THE WASHINGTON POST - Meg Smaker ficou entusiasmada em novembro passado. Depois de 16 meses filmando dentro de um centro de reabilitação saudita para acusados de terrorismo, ela soube que seu documentário Jihad Rehab foi convidado para o Festival de Sundance de 2022, uma das vitrines mais prestigiadas do mundo.
Seu documentário se centrava em quatro ex-detentos de Guantánamo enviados para um centro de reabilitação na Arábia Saudita que abriram suas vidas para ela, falando da atração juvenil pela Al-Qaeda e pelo Taleban, das torturas sofridas e dos arrependimentos.
Críticos de cinema alertaram que os conservadores talvez não gostassem desses retratos humanos, mas as críticas após a exibição foram fortes.
“O mais enriquecedor é a ausência de absolutos”, afirmou o Guardian, acrescentando: “É um filme para pessoas inteligentes que querem questionar suas noções preconcebidas”. A Variety escreveu que o filme “parece um milagre, um ato interrogativo de questionamento”.
Mas os ataques viriam da esquerda, não da direita. Cineastas árabes e muçulmanos e seus apoiadores brancos acusaram Smaker de islamofobia e propaganda americana. Alguns sugeriram que sua raça era um fator desqualificante: uma mulher branca que ousava contar a história de homens árabes.
Os organizadores do Sundance mudaram de posição e pediram desculpas.
Abigail Disney, sobrinha-neta de Walt Disney, foi diretora executiva da Jihad Rehab e chegou a caracterizá-lo como “brilhante” em um e-mail para Smaker. Agora ela voltou atrás.
O filme “é um caminhão cheio de ódio”, escreveu Disney em uma carta aberta.
O filme de Smaker se tornou quase intocável, incapaz de alcançar o público. Festivais de destaque cancelaram convites e críticos do mundo do documentário foram às redes sociais pressionar investidores, assessores e até amigos da diretora a retirar seus nomes dos créditos. Ela está quase falida.
“Na minha ingenuidade, continuei pensando que as pessoas iriam tirar a raiva de seu sistema e perceber que o filme não era o que elas diziam”, disse Smaker. “Estou tentando contar uma história autêntica que muitos americanos não ouviram”.
As batalhas sobre autoria e identidade sempre agitam o mundo do documentário, um ecossistema muito unido e majoritariamente progressista.
Muitos cineastas árabes e muçulmanos - que, como outros na indústria, lutam para conseguir financiamento e reconhecimento - denunciaram ‘Jihad Rehab’ como um filme que oferece uma visão muito familiar. Eles dizem que Smaker é a mais recente documentarista branca a contar a história dos muçulmanos através das lentes da guerra ao terror. Esses documentaristas, dizem eles, pegam seu olhar branco e ocidental e dizem filmar as vítimas com empatia.
A cineasta Assia Bundaoui escreveu uma resenha do filme para a revista Documentary.
“Ver minha língua e as terras natais de pessoas da minha comunidade usadas como pano de fundo para a ideia do salvador branco é nauseante”, escreveu ela. “O papo é de empatia, mas a energia é de Indiana Jones”.
Ela exortou festivais a permitirem que os muçulmanos criem “filmes que se preocupem não com a guerra, mas com a vida”.
A discussão sobre se os artistas devem compartilhar identidade racial ou étnica e ter empatia por seus temas existe há muito tempo na literatura e no cinema - com muitos artistas e escritores, como os documentaristas Ken Burns e Nanfu Wang, argumentando que seria sufocante contar somente as histórias de sua própria cultura e que o desafio é habitar mundos diferentes do seu.
No caso de Jihad Rehab, a crítica identitária se casa com a visão de que o filme deve funcionar como arte política e examinar as opressões históricas e culturais que levaram à prisão desses homens em Guantánamo.
Alguns críticos e documentaristas dizem que a exortação é redutiva e entorpecedora.
“O que admiro em Jihad Rehab é que o filme permite que o espectador tome suas próprias decisões”, disse Chris Metzler, que ajuda a selecionar filmes para o San Francisco Documentary Festival. “Não quero assistir a uma peça de propaganda política”.
Smaker tem outros defensores. Lorraine Ali, crítica de televisão do Los Angeles Times que é muçulmana, escreveu que o filme era “uma jornada humanizadora por meio de um complexo processo emocional de autoestima e responsabilidade, um olhar sobre as consequências devastadoras do fracasso político dos Estados Unidos e da Arábia Saudita”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU