Opinião|É fácil se apaixonar por ‘Divertida Mente 2’ e até sentir nostalgia pela puberdade


Sequência da animação promete emocionar e mostra com maestria a mudança das emoções predominantes na puberdade

Por Manohla Dargis

Quando uma senhorinha entra no encantador filme de animação Divertida Mente 2 (nos cinemas brasileiros em 20 de junho), ela é rapidamente enxotada. De óculos cor-de-rosa, olhinhos apertados e um capacete de cabelos brancos, seu nome é Nostalgia, e as personagens que a expulsam – incluindo Alegria e Tristeza – dizem que está cedo demais para ela aparecer. Acho que elas nunca viram um filme da Pixar, muito menos Divertida Mente, um deslumbramento conceitual melancólico que também é um testemunho de um dos prazeres do cinema: o envolvimento das nossas emoções.

Emoções predominantes em 'Divertida Mente'. Da esquerda para a direita: Raiva, Nojinho, Alegria, Medo e Tristeza. Foto: Reprodução | Pixar

Se você já assistiu a Divertida Mente (2015), seus canais lacrimais estarão preparados para a sequência. O filme original se centra na vida de Riley, uma garota de 11 anos fofa e previsivelmente corajosa, mas decididamente comum. O que distingue Riley é que seu funcionamento interno é representado como um reino todo elaborado, com personagens que corporificam suas emoções básicas. Durante boa parte da sua vida, essas emoções foram orquestradas por Alegria (Amy Poehler), uma fada maníaca e descalça. Mas, quando a família de Riley se muda para uma nova cidade, Tristeza (Phyllis Smith) assume o controle, e nossa garota entra numa espiral de depressão. Como se trata do maravilhoso mundo da Pixar, as emoções acabam encontrando um novo equilíbrio harmonioso, e Riley volta a ser uma criança feliz.

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Quando Divertida Mente 2 começa, Alegria ainda está comandando o show com Tristeza, Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapira) dentro de uma torre iluminada. É aqui, no centro da mente de Riley – uma extensão labiríntica engenhosamente detalhada que é meio carnaval, meio zona industrial –, que eles a monitoram por meio de uma enorme tela oval, como se estivessem posicionados atrás de seus olhos. Eles acompanham, gerenciam e às vezes até interrompem seu pensamento e suas ações, trabalhando num painel de controle que mais parece uma mesa de mixagem de som e fica mais complexo à medida que Riley vai crescendo. Quando o primeiro filme termina, um novo botão misterioso chamado “puberdade” se materializa no console. Logo depois do começo do segundo, esse botão dispara um alarme vermelho estridente.

A puberdade desencadeia vários problemas para Riley (Kensington Tallman) em Divertida Mente 2, alguns deles muito doloridos, a maioria meio previsível. Já se passou quase uma década desde o lançamento do primeiro filme, mas o tempo do cinema é mágico e agora Riley está apagando as velas do bolo de aniversário de 13 anos, com aparelho nos dentes e uma espinha teimosa no queixo. Logo surgem novas emoções, encabeçadas por Ansiedade (Maya Hawke), um duende cor de cenoura com sobrancelhas saltitantes e cabelos arrepiados. Não demora para Ansiedade assumir o comando do painel de controle e de Riley, com a ajuda de Inveja (Ayo Edebiri), Vergonha (Paul Walter Hauser) e minha favorita, a meticulosamente exausta Tédio (Adèle Exarchopoulos), com sotaque francês e tudo.

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Dirigida por Kelsey Mann, esta sequência suave e simplificada se concentra no interlúdio estressante (e estritamente apropriado para famílias) de Riley num acampamento de hóquei feminino, episódio que a separa do pai e da mãe e traz novas amizades, sentimentos e escolhas. (Mann criou a história com Meg LeFauve, que escreveu o roteiro com Dave Holstein). Assim como no primeiro filme, a história se alterna incansavelmente entre o que acontece dentro e fora da cabeça de Riley. Suas novas emoções a fazem se preocupar, resmungar, corar e fingir indiferença, mas, ainda que Alegria e o resto das emoções mais antigas às vezes sejam emboscadas com humor, sempre dá para sentir os cineastas conduzindo Riley em direção ao bem-estar emocional.

Enquanto ela lida com suas novas emoções, o filme muda de rumo com muito cuidado. Riley pode ser uma adolescente dominada por novas sensações e sentimentos corporais, mas as pessoas que fizeram este filme passam na ponta dos pés por esse estágio de desenvolvimento, como se fossem pais corujas que não estão prontos para deixar a filha crescer. Então Riley não fica menstruada, não dá umas escapulidas de casa, não tem um crush. Ela também não passa horas olhando para o celular – o treinador de hóquei do acampamento, numa jogada narrativamente conveniente, confiscou os telefones das meninas. Riley era uma garota legal e comum – e ainda é, assim como tudo e todos os outros. No final das contas, o abraço coletivo que ela dá no pai e na mãe ao fim do primeiro filme não foi apenas um momento doce: foi também uma declaração dos princípios da Pixar.

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Imagino que uma das razões pelas quais os cineastas não deram um papel maior a Nostalgia (June Squibb) é que seria muito óbvio para a Pixar, estúdio que conquistou o público com sua beleza e genialidade, explorar a saudade. Para a Pixar, todo espectador (especialmente os adultos) é uma espécie de Anton Ego, o infeliz crítico gastronômico de Ratatouille, que, ao provar um prato delicioso, relembra a infância e vê um flash de sua mãe lhe servindo a mesma comida com ternura. Essa memória permite que Ego se livre de seus preconceitos para que ele possa se render ao prazer como fez no passado – a mesma coisa que a Pixar insiste que você faça assistindo a seus filmes.

As franquias geralmente se baseiam na nostalgia, então é fácil se apaixonar por Divertida Mente 2, que funciona basicamente porque o original é maravilhoso. O novo filme está em conformidade com o ethos, o conceito e o design visual do primeiro, de modo que seus prazeres são agradavelmente familiares. Mann faz alguns ajustes aqui e ali, adentrando novos cantos sombrios que nunca ficam muito sinistros. Ele também apresenta uma cena deslumbrante em que Ansiedade sai de controle – colapso que é representado como um redemoinho laranja girando bem rápido. É uma expressão gráfica hipnotizante e perturbadora de uma turbulência emocional intensa, que abala tanto você quanto o filme. É também um exemplo perfeito da habilidade da Pixar em transformar ideias em imagens, algumas das quais conseguem, de fato, superar a segurança de sua visão de mundo fofa com choques de sublime.

*TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando uma senhorinha entra no encantador filme de animação Divertida Mente 2 (nos cinemas brasileiros em 20 de junho), ela é rapidamente enxotada. De óculos cor-de-rosa, olhinhos apertados e um capacete de cabelos brancos, seu nome é Nostalgia, e as personagens que a expulsam – incluindo Alegria e Tristeza – dizem que está cedo demais para ela aparecer. Acho que elas nunca viram um filme da Pixar, muito menos Divertida Mente, um deslumbramento conceitual melancólico que também é um testemunho de um dos prazeres do cinema: o envolvimento das nossas emoções.

Emoções predominantes em 'Divertida Mente'. Da esquerda para a direita: Raiva, Nojinho, Alegria, Medo e Tristeza. Foto: Reprodução | Pixar

Se você já assistiu a Divertida Mente (2015), seus canais lacrimais estarão preparados para a sequência. O filme original se centra na vida de Riley, uma garota de 11 anos fofa e previsivelmente corajosa, mas decididamente comum. O que distingue Riley é que seu funcionamento interno é representado como um reino todo elaborado, com personagens que corporificam suas emoções básicas. Durante boa parte da sua vida, essas emoções foram orquestradas por Alegria (Amy Poehler), uma fada maníaca e descalça. Mas, quando a família de Riley se muda para uma nova cidade, Tristeza (Phyllis Smith) assume o controle, e nossa garota entra numa espiral de depressão. Como se trata do maravilhoso mundo da Pixar, as emoções acabam encontrando um novo equilíbrio harmonioso, e Riley volta a ser uma criança feliz.

Quando Divertida Mente 2 começa, Alegria ainda está comandando o show com Tristeza, Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapira) dentro de uma torre iluminada. É aqui, no centro da mente de Riley – uma extensão labiríntica engenhosamente detalhada que é meio carnaval, meio zona industrial –, que eles a monitoram por meio de uma enorme tela oval, como se estivessem posicionados atrás de seus olhos. Eles acompanham, gerenciam e às vezes até interrompem seu pensamento e suas ações, trabalhando num painel de controle que mais parece uma mesa de mixagem de som e fica mais complexo à medida que Riley vai crescendo. Quando o primeiro filme termina, um novo botão misterioso chamado “puberdade” se materializa no console. Logo depois do começo do segundo, esse botão dispara um alarme vermelho estridente.

A puberdade desencadeia vários problemas para Riley (Kensington Tallman) em Divertida Mente 2, alguns deles muito doloridos, a maioria meio previsível. Já se passou quase uma década desde o lançamento do primeiro filme, mas o tempo do cinema é mágico e agora Riley está apagando as velas do bolo de aniversário de 13 anos, com aparelho nos dentes e uma espinha teimosa no queixo. Logo surgem novas emoções, encabeçadas por Ansiedade (Maya Hawke), um duende cor de cenoura com sobrancelhas saltitantes e cabelos arrepiados. Não demora para Ansiedade assumir o comando do painel de controle e de Riley, com a ajuda de Inveja (Ayo Edebiri), Vergonha (Paul Walter Hauser) e minha favorita, a meticulosamente exausta Tédio (Adèle Exarchopoulos), com sotaque francês e tudo.

Dirigida por Kelsey Mann, esta sequência suave e simplificada se concentra no interlúdio estressante (e estritamente apropriado para famílias) de Riley num acampamento de hóquei feminino, episódio que a separa do pai e da mãe e traz novas amizades, sentimentos e escolhas. (Mann criou a história com Meg LeFauve, que escreveu o roteiro com Dave Holstein). Assim como no primeiro filme, a história se alterna incansavelmente entre o que acontece dentro e fora da cabeça de Riley. Suas novas emoções a fazem se preocupar, resmungar, corar e fingir indiferença, mas, ainda que Alegria e o resto das emoções mais antigas às vezes sejam emboscadas com humor, sempre dá para sentir os cineastas conduzindo Riley em direção ao bem-estar emocional.

Enquanto ela lida com suas novas emoções, o filme muda de rumo com muito cuidado. Riley pode ser uma adolescente dominada por novas sensações e sentimentos corporais, mas as pessoas que fizeram este filme passam na ponta dos pés por esse estágio de desenvolvimento, como se fossem pais corujas que não estão prontos para deixar a filha crescer. Então Riley não fica menstruada, não dá umas escapulidas de casa, não tem um crush. Ela também não passa horas olhando para o celular – o treinador de hóquei do acampamento, numa jogada narrativamente conveniente, confiscou os telefones das meninas. Riley era uma garota legal e comum – e ainda é, assim como tudo e todos os outros. No final das contas, o abraço coletivo que ela dá no pai e na mãe ao fim do primeiro filme não foi apenas um momento doce: foi também uma declaração dos princípios da Pixar.

Imagino que uma das razões pelas quais os cineastas não deram um papel maior a Nostalgia (June Squibb) é que seria muito óbvio para a Pixar, estúdio que conquistou o público com sua beleza e genialidade, explorar a saudade. Para a Pixar, todo espectador (especialmente os adultos) é uma espécie de Anton Ego, o infeliz crítico gastronômico de Ratatouille, que, ao provar um prato delicioso, relembra a infância e vê um flash de sua mãe lhe servindo a mesma comida com ternura. Essa memória permite que Ego se livre de seus preconceitos para que ele possa se render ao prazer como fez no passado – a mesma coisa que a Pixar insiste que você faça assistindo a seus filmes.

As franquias geralmente se baseiam na nostalgia, então é fácil se apaixonar por Divertida Mente 2, que funciona basicamente porque o original é maravilhoso. O novo filme está em conformidade com o ethos, o conceito e o design visual do primeiro, de modo que seus prazeres são agradavelmente familiares. Mann faz alguns ajustes aqui e ali, adentrando novos cantos sombrios que nunca ficam muito sinistros. Ele também apresenta uma cena deslumbrante em que Ansiedade sai de controle – colapso que é representado como um redemoinho laranja girando bem rápido. É uma expressão gráfica hipnotizante e perturbadora de uma turbulência emocional intensa, que abala tanto você quanto o filme. É também um exemplo perfeito da habilidade da Pixar em transformar ideias em imagens, algumas das quais conseguem, de fato, superar a segurança de sua visão de mundo fofa com choques de sublime.

*TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando uma senhorinha entra no encantador filme de animação Divertida Mente 2 (nos cinemas brasileiros em 20 de junho), ela é rapidamente enxotada. De óculos cor-de-rosa, olhinhos apertados e um capacete de cabelos brancos, seu nome é Nostalgia, e as personagens que a expulsam – incluindo Alegria e Tristeza – dizem que está cedo demais para ela aparecer. Acho que elas nunca viram um filme da Pixar, muito menos Divertida Mente, um deslumbramento conceitual melancólico que também é um testemunho de um dos prazeres do cinema: o envolvimento das nossas emoções.

Emoções predominantes em 'Divertida Mente'. Da esquerda para a direita: Raiva, Nojinho, Alegria, Medo e Tristeza. Foto: Reprodução | Pixar

Se você já assistiu a Divertida Mente (2015), seus canais lacrimais estarão preparados para a sequência. O filme original se centra na vida de Riley, uma garota de 11 anos fofa e previsivelmente corajosa, mas decididamente comum. O que distingue Riley é que seu funcionamento interno é representado como um reino todo elaborado, com personagens que corporificam suas emoções básicas. Durante boa parte da sua vida, essas emoções foram orquestradas por Alegria (Amy Poehler), uma fada maníaca e descalça. Mas, quando a família de Riley se muda para uma nova cidade, Tristeza (Phyllis Smith) assume o controle, e nossa garota entra numa espiral de depressão. Como se trata do maravilhoso mundo da Pixar, as emoções acabam encontrando um novo equilíbrio harmonioso, e Riley volta a ser uma criança feliz.

Quando Divertida Mente 2 começa, Alegria ainda está comandando o show com Tristeza, Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapira) dentro de uma torre iluminada. É aqui, no centro da mente de Riley – uma extensão labiríntica engenhosamente detalhada que é meio carnaval, meio zona industrial –, que eles a monitoram por meio de uma enorme tela oval, como se estivessem posicionados atrás de seus olhos. Eles acompanham, gerenciam e às vezes até interrompem seu pensamento e suas ações, trabalhando num painel de controle que mais parece uma mesa de mixagem de som e fica mais complexo à medida que Riley vai crescendo. Quando o primeiro filme termina, um novo botão misterioso chamado “puberdade” se materializa no console. Logo depois do começo do segundo, esse botão dispara um alarme vermelho estridente.

A puberdade desencadeia vários problemas para Riley (Kensington Tallman) em Divertida Mente 2, alguns deles muito doloridos, a maioria meio previsível. Já se passou quase uma década desde o lançamento do primeiro filme, mas o tempo do cinema é mágico e agora Riley está apagando as velas do bolo de aniversário de 13 anos, com aparelho nos dentes e uma espinha teimosa no queixo. Logo surgem novas emoções, encabeçadas por Ansiedade (Maya Hawke), um duende cor de cenoura com sobrancelhas saltitantes e cabelos arrepiados. Não demora para Ansiedade assumir o comando do painel de controle e de Riley, com a ajuda de Inveja (Ayo Edebiri), Vergonha (Paul Walter Hauser) e minha favorita, a meticulosamente exausta Tédio (Adèle Exarchopoulos), com sotaque francês e tudo.

Dirigida por Kelsey Mann, esta sequência suave e simplificada se concentra no interlúdio estressante (e estritamente apropriado para famílias) de Riley num acampamento de hóquei feminino, episódio que a separa do pai e da mãe e traz novas amizades, sentimentos e escolhas. (Mann criou a história com Meg LeFauve, que escreveu o roteiro com Dave Holstein). Assim como no primeiro filme, a história se alterna incansavelmente entre o que acontece dentro e fora da cabeça de Riley. Suas novas emoções a fazem se preocupar, resmungar, corar e fingir indiferença, mas, ainda que Alegria e o resto das emoções mais antigas às vezes sejam emboscadas com humor, sempre dá para sentir os cineastas conduzindo Riley em direção ao bem-estar emocional.

Enquanto ela lida com suas novas emoções, o filme muda de rumo com muito cuidado. Riley pode ser uma adolescente dominada por novas sensações e sentimentos corporais, mas as pessoas que fizeram este filme passam na ponta dos pés por esse estágio de desenvolvimento, como se fossem pais corujas que não estão prontos para deixar a filha crescer. Então Riley não fica menstruada, não dá umas escapulidas de casa, não tem um crush. Ela também não passa horas olhando para o celular – o treinador de hóquei do acampamento, numa jogada narrativamente conveniente, confiscou os telefones das meninas. Riley era uma garota legal e comum – e ainda é, assim como tudo e todos os outros. No final das contas, o abraço coletivo que ela dá no pai e na mãe ao fim do primeiro filme não foi apenas um momento doce: foi também uma declaração dos princípios da Pixar.

Imagino que uma das razões pelas quais os cineastas não deram um papel maior a Nostalgia (June Squibb) é que seria muito óbvio para a Pixar, estúdio que conquistou o público com sua beleza e genialidade, explorar a saudade. Para a Pixar, todo espectador (especialmente os adultos) é uma espécie de Anton Ego, o infeliz crítico gastronômico de Ratatouille, que, ao provar um prato delicioso, relembra a infância e vê um flash de sua mãe lhe servindo a mesma comida com ternura. Essa memória permite que Ego se livre de seus preconceitos para que ele possa se render ao prazer como fez no passado – a mesma coisa que a Pixar insiste que você faça assistindo a seus filmes.

As franquias geralmente se baseiam na nostalgia, então é fácil se apaixonar por Divertida Mente 2, que funciona basicamente porque o original é maravilhoso. O novo filme está em conformidade com o ethos, o conceito e o design visual do primeiro, de modo que seus prazeres são agradavelmente familiares. Mann faz alguns ajustes aqui e ali, adentrando novos cantos sombrios que nunca ficam muito sinistros. Ele também apresenta uma cena deslumbrante em que Ansiedade sai de controle – colapso que é representado como um redemoinho laranja girando bem rápido. É uma expressão gráfica hipnotizante e perturbadora de uma turbulência emocional intensa, que abala tanto você quanto o filme. É também um exemplo perfeito da habilidade da Pixar em transformar ideias em imagens, algumas das quais conseguem, de fato, superar a segurança de sua visão de mundo fofa com choques de sublime.

*TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando uma senhorinha entra no encantador filme de animação Divertida Mente 2 (nos cinemas brasileiros em 20 de junho), ela é rapidamente enxotada. De óculos cor-de-rosa, olhinhos apertados e um capacete de cabelos brancos, seu nome é Nostalgia, e as personagens que a expulsam – incluindo Alegria e Tristeza – dizem que está cedo demais para ela aparecer. Acho que elas nunca viram um filme da Pixar, muito menos Divertida Mente, um deslumbramento conceitual melancólico que também é um testemunho de um dos prazeres do cinema: o envolvimento das nossas emoções.

Emoções predominantes em 'Divertida Mente'. Da esquerda para a direita: Raiva, Nojinho, Alegria, Medo e Tristeza. Foto: Reprodução | Pixar

Se você já assistiu a Divertida Mente (2015), seus canais lacrimais estarão preparados para a sequência. O filme original se centra na vida de Riley, uma garota de 11 anos fofa e previsivelmente corajosa, mas decididamente comum. O que distingue Riley é que seu funcionamento interno é representado como um reino todo elaborado, com personagens que corporificam suas emoções básicas. Durante boa parte da sua vida, essas emoções foram orquestradas por Alegria (Amy Poehler), uma fada maníaca e descalça. Mas, quando a família de Riley se muda para uma nova cidade, Tristeza (Phyllis Smith) assume o controle, e nossa garota entra numa espiral de depressão. Como se trata do maravilhoso mundo da Pixar, as emoções acabam encontrando um novo equilíbrio harmonioso, e Riley volta a ser uma criança feliz.

Quando Divertida Mente 2 começa, Alegria ainda está comandando o show com Tristeza, Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapira) dentro de uma torre iluminada. É aqui, no centro da mente de Riley – uma extensão labiríntica engenhosamente detalhada que é meio carnaval, meio zona industrial –, que eles a monitoram por meio de uma enorme tela oval, como se estivessem posicionados atrás de seus olhos. Eles acompanham, gerenciam e às vezes até interrompem seu pensamento e suas ações, trabalhando num painel de controle que mais parece uma mesa de mixagem de som e fica mais complexo à medida que Riley vai crescendo. Quando o primeiro filme termina, um novo botão misterioso chamado “puberdade” se materializa no console. Logo depois do começo do segundo, esse botão dispara um alarme vermelho estridente.

A puberdade desencadeia vários problemas para Riley (Kensington Tallman) em Divertida Mente 2, alguns deles muito doloridos, a maioria meio previsível. Já se passou quase uma década desde o lançamento do primeiro filme, mas o tempo do cinema é mágico e agora Riley está apagando as velas do bolo de aniversário de 13 anos, com aparelho nos dentes e uma espinha teimosa no queixo. Logo surgem novas emoções, encabeçadas por Ansiedade (Maya Hawke), um duende cor de cenoura com sobrancelhas saltitantes e cabelos arrepiados. Não demora para Ansiedade assumir o comando do painel de controle e de Riley, com a ajuda de Inveja (Ayo Edebiri), Vergonha (Paul Walter Hauser) e minha favorita, a meticulosamente exausta Tédio (Adèle Exarchopoulos), com sotaque francês e tudo.

Dirigida por Kelsey Mann, esta sequência suave e simplificada se concentra no interlúdio estressante (e estritamente apropriado para famílias) de Riley num acampamento de hóquei feminino, episódio que a separa do pai e da mãe e traz novas amizades, sentimentos e escolhas. (Mann criou a história com Meg LeFauve, que escreveu o roteiro com Dave Holstein). Assim como no primeiro filme, a história se alterna incansavelmente entre o que acontece dentro e fora da cabeça de Riley. Suas novas emoções a fazem se preocupar, resmungar, corar e fingir indiferença, mas, ainda que Alegria e o resto das emoções mais antigas às vezes sejam emboscadas com humor, sempre dá para sentir os cineastas conduzindo Riley em direção ao bem-estar emocional.

Enquanto ela lida com suas novas emoções, o filme muda de rumo com muito cuidado. Riley pode ser uma adolescente dominada por novas sensações e sentimentos corporais, mas as pessoas que fizeram este filme passam na ponta dos pés por esse estágio de desenvolvimento, como se fossem pais corujas que não estão prontos para deixar a filha crescer. Então Riley não fica menstruada, não dá umas escapulidas de casa, não tem um crush. Ela também não passa horas olhando para o celular – o treinador de hóquei do acampamento, numa jogada narrativamente conveniente, confiscou os telefones das meninas. Riley era uma garota legal e comum – e ainda é, assim como tudo e todos os outros. No final das contas, o abraço coletivo que ela dá no pai e na mãe ao fim do primeiro filme não foi apenas um momento doce: foi também uma declaração dos princípios da Pixar.

Imagino que uma das razões pelas quais os cineastas não deram um papel maior a Nostalgia (June Squibb) é que seria muito óbvio para a Pixar, estúdio que conquistou o público com sua beleza e genialidade, explorar a saudade. Para a Pixar, todo espectador (especialmente os adultos) é uma espécie de Anton Ego, o infeliz crítico gastronômico de Ratatouille, que, ao provar um prato delicioso, relembra a infância e vê um flash de sua mãe lhe servindo a mesma comida com ternura. Essa memória permite que Ego se livre de seus preconceitos para que ele possa se render ao prazer como fez no passado – a mesma coisa que a Pixar insiste que você faça assistindo a seus filmes.

As franquias geralmente se baseiam na nostalgia, então é fácil se apaixonar por Divertida Mente 2, que funciona basicamente porque o original é maravilhoso. O novo filme está em conformidade com o ethos, o conceito e o design visual do primeiro, de modo que seus prazeres são agradavelmente familiares. Mann faz alguns ajustes aqui e ali, adentrando novos cantos sombrios que nunca ficam muito sinistros. Ele também apresenta uma cena deslumbrante em que Ansiedade sai de controle – colapso que é representado como um redemoinho laranja girando bem rápido. É uma expressão gráfica hipnotizante e perturbadora de uma turbulência emocional intensa, que abala tanto você quanto o filme. É também um exemplo perfeito da habilidade da Pixar em transformar ideias em imagens, algumas das quais conseguem, de fato, superar a segurança de sua visão de mundo fofa com choques de sublime.

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