Quando Denzel Washington e Frances McDormand começaram os ensaios para interpretar os Macbeth, ele perguntou como ela achava que o casal se conhecera.
Oh, respondeu ela, fazendo graça, os Macbeth se conheceram quando tinham 15 anos de idade. Eram Romeu e Julieta, mas não cometeram suicídio. Continuaram casados por cinquenta anos. Mas não tinham filhos e a carreira dele estagnou, então, pensando no legado que deixariam, eles de repente deram uma de gangster e mataram seu bom e velho amigo, o rei.
“É um dos únicos casamentos bons em Shakespeare”, disse Joel Coen, que adaptou e dirigiu A Tragédia de Macbeth, filme que estreia no dia de Natal. “Só que eles estão planejando um assassinato”.
James Shapiro, acadêmico pesquisador de Shakespeare na Universidade de Columbia, concordou com o diretor, acrescentando: “Mas eles não têm muitos adversários, não é? Os Capuleto? Ricardo II e sua rainha sem nome? Ricardo III e a viúva condenada, Anne?”
Agora Coen e McDormand, que são casados e se conheceram no longa de estreia dos irmãos Coen, o filme noir Gosto de Sangue, de 1984, se juntaram a Washington para fazer outro noir, a saga escocesa do “sangue chama sangue”.
Como em todos os filmes noir, o cara é meio lerdo a mulher é ardilosa. Lady Macbeth fica questionando a masculinidade e assim o leva a matar Duncan.
Quando você vê McDormand - que desafiou todas as probabilidades de Hollywood e se tornou uma estrela em ascensão em plena meia-idade, se especializando em interpretar mulheres que, como ela mesma diz, “não necessariamente alcançam a redenção” - você acredita que ela está bem a fim de regicídio.
Espelhando o enredo de Macbeth, McDormand importunou seu relutante marido até que ele finalmente cedeu e concordou em dirigir o filme - sem seu (também relutante) irmão, Ethan.
“Frances McDormand é uma fera”, disse Washington, com admiração.
Depois de algumas semanas de filmagem, ela perguntou a seu protagonista se tinha ganhado o direito de chamá-lo de “D”, como fazem algumas pessoas próximas a ele.
“Claro”, respondeu Washington.
Coen ficou surpreso com a sensação de trabalhar com os dois, um confronto de titãs à moda da velha Hollywood. “Eles têm atuações muito poderosas, intuitivas e fascinantes”, disse ele. “Você fica chocado com o que acontece no set”. Ele filmou num formato quadrado da “academia”, então tudo se resume aos rostos de Washington e McDormand enchendo a tela.
“Nós três estamos no auge”, disse McDormand. “Denzel tem 66 anos. Tenho 64 anos. Joel tem 67. E ainda estamos correndo riscos. Ainda estamos dispostos a cair de cara no chão. Trabalhar com Denzel foi delicioso por causa de todas essas coisas”.
Era um triângulo artístico complicado. Ela disse que seu marido tinha que confiar que “Denzel e eu não íamos nos mancomunar contra ele como atores”, e Denzel tinha que confiar que ela e Joel “não ficariam muito íntimos como marido e mulher”.
Durante um café num hotel em Midtown Manhattan, na manhã seguinte à estreia do filme no Festival de Cinema de Nova York, Washington parecia à vontade no seu moletom Under Armour preto, mas também parecia um pouco abatido.
Ele disse que tinha dormido muito pouco. Acabara de dar os retoques finais num filme que dirigiu, A Journal for Jordan, a verdadeira história do romance entre Dana Canedy, ex-repórter e editora do New York Times, e o sargento Charles Monroe King, soldado morto por uma bomba à beira de uma estrada no Iraque, pouco depois de conhecer seu filho recém-nascido. O filme é estrelado por Michael B. Jordan e Chanté Adams e também estreia no dia de Natal.
“É uma linda história de perda e amor”, disse Washington, “uma história sobre verdadeiros heróis e sacrifícios, homens e mulheres que deram suas vidas para que tivéssemos a liberdade de protestar”. (A estrela, que interpretou mais de uma dúzia de policiais nas telas, recentemente fez comentários semelhantes, demonstrando respeito pelos policiais que colocam suas vidas em risco).
Ele disse que antes de sua mãe morrer, alguns meses atrás, aos 97 anos, ele lhe prometeu que iria “tentar honrar a ela e a Deus vivendo o resto de meus dias de uma forma que a deixasse orgulhosa. Então é isso que estou tentando fazer”.
“Estou mais interessado em dirigir porque estou mais interessado em ajudar os outros”, disse ele. “O que fiz e o que faço - tudo isso - vai me ajudar lá no último dia da minha vida? Quem você ajudou? Quem você ajudou a se tornar uma pessoa melhor?”
“É uma guerra espiritual. Então não estou olhando para essas coisas de uma perspectiva terrena. Se você não tem uma âncora espiritual, pode ser facilmente levado pelo vento, empurrado para a depressão”.
Soando como seu pai, um pastor pentecostal que morreu em 1991 - “Foi isso que pegou meu pai, ele não conseguia abrir mão da carne e das frituras” - Washington me perguntou: “Você já leu a Bíblia? Comece com o Novo Testamento, porque o Antigo Testamento é mais difícil. Você fica preso nas questões de genealogia”.
Ele disse que quer ser o mentor de jovens atores como Jordan, Adams e Corey Hawkins, que foi aclamado no papel de Dr. Dre em Straight Outta Compton, e agora interpreta Macduff, o nobre que decapita Macbeth.
Washington falou sobre trabalhar com Chadwick Boseman no ano passado, em seu último filme, A Voz Suprema do Blues.
Mesmo antes de conhecer Boseman, Washington aceitou o pedido de Phylicia Rashad e ajudou a pagar as mensalidades do jovem ator, junto com outros oito alunos da Howard University, para um programa de verão de artes cênicas na Inglaterra.
“Ele era um jovem corajoso, forte, e tinha uma mulher forte ao lado dele”, lembra Washington. “Lembro que, certa vez, entrei no trailer e pensei: ‘Tem alguma coisa acontecendo ali’. Não sabia o que era. Ninguém sabia. Que Deus o abençoe. Ele guardou tudo para si mesmo e fez seu trabalho. Mas ele precisava de um tempo entre as tomadas para recuperar a energia”.
TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU