THE WASHINGTON POST - Imagine um mundo desprovido de cor e vigor, naufragando entre catástrofes climáticas e facções tribais que ameaçam levar a humanidade à beira de um fanatismo mortífero. Mas chega de política em ano eleitoral. Vamos falar sobre Duna: Parte Dois (nos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira, 29 de fevereiro).
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Nessa grandiosa e solene continuação do primeiro episódio de 2021, encontramos o Paul Atreides de Timothée Chalamet e a Chani de Zendaya no árido planeta Arrakis, lutando contra uma emboscada Harkonnen e abrindo caminho até um reduto dos Fremen, o grupo de guerrilheiros pela liberdade que tenta proteger sua terra natal de invasores ávidos por seu recurso mais valioso: uma substância cobiçada no universo todo que é conhecida como “especiaria”.
Paul e sua mãe, Jessica (Rebecca Ferguson), que está grávida de sua irmã mais nova, juntaram-se aos Fremen depois do assassinato do duque Leto Atreides, interpretado por Oscar Isaac no primeiro filme. Agora Paul está lidando com alguns Fremen que acreditam que ele é o líder enviado para salvá-los e com outros – como a durona e cética Chani – que o consideram um falso profeta.
Se você já se perdeu no enredo, não se preocupe: com Duna: Parte Dois, o cineasta Denis Villeneuve faz um bom trabalho ao trazer o público de volta para a história – mesmo que seja preciso lembrar aos espectadores a diferença entre uma Sonda T e uma Dagacris.
Quem não precisa refrescar a memória vai querer correr até o multiplex mais próximo para mergulhar mais uma vez no universo extraordinariamente imaginativo do romancista Frank Herbert, a que Villeneuve dá uma vida imensa e muito arenosa. Se tudo isso deixar seu coração mais frio do que um planeta gelado e moribundo, a estrondosa insistência de Duna na própria importância talvez comece a se esgotar depois das primeiras duas horas de filme – mas não desanime! Agora só faltam 46 minutos!
Assim como fez em Duna: Parte Um, Villeneuve traz paixão e detalhes para um projeto coberto de mitos e lendas cinematográficas. A versão abandonada por Alejandro Jodorowsky ainda nos anos 1970 continua sendo um “e se” tentador. A adaptação de David Lynch (1984) do épico de ficção científica de Herbert foi uma tentativa ambiciosa, mas acabou sendo rejeitada.
E não ajudou muito a impressão de que George Lucas levou boa parte do enredo e da atmosfera geral do livro para criar Star Wars, salpicando sua saga com doses generosas de humor e nostalgia. Os Duna de Villeneuve merecem admiração, mesmo que apenas por sua ambição e fidelidade; o respeito do cineasta pelo original de Herbert irradia de cada quadro – todos eles a um só tempo gigantescos e minuciosamente orquestrados.
Mais que isso, ele fez um trabalho brilhante na escolha do elenco: Chalamet é o ator perfeito para interpretar um personagem que começa como uma espécie de príncipe ingênuo e depois se transforma em alguém mais carismático e sinistro; Zendaya, mesmo que passe boa parte do tempo com uma expressão sombria, ainda exala uma ternura convincente quando ensina ao imaturo Paul os meandros da guerra mercenária e da sobrevivência em Arrakis.
Duna: Parte Dois tem muitas caminhadas estilosas e muitas cavalgadas em monstros da areia, além de uma boa quantidade de fitadas de olhos azuis. Enquanto a Jessica de Ferguson desce às profundezas quando se trata do futuro messiânico de Paul (com maquiagem e vestes espetaculares no seu papel como a recém-sagrada Reverenda Madre), Javier Bardem proporciona as únicas risadas genuínas do filme com seu retrato caloroso e engraçado de Stilgar, o líder Fremen cuja insistência no destino de Paul beira o ridículo no melhor estilo A Vida de Brian, o clássico do grupo de humor Monty Python.
Os recém-chegados ao elenco são todos de primeira linha: Florence Pugh e Christopher Walken assumem com total naturalidade seus papéis como a Princesa Irulan e seu pai, o Imperador Shaddam IV. Austin Butler exorciza Elvis por completo – pelo menos por enquanto – com seu visual aterrador do psicótico Feyd-Rautha, cujas apresentações gladiatórias para seu tio Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgard, retornando em toda sua glória prodigiosamente almofadada) são encenadas com precisão fascista.
Carregado de temas bíblicos sobre profecia, sacrifício, redenção e ressurreição – com toques shakespearianos sobre destino, família e vingança – Duna: Parte Dois consegue ser ao mesmo tempo agitado e estranhamente inerte. Com certeza acontece bastante coisa numa trama em que Paul precisa decidir se é um revolucionário audacioso ou um semideus relutante; e Villeneuve entrega a quantidade exigida de lutas e cenas de batalha, que vão se tornando cada vez mais incendiárias a cada confronto.
A plateia é presenteada (submetida?) a mais fotos de uma bebê no útero do que seria confortável, tudo a serviço de uma subtrama envolvendo a irmã que provavelmente se juntará a Paul no próximo capítulo. Tudo é meticulosamente concebido e encenado de forma impressionante, mas fica repetitivo e monótono. Para qualquer pessoa que não esteja completamente imersa no universo de Duna, vira uma sopa nebulosa e alaranjada de poeira, fumaça, chamas e areia.
Muita areia. Assim como seu antecessor, Duna: Parte Dois constrói um mundo que é inegavelmente espetacular, comprimindo uma história extensa e quase incompreensível num sistema narrativo eficiente (é preciso se acostumar ao estilo de edição apático de Villeneuve, mas as coisas andam em ritmo acelerado). Para os fãs de Duna, o longa oferece o tratamento majestoso que seus amados romances merecem há tempos; todos os demais talvez precisem abrir caminho pela névoa dos mistérios canônicos de Arrakis para encontrar um grão de prazer escapista. Está aí em algum lugar, mesmo que tenhamos de esperar pela terceira parte. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU