Divertida Mente (2015) foi um enorme sucesso que conquistou corações e rendeu US$ 857 milhões (quase R$ 4,6 bilhões). Mas, se fosse para apontar um defeito, seria ter reduzido as emoções de uma criança a cinco: Alegria, Tristeza, Raiva, Nojinho e Medo. O próprio diretor, Pete Docter, hoje diretor criativo do estúdio Pixar, sempre fala sobre como foi preciso simplificar.
Pois a continuação, Divertida Mente 2, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 20, nove anos após o filme original, inclui novas emoções da garota Riley.
A última frase de Alegria no primeiro longa era justamente: “Afinal, Riley tem 12 anos agora. O que poderia acontecer?”.
A resposta de Divertida Mente 2 – e, com certeza, de muitos adolescentes e pais – é: muita coisa.
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Não à toa, o diretor Kelsey Mann pensou em uma bola de demolição como símbolo da transformação de criança em adolescente. Ela vem destruindo o QG das emoções para dar espaço às novas. Como diz a placa na cabeça de Riley, que se transforma em um canteiro de obras: “Desculpe o transtorno: Puberdade é uma bagunça”.
É o momento ideal para incluir quatro novos personagens: Ansiedade (com dublagem de Maya Hawke na versão original e Tatá Werneck no Brasil), Tédio (Adèle Exarchopoulos/Eli Ferreira), Inveja (Ayo Edebiri/Gaby Milani) e Vergonha (Paul Walter Hauser/Fernando Mendonça).
A chegada dos quatro é uma surpresa para Alegria (Amy Poehler/Miá Mello), que continua liderando com sua positividade extrema a turma das emoções antigas: Tristeza (Phyllis Smith/Katiuscia Conoro), Medo (Tony Hale/Otaviano Costa), Raiva (Lewis Black/Leo Jaime) e Nojinho (Liza Lapira/Dani Calabresa).
Ansiedade toma conta
Como sempre nos filmes da Pixar, que incluem de Toy Story a Ratatouille e Up – Altas Aventuras, o diretor Kelsey Mann foi buscar em suas experiências pessoais a base para o novo longa-metragem.
“Eu pensei muito na época em que eu era adolescente e, principalmente, nos meus filhos, que eram adolescentes quando comecei a trabalhar em Divertida Mente 2, em janeiro de 2020″, disse Mann em entrevista coletiva com a participação do Estadão. “Em uma pesquisa, descobri que a ansiedade estava em alta entre os teens – e isso foi antes da pandemia, que só acentuou essa tendência.”
Pesquisa é outra das bases dos filmes da Pixar. Como no primeiro filme, Dacher Keltner, professor de psicologia da Universidade da Califórnia – Berkeley, foi o especialista das emoções. “Ele explicou que nossos cérebros mudam na puberdade. Antigas vias neurais são destruídas, novas são construídas”, disse Mann.
Para o diretor, essas informações abriam caminhos ideais para um segundo filme. “As minhas continuações favoritas são aquelas que evoluem e crescem em vez de copiar, colar e repetir.”
Sendo assim, a Ansiedade tomou a frente, tornando-se uma espécie de líder dessas novas emoções, como Alegria é para as velhas emoções.
É como se Alegria fosse cringe, enquanto essas novas emoções são mais sofisticadas. “Alegria e as outras emoções sentem-se um pouco deslocadas, sendo substituídas por versões mais complexas de si mesmas”, contou o produtor Mark Nielsen.
Os sentimentos de Alegria refletem, de certa forma, os da própria Riley. Ela se vê em um acampamento de hóquei, com a possibilidade de entrar para o time do ensino médio, que tem à frente a superdescolada Valentina. Mas, para isso, precisa deixar de lado as melhores amigas, Grace e Bree.
As novas emoções tomam conta. Ansiedade preocupa-se com as amizades que Riley vai ter no futuro. As reações de Riley às interações com as garotas mais velhas alternam-se entre Inveja, Vergonha ou Tédio, também a preferida ao falar com os pais. É aquele: “Ah, que saco” ou “Tudo bem” sem sal que sai quando a mãe pergunta como foi na escola.
“O filme fala muito de se comparar aos outros. Nessa idade, você costuma ser muito duro consigo mesmo”, disse Mann. “E isso faz parte da adolescência. Nós nos afastamos de quem toma conta de nós e abraçamos nossos amigos. Os adolescentes estão se tornando pessoas independentes que precisam cuidar de si mesmos e precisam existir na sociedade sozinhos.”
Muitos pais vão se identificar ao ver que a Ilha da Amizade de Riley está gigante, enquanto a Ilha da Família está bem pequenininha. “Nessa época, queremos nos encaixar para sobreviver”, disse Mann.
Enquanto Riley se compara a Valentina, a própria Alegria olha para Tédio e acha que não é tão boa quanto ela. E agora Alegria ainda vai ter de disputar o papel de comandante das emoções de Riley com Ansiedade. As duas discutem como se fossem as mães de Riley e, como toda mãe, nem sempre vão tomar as melhores decisões.
São tantas emoções
A puberdade de Riley traz quatro novas emoções. Mas poderiam ser mais. Na verdade, nove. “Eu queria que a Alegria se sentisse como um pai ou mãe assoberbado”, disse Kelsey Mann. “Era como eu me sentia como pai. Quando eles se tornam adolescentes, é como se alguém trocasse o livro de regras, como se você nem soubesse o esporte que estão jogando. Você não entende o jogo de jeito nenhum. Queria que Alegria se sentisse assim.”
Mas a Pixar tem um sistema em que, a cada três meses, não importa o estágio do filme, ele é apresentado para o Conselho de Cérebros e todos os funcionários do estúdio, que são encorajados a opinar sobre o que veem. Em Divertida Mente 2, o diretor contou também com uma turma de adolescentes para dar pitaco sobre os rumos da história.
“Todo mundo achou que nove personagens novos era coisa demais para acompanhar”, contou Kelsey Mann, que não descarta utilizá-los no futuro.
Outra alteração foi que Ansiedade seria uma arquivilã. Mas, com a ajuda dessas reuniões, o diretor percebeu que era preciso retomar um ensinamento martelado no primeiro filme: emoções não são boas ou más. “Elas estão dentro de nós por alguma razão, para nos ajudar e para nos proteger”, afirmou Mann.
‘Divertida Mente 2′ é para todas as idades
Um dos segredos da Pixar é fazer o filme funcionar para os pequenos, os adolescentes e os adultos. É verdade que as muitas cenas de ação, feitas para entreter as crianças e adolescentes, cansam um pouco.
Em compensação, o humor funciona bastante para falar de maneira divertida de emoções, memórias, redes neurais. Os artistas e técnicos do estúdio são mestres em transformar ideias em imagens, como o cofre que guarda os nossos segredos, manifestados em animação 2D, diferente da animação digital do resto do filme.
Eles também são ótimos na criação de personagens inesquecíveis – e, convenhamos, daqueles que provocam vontade de ter em casa, na forma de bonecos de pelúcia ou plástico. Cada um é identificado por uma cor e um formato. Riley, em si, poderia ser um pouco mais bem desenvolvida. Ela ainda é uma menina muito perfeitinha.
O grande trunfo da Pixar, no entanto, sempre são as emoções que suas obras provocam. E aqui não é diferente. Os melhores momentos de Divertida Mente 2 são aqueles em que os personagens estão passando por dúvida ou dificuldade, aqueles em que expressam sua felicidade ou tristeza. Em geral, são cenas sem muito diálogos, totalmente baseadas nas imagens, que vão lá no fundo da alma.
Quem nunca se sentiu pior que alguém? Ou tomou uma decisão egoísta? Ou se deixou levar por um desejo de futuro que tomou conta do presente?
Na era das redes sociais, todo o mundo tem Inveja, acha que precisa projetar Alegria e esconder a Tristeza e a Vergonha. E no mundo acelerado de hoje, todos temos Ansiedade.
Divertida Mente 2 faz um bom trabalho em mostrar como a Ansiedade pode se tornar paralisante. Mas também como é possível administrá-la. Não dá para controlar o incontrolável, afinal.
É um filme sobre autocompaixão e autoaceitação. Ninguém é perfeito, todos têm altos e baixos, emoções difíceis de gerenciar. E isso vale de aprendizado não apenas para crianças e adolescentes, mas também para os adultos.