Aos olhos do público, Hugh Jackman pode ser a grande atração de Peter Pan. Afinal, o australiano desfruta de grande popularidade, mesmo com a superexposição que o caracteriza. É o astro que mais filma nessa verdadeira Terra do Nunca que é Hollywood. O filme de Joe Wright, porém, é do garoto Levi Miller e de Garrett Hedlund e Rooney Mara, que formam a dupla romântica. O cinema já contou muitas vezes a história de Peter Pan. Como animação (da Disney), como live action (Hook - A Volta do Capitão Gancho, de Steven Spielberg). Já contou até como James Barrie criou sua obra-prima (Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Foster). Mas ainda faltava o foco de Wright - a história de como Peter virou Pan. Embora conclusiva - em termos -, a história fica incompleta. Na abertura, o narrador informa que amigos viram inimigos, e vice-versa. A vida é complexa. Hedlund vai virar Capitão Gancho, perderá a mão, mas nada disso é desse filme. Fica, quem sabe, para uma possível sequência - que ninguém sabe se será realizada. Pois Peter Pan não fez nem de longe o sucesso de público esperado pelos produtores e pelo estúdio. A Warner avalia se cancelará a sequência. Mas o filme é muito bonito. Se fosse HQ, estaria inscrito numa tendência muito atual da indústria do entretenimento. A gênese dos mitos. A história começa em Londres, durante a guerra. Uma mãe deixa seu bebê na porta de um orfanato. Passam-se 12 anos, Londres está sendo bombardeada pelos nazistas. Há racionamento de víveres no orfanato dirigido por uma freira gananciosa. Nesse quadro, as crianças - os meninos - começam a desaparecer. Não estão sendo adotados, mas sequestrados. Peter, separado do amigo, descobre-se a bordo de um navio pirata, e o pirata Barba Negra é ninguém menos que Hugh Jackman. Ele sequestra crianças para trabalhar nas minas. Escavam em busca de pixum, o pó das fadas. Peter, que nunca desistiu de encontrar sua mãe, liga-se a Hedlund, descobre que pode voar.
referenceO fato de voar faz dele o ‘escolhido’. Há uma profecia de que será o único a enfrentar e vencer o Barba Negra. A narrativa mistura Terra do Nunca com a ilha das fadas. Rooney Mara é uma guerreira, Hedlund é um aventureiro meio Indiana Jones. E Peter, o escolhido, saltando de uma aventura a outra, tem o caráter messiânico de Harry Potter. Por conta disso, muitos críticos, dentro e fora do País, andaram escrevendo que Joe Wright fez um filme que se assemelha a uma colcha de retalhos. Peter Pan seria apenas mais uma obra caça-níqueis da indústria do showbiz. É injusto com o talentoso diretor. Wright já fez filmes belíssimos como Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação, que adaptou de Jane Austen e Ian McEwan. Fez também Hanna, contando a história de uma garota treinada para sobreviver - e matar. Peter, no filme, é um sobrevivente. Descobre, numa curva dramática, quais são seus poderes e por que os possui. O garoto que começa de luto, amargando a dor de uma perda (a da mãe) que nunca cicatriza, realiza o rito de passagem. Cheio de ação e efeitos, o filme encerra um desafio para o espectador - para o cinéfilo. Wright pratica uma estética do plano-sequência. As melhores cenas de Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação e Hanna são planos contínuos. Ele nunca cortou tanto como em Peter Pan, mas os planos-sequência estão ali. A questão é identificá-los. E, como sempre, Wright não se prende a um gênero. Desejo e Reparação mistura os gêneros romance e guerra. Hanna possui um caráter onírico, mas é um filme de lutas. Peter Pan possui elementos de pirataria e há um quê da afetação do Johnny Depp de Piratas do Caribe na interpretação de Hugh Jackman. Pode até ser que Peter Pan dirija-se mais aos adultos que às crianças, e isso justificaria seu mau desempenho nas bilheterias. O próprio filme teria ficado numa terra de ninguém. Cabe a você, leitor, resgatá-lo. Qualidades não faltam.