminina sendo a heroína. Achei que seria ainda mais interessante se todo o longa fosse contado pela visão dela”, afirmou Eggers ao site norte-americano Screen Rant.
Na narrativa, acompanhamos a história de Ellen Hutter (Lily-Rose Depp), uma jovem melancólica que é acometida por horríveis pesadelos e crises de sonambulismo. Quando o seu marido, o vendedor de imóveis Thomas Hutter (Nicholas Hoult), parte em uma viagem para vender uma propriedade para um misterioso nobre da Transilvânia, um mal milenar desperta e passa a assombrar o casal. “Por mais que seja um filme de terror, é um romance gótico. Uma história sobre amor e obsessão”, diz Eggers. “Pela visão dela [Ellen], conseguimos nos aprofundar mais na narrativa, sem que se torne uma história trágica do vampiro anti-herói apaixonado.“
Para o escritor brasileiro André Vianco, o mito do vampiro é uma premissa rica e fascinante para se escrever histórias. O autor, que escreveu os livros Os Sete e a trilogia O Vampiro-Rei, é um dos principais nomes da fantasia nacional. “O vampiro é uma criatura que representa a vitória contra a morte”, explica Vianco. “Quando eu tinha cinco anos, o meu avô faleceu. Um ataque cardíaco, algo rápido e inesperado. A perda dele mexeu muito comigo, era difícil entender que eu nunca mais ia chupar laranja ou jogar damas com ele. Esse foi o meu primeiro contato com a intransigência da morte.”
Segundo o autor, a temática do fim da vida se tornou uma espécie de fixação e monstros como Drácula se apresentaram como o escape perfeito para lidar com o assunto. “Nós não controlamos a morte. Fazemos planos para daqui há dez anos, mas podemos morrer nos próximos dez minutos. O vampiro, então, se torna um ato de rebeldia contra o fim.”
Quem concorda com a afirmação é Cid Vale Ferreira, livreiro, editor de livros e sócio do Sebo Clepsidra — livraria especializada em literatura gótica e horror clássico. “O vampiro nasce das dúvidas humanas sobre a morte. O que nos tornamos ao morrer? Como seríamos transformados se fôssemos contaminados por ela? Como voltaríamos se pudéssemos vencê-la? Como seríamos empoderados se não precisássemos nos preocupar com ela?”, questiona.
O editor entende que as fantasias sobre o vampirismo permitem a imaginação de um mundo onde somos livres do dinheiro, do trabalho e das leis humanas. “A necessidade sobrenatural por sangue transforma o vampiro em um predador assassino, e isso o tira do pacto social, permitindo que as regras da sociedade sejam reavaliadas”, detalha.
Segundo Vale Ferreira, a existência do vampiro na ficção desestabiliza a ordem e permite que reavaliemos como nossa vida é ditada pela mortalidade — em questões éticas, morais, políticas, sexuais e filosóficas. “Essa versatilidade, somada ao fato de serem criaturas com as quais as plateias já estão familiarizadas, torna os vampiros uma espécie de curinga para discutir temas bastante díspares, que vão das engrenagens do capitalismo aos anseios afetivos de colegiais solitárias.”
Qual a origem do vampiro?
Quando pensamos em um vampiro, algumas características vêm à mente: um nobre belo, sedutor, estrangeiro e solitário. A figura, que nunca é vista na luz do dia, esconde presas e uma fome voraz por sangue. A imagem do monstro já está bem consolidada no imaginário popular, mas isso nem sempre foi assim. Na realidade, estudiosos definem o vampiro como uma “construção ficcional”.
“O vampiro tem um base folclórica, mas a criatura que conhecemos hoje é fruto da mitologia criada ao longo dos séculos 19 e 20 na literatura e no cinema”, afirma Bruno Anselmi Matangrano, doutor em Letras pela USP e pesquisador sobre monstros e vampiros na ficção. “A bruxa, por exemplo, tem uma base histórica na Idade Média. Já o Lobisomen, remonta aos mitos gregos. O vampiro atual, no entanto, pouco se assemelha ao ‘vampiro histórico’ que surgiu no leste europeu.”
A origem do mito é incerta, mas é provável que seja uma aglutinação de diferentes lendas da região como o eupiro, o brucolaco grego, os masticatione mortuorum alemães e os redivivos sérvos. Para Vale Ferreira, todas essas criaturas surgiram de forma independente, mas acabaram se fundindo no folclore após a expansão do Sacro Império Romano-Germânico pelo leste europeu. “Esse intercâmbio deu origem a um novo pesadelo folclórico conhecido como Vampyr”, afirmou o editor.
O primeiro registro da palavra vampiro acontece em 1732, em um jornal alemão. À época, periódicos europeus exploravam o mito como uma curiosidade que ilustrava o exotismo de culturas distantes. A lenda, no entanto, não passava disso. A mudança ocorre quando a criatura se torna tema de autores na poesia europeia, alcançando o prestígio literário com a obra de Goethe no final do século 18.
O monstro, no entanto, se tornaria uma febre na Europa com o lançamento do conto O Vampiro, escrito por John William Polidori, em 1819. “Polidori desloca o vampiro dos Balcãs e o coloca em Londres, onde a criatura se torna um nobre belo, sedutor e aristocrático. Alguém que seduz as damas e as corrompe. Ele também transforma a mordida em uma metáfora sexual”, diz Matangrano.
O conto é adaptado para o teatro e replicado ao redor de toda a Europa, transformando o vampiro em um verdadeiro superstar europeu. Além disso, a história ganha uma sequência e é parodiada à exaustão. “O vampiro se torna uma figura teatral e, com isso, inúmeras convenções foram surgindo. A base do mito que conhecemos hoje é criada neste momento.”
Um monstro para toda obra
Na obra de Bram Stoker, o Conde Drácula anda pela Inglaterra em plena luz do dia em mais de uma ocasião. Os seus poderes são enfraquecidos na luz do sol, mas seu corpo se mantém intacto e ele é capaz de sobreviver à exposição. Algo muito diferente do cânone atual da criatura.
A ideia de que vampiros são destruídos caso tenham contato com a luz do sol só surgiu em 1922, com o filme Nosferatu. A fraqueza criada por F. W. Murnau caiu na graça popular e, em obras subsequentes que abordavam o tema vampírico, foram adotadas como parte do mito. Tal exemplo demonstra a principal força da criatura na ficção: sua adaptabilidade.
“Ao longo dos séculos, a relação do vampiro com a própria problemática central foi mudando”, afirma Matangrano. “Inicialmente, essa problemática é a religião. Em seguida, se torna o estrangeiro. Em um terceiro momento, falamos de uma doença. O tema sempre muda, mas o vampiro continua.”
Se a água benta e um crucifixo já foram os piores inimigos do monstro, esse conceito foi deixado de lado quando Anne Rice escreveu Entrevista com o Vampiro. O cânone da criatura é constantemente modificado e as novidades são implementadas na mitologia do monstro a depender do sucesso de cada obra.
“O vampiro é um avatar dos problemas da época em que ele está sendo escrito”, diz o pesquisador. “É uma criatura apavorante, mas que também é sedutora. Ele é um ideal de imortalidade e de beleza, mas também é perigoso. É uma criatura muito ambígua e maleável, que se adapta a inúmeras situações”.
Para ele, o monstro é sempre a metáfora para o outro. “Uma pessoa de outra religião, de outro país, de outra etnia, de outra sexualidade. É uma criatura feita para discutir questões contemporâneas”.
A domesticação do vampiro
O monstro pode até ter surgido nas páginas de terror, mas hoje em dia está presente nos mais variados gêneros. No Brasil, por exemplo, fez sucesso nas novelas Vamp e O Beijo do Vampiro. Na comédia, o filme e a série O Que Fazemos nas Sombras retrata de maneira cômica a vida (ou a morte) de tais criaturas. É no romance, no entanto, que a criatura encontrou uma força inesperada. Na última década, não há como falar de vampiros sem lembrar da saga Crepúsculo, escrita por Stephenie Meyer.
“Ao longo dos séculos, o vampiro sai da posição de predador e se torna naturalizado. Depois, ele é humanizado e, por fim, domesticado”, afirma Matangrano, citando os estudos do teórico catalão David Roas. “Em Crepúsculo, temos um vampiro que mantém todas as características atrativas da criatura, mas que perde a maior parte dos traços monstruosos. Ele deixa de ser um monstro e se torna quase um super-herói”.
Para o pesquisador, é essa capacidade de se adaptar que faz com que a criatura se mantenha relevante ao longo de diferentes gerações. “A criatura surge na modernidade, se adapta a contemporaneidade e agora responde aos anseios do mundo pós-moderno. É um fenômeno interessante a necessidade que temos de repensar nossa relação com os monstros.”
O sucesso do triângulo amoroso entre Bella, Edward e Jacob criou uma tendência no mercado literário: livros de vampiros voltados ao público infantojuvenil com forte enfoque no romance. “Faço parte da geração de leitores que ficou obcecada por livros por conta de Crepúsculo”, afirma a escritora Luisa Landre. Ela é conhecida por seus dois livros Noturnas e Natalinas e Fios de Sangue, duas obras sobre o relacionamento amoroso entre duas vampiras.
“O vampiro criado por Stephenie Meyer tornou a criatura mais palatável para um público que talvez não se interesse tanto por histórias de terror”, afirma a autora. Para ela, há um interesse entre os jovens de projetar certas fantasias românticas e sexuais em criaturas monstruosas. “Quando você coloca essas fantasias em um lugar fantástico, você tem uma maior liberdade para expressar esse tipo de sentimento. O vampiro, por ser o mais humano dos monstros, acaba se tornando um lugar seguro para esse tipo de história.”
Onde assistir aos filmes e séries sobre vampiros?
- Nosferatu (2024) - Em cartaz nos cinemas
- Nosferatu (1922) - YouTube
- Drácula de Bram Stoker - Max
- Entrevista com o Vampiro (filme) - Max
- Entrevista com o Vampiro (série) - Prime Video
- Vamp - Globoplay
- O Beijo do Vampiro - Globoplay
- O Que Fazemos nas Sombras (filme) - Prime Video
- O Que Fazemos nas Sombras (série) - Disney+
- Saga Crepúsculo - Netflix