O sucesso de Pobres Criaturas, que ganhou quatro Oscars e arrecadou US$ 117,6 milhões (cerca de R$ 641 milhões), número expressivo para um filme ousado, colocou o diretor Yorgos Lanthimos em uma posição curiosa: lançar seu próximo trabalho, Tipos de Gentileza, em pleno verão nos Estados Unidos, uma época normalmente dominada por produções como Divertidamente 2, Deadpool & Wolverine e Twisters. No Brasil, onde Pobres Criaturas fez uma das dez maiores bilheterias do mundo, o novo longa chega aos cinemas nesta quinta-feira, 22.
“Quem diria?”, disse o cineasta grego, sorrindo, em entrevista ao Estadão em maio, durante o Festival de Cannes, onde Tipos de Gentileza passou na competição e ganhou o prêmio de melhor ator para Jesse Plemons. “Eu espero que as pessoas queiram ser desafiadas e não receberem tudo de bandeja.”
A bilheteria total de Tipos de Gentileza está bastante aquém daquela de Pobres Criaturas (2023). Mas a verdade é que, mesmo com a presença de Emma Stone, ganhadora do Oscar de melhor atriz por seu trabalho anterior, trata-se de uma obra menos palatável que a anterior.
O diretor confessou ter se irritado um pouco no começo com as perguntas sobre fazer algo mais ousado e estranho depois de ir para Hollywood com Pobres Criaturas e A Favorita (2018). “Achei esquisito pensarem que Pobres Criaturas é convencional, fiquei até meio indignado. Mas agora penso que é positivo considerarem o filme mais normal porque mostra uma certa abertura. As pessoas podem estar necessitadas de obras mais desafiadoras, que elas não experimentaram antes. E aí as possibilidades são infinitas.”
Sexo estranho e Ayrton Senna
Dá para perceber que Yorgos Lanthimos gosta de provocar. Em uma época em que há pouco sexo no cinema dos Estados Unidos, e em que existe uma resistência em assisti-las, até mesmo por parte dos jovens, inclusive no Brasil, Yorgos Lanthimos não tem medo de jogar sua classificação indicativa lá para cima.
Havia várias cenas de sexo em Pobres Criaturas, e mesmo assim o filme foi sucesso de crítica, de público e de premiações. Em Tipos de Gentileza, elas são mais provocadoras. “São intensas, mas não são tantas, então são menos partes para pular desta vez”, disse o diretor, rindo.
Ele também não está nem um pouco preocupado com as possíveis críticas a uma cena envolvendo o capacete que Ayrton Senna usava no dia do acidente fatal. “Não tenho ideia de que reação os brasileiros podem ter”, afirmou. Quando Willem Dafoe explicou que os brasileiros poderiam achar de mau gosto que o objeto fizesse parte de uma cena engraçada, o diretor disse: “Verdade? Então quer dizer que nada de sexo nem de humor no Brasil? Estou pronto”.
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‘Tipos de Gentileza’ é mais esquisito
Pobres Criaturas não pode ser considerado um filme tradicional, mas tem uma estrutura de conto de fadas e uma estranheza bela de olhar, com figurinos, design de produção e maquiagem impactantes, todos premiados com o Oscar, aliás.
Tipos de Gentileza bebe na mitologia grega e em parábolas religiosas. É dividido em três histórias pouco relacionadas, com o elenco – Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Mamoudou Athie, Hong Chau e Joe Alwyn – interpretando papeis diferentes em cada uma delas.
Na primeira, Plemons é Robert, que aceitou colocar sua vida nas mãos de seu patrão e às vezes amante (Dafoe). Raymond escolhe o que o empregado vai comer, vestir, a mulher com que se casou. Até que Robert recusa um dos pedidos mais absurdos do chefe.
Na segunda, Plemons interpreta Daniel, um policial aliviado com o resgate de sua mulher (Stone), após muitos dias desaparecida no oceano. Mas ele desconfia que aquela mulher não é a sua, exigindo provas cada vez mais extremas de Liz.
Na terceira, Andrew (Plemons) e Emily (Stone) são membros de um culto em busca de uma pessoa capaz de ressuscitar os mortos. Os dois disputam as preferências dos líderes, Omi (Dafoe) e Aka (Chau), que fazem imposições absurdas aos seus fiéis.
É um elencão, e por uma razão bem simples. Goste-se ou não de seu cinema, Yorgos Lanthimos costuma dar aos seus atores oportunidades de se destacarem. E isso se reflete em prêmios: Oscar de atriz para Olivia Colman por A Favorita e para Emma Stone por Pobres Criaturas e troféu de melhor ator para Jesse Plemons em Cannes.
Willem Dafoe, que trabalha com Lanthimos pela segunda vez em Tipos de Gentileza, explicou por que repetiu a dose. “Ele me deixa muito confortável e me dá coisas divertidas para fazer. Além disso, ele escolhe pessoas bacanas, por exemplo, a Emily (o nome verdadeiro de Emma Stone). Eu a adoro, me divirto com ela. E sou fã do cinema do Yorgos, ele quer ativar a curiosidade das pessoas.”
Uns querem te usar, outros querem ser usados
Não é à toa que o filme tem Sweet Dreams (Are Made of This) logo na abertura. “Alguns querem te usar, alguns querem ser usados por você, alguns querem te abusar, alguns querem ser abusados por você” diz a letra. Tipos de Gentileza é uma volta de Lanthimos a seus assuntos preferidos, que o tornaram famoso lá na estreia de Dente Canino (2009), como controle, abuso de poder, opressão, ausência de livre arbítrio.
O diretor, porém, não gosta muito de falar dos temas. “São questões elementares, como as relações humanas, a natureza, o comportamento. Eu sempre tento construir meus filmes de maneira aberta, o que permite o engajamento das pessoas sem dar respostas, até porque não as temos. Quero apenas propor questionamentos, que cada espectador vai receber de acordo com quem são, suas experiências, sua cultura”, disse Lanthimos. “Vale mais o que você vê no filme do que aquilo que eu tenho a dizer sobre ele.”
Tipos de Gentileza se aproxima dos longas do cineasta antes de A Favorita no humor seco, nos diálogos ditos sem emoção, nas estranhezas provocativas, na crueldade, na desesperança. O sexo é sempre meio ridículo. A violência está presente. O filme representa o retorno da colaboração entre Lanthimos e Efthimis Filippou, que escreveram os roteiros de todos os filmes do diretor, de Dente Canino a O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) – A Favorita e Pobres Criaturas têm roteiro do australiano Tony McNamara.
“Obviamente Tipos de Gentileza se parece mais com os filmes que fiz com o Efthimis. Mas eu não sinto como uma volta porque nós continuamos a trabalhar juntos esse tempo todo. Assim que terminamos um filme, já começamos a escrever outro. Acontece de às vezes entrar um outro projeto no meio, mas nosso relacionamento é constante, até porque somos amigos muito próximos.”
O próximo filme do diretor é Bugonia, novamente estrelado por Emma Stone e Jesse Plemons, mas desta vez escrito por Will Tracy (Succession e O Menu). A premissa é, claro, original: dois jovens obcecados com teorias da conspiração sequestram a CEO de uma grande companhia por acreditarem que ela é uma alienígena com planos de destruir a Terra.