Opinião|‘Emilia Pérez’: Rival de ‘Ainda Estou Aqui’ no Oscar é exuberante e causa estranheza e fascínio


Filme de Jacques Audiard, falado em espanhol, é o representante da França ao Oscar de Filme Internacional e deve ser destaque na temporada de premiações; leia a crítica

Por Sérgio Rizzo
Atualização:

Filmes que pretendam arrastar espectadores — cada vez mais arredios — às salas de cinema precisam alimentar a percepção de que oferecem uma experiência cinematográfica que só funcionará plenamente na tela grande, na sala escura e na companhia de outras pessoas. Desde que a pandemia habituou o público a desfrutar comodamente da oferta infindável de longas-metragens e séries nas plataformas de streaming, o desafio envolve, em primeiro lugar, realizar algo que fuja da padronização e da mediocridade reinantes. Depois, é preciso criar na mídia e nas redes sociais uma narrativa que leve um nicho de público a pensar: “preciso ver isso”.

Ao cumprir muito bem as duas tarefas, Emilia Pérez, pré-indicado na categoria Filme Internacional do Oscar 2025 - ao lado de Ainda Estou Aqui -, pavimentou o terreno para se tornar um dos êxitos da temporada. É um filme exuberante, que decidiu correr riscos imensos sabendo que poderia facilmente naufragar na tentativa de combinar elementos díspares. Sabia também, pelo vespeiro dos seus temas, que teria potencial para incomodar muita gente. Mas, como a estreia no Festival de Cannes deste ano — em que recebeu o Prémio do Júri, o de melhor interpretação feminina (atribuído às quatro atrizes principais) e o de melhor trilha musical — já havia demonstrado, a aposta na ousadia revelou-se muito bem-sucedida.

Karla Sofia-Gascón em 'Emilia Pérez' Foto: Shanna Besson/PAGE 114 Divulgação
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Não é a primeira vez que o diretor francês Jacques Audiard caminha sobre essa linha tênue — a do assunto sensível e polêmico abordado de modo realista e multicultural — e consegue equilibrar-se. Um Profeta (2009), que lhe valeu indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro e o Grande Prêmio do Júri em Cannes, é um moderno e violento filme de gângster sobre o aprendizado de um jovem árabe no mundo do crime. Ferrugem e Osso (2013) tira o glamour de Marion Cotillard em uma dolorosa história de amor. Dheepan (2015), Palma de Ouro em Cannes, traz um guerreiro do Sri Lanka em perigosa jornada de ressurreição em Paris.

A pauta explosiva de Emilia Pérez inclui traficantes de drogas, cirurgias de redesignação sexual, vítimas de assassinatos, sociedade patriarcal e protagonismo feminino. Não é ambientado na França em que vive Audiard ou em qualquer outro país europeu, mas no México — o filme é falado quase todo em espanhol. Não se apresenta como um drama clássico, mas como um musical que escapa às convenções do gênero. Apesar dos temas delicados que conecta na trama, recorre muitas vezes ao humor, sem receio de brincar com clichês, na expectativa de que o espectador embarque sorrindo nessa catártica jornada de cinema.

Elogios iniciais cabem a todos os envolvidos no roteiro. O argumento vem de um romance francês publicado em 2018, Écoute (Ouvir, em tradução livre), do jornalista francês Boris Razon. Ambientado em Paris, num universo de ultraconectividade digital em que todos são vigiados, o livro tem como protagonista um traficante que decide transformar-se fisicamente em seu primeiro amor, uma jovem morta brutalmente por uma gangue rival. O advogado a quem recorre para ajudá-lo na tarefa decide isolar-se, em tentativa de compreender o alcance psicológico do que o perigoso cliente lhe pede, e dedica-se à leitura da obra completa do poeta português Fernando Pessoa.

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Zoe Saldana interpreta a advogada Rita Mora Castro em 'Emilia Pérez' Foto: Shanna Besson/PAGE 114 Divulgação

Não seria surpreendente se o espanhol Pedro Almodóvar, por exemplo, resolvesse adaptar Écoute sem alterar muito as linhas gerais do romance — é uma praia semelhante, afinal, à de A Pele que Habito (2011). Já Audiard, com auxílio dos roteiristas Thomas Bidegain (que trabalhou com o diretor em Um Profeta e Ferrugem e Osso, além de ter escrito A Família Bélier, que deu origem ao vencedor do Oscar No Ritmo do Coração) e Léa Mysius (parceira do diretor e de Bidegain no roteiro de Paris, 13º Distrito), resolveu transportar — melhor seria “transcriar”, neologismo mais adequado à situação — as coordenadas da história para uma circunstância sociopolítica do seu interesse.

Em Emília Perez, a ação começa na Cidade do México, onde uma jovem advogada (Zoe Saldaña) está incomodada por ganhar dinheiro livrando milionários da cadeia. Ela sente que vendeu a alma ao diabo, sensação redobrada quando um traficante de drogas (Karla Sofia Gascón) a contrata sigilosamente para cuidar dos detalhes de uma cirurgia de redesignação sexual. Começa então a montanha-russa dramática que fará a história circular por outros países, com mais duas personagens que ajudam a transformar o filme em diagnóstico do mundo doente que os homens governam, e do poder feminino de resistência e transformação: a mulher do traficante (Selena Gomez) e uma vítima de violência doméstica (Adriana Paz).

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Desde o início da história, diversas músicas — compostas por Camille e por Clément Ducol — atravessam a cena. Às vezes, um diálogo se transforma em canção, e a canção retorna quase imperceptivelmente à forma de diálogo. Em outras ocasiões, dezenas de figurantes se juntam aos protagonistas — a carismática personagem de Saldaña é a mais presente nesses momentos — em números coreográficos que provocam estranheza (e fascínio). Haverá quem os considere inadequados à situação, como se o gênero musical servisse para outros fins, mais leves e ligeiros, mas o que está em jogo também é a própria tradição do musical. O recurso lembra um pouco o aspecto incômodo e perturbador que o dinamarquês Lars von Trier propõe em Dançando no Escuro (2000) — um musical (ou antimusical?) sobre uma operária (Bjork) que perde gradativamente a visão e sofre, sofre, sofre.

Emilia Pérez é cinema que celebra o prazer narrativo, a gratificante recompensa do ingrediente surpresa para o andamento da trama, a piscadela de olhos para o espectador, a quem parece que o filme está conversando o tempo todo com a plateia. Ao mesmo tempo, como fazem Um Profeta e Deephan, é cinema que aspira se conectar com o debate social, incorporando temas da agenda política e comportamental do nosso tempo a uma estética que é também do nosso tempo. Fala de transformação, e portanto convida o espectador a contemplar-se no espelho. Não é pouco, hoje, ainda que se possa desgostar do resultado — o que sempre fez parte da experiência do cinema.

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Quando estreia Emilia Pérez no Brasil?

Emilia Pérez estreia em 6 de fevereiro de 2025 no Brasil.

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Quando será o Oscar 2025?

A cerimônia está marcada para 2 de março.

Filmes que pretendam arrastar espectadores — cada vez mais arredios — às salas de cinema precisam alimentar a percepção de que oferecem uma experiência cinematográfica que só funcionará plenamente na tela grande, na sala escura e na companhia de outras pessoas. Desde que a pandemia habituou o público a desfrutar comodamente da oferta infindável de longas-metragens e séries nas plataformas de streaming, o desafio envolve, em primeiro lugar, realizar algo que fuja da padronização e da mediocridade reinantes. Depois, é preciso criar na mídia e nas redes sociais uma narrativa que leve um nicho de público a pensar: “preciso ver isso”.

Ao cumprir muito bem as duas tarefas, Emilia Pérez, pré-indicado na categoria Filme Internacional do Oscar 2025 - ao lado de Ainda Estou Aqui -, pavimentou o terreno para se tornar um dos êxitos da temporada. É um filme exuberante, que decidiu correr riscos imensos sabendo que poderia facilmente naufragar na tentativa de combinar elementos díspares. Sabia também, pelo vespeiro dos seus temas, que teria potencial para incomodar muita gente. Mas, como a estreia no Festival de Cannes deste ano — em que recebeu o Prémio do Júri, o de melhor interpretação feminina (atribuído às quatro atrizes principais) e o de melhor trilha musical — já havia demonstrado, a aposta na ousadia revelou-se muito bem-sucedida.

Karla Sofia-Gascón em 'Emilia Pérez' Foto: Shanna Besson/PAGE 114 Divulgação

Não é a primeira vez que o diretor francês Jacques Audiard caminha sobre essa linha tênue — a do assunto sensível e polêmico abordado de modo realista e multicultural — e consegue equilibrar-se. Um Profeta (2009), que lhe valeu indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro e o Grande Prêmio do Júri em Cannes, é um moderno e violento filme de gângster sobre o aprendizado de um jovem árabe no mundo do crime. Ferrugem e Osso (2013) tira o glamour de Marion Cotillard em uma dolorosa história de amor. Dheepan (2015), Palma de Ouro em Cannes, traz um guerreiro do Sri Lanka em perigosa jornada de ressurreição em Paris.

A pauta explosiva de Emilia Pérez inclui traficantes de drogas, cirurgias de redesignação sexual, vítimas de assassinatos, sociedade patriarcal e protagonismo feminino. Não é ambientado na França em que vive Audiard ou em qualquer outro país europeu, mas no México — o filme é falado quase todo em espanhol. Não se apresenta como um drama clássico, mas como um musical que escapa às convenções do gênero. Apesar dos temas delicados que conecta na trama, recorre muitas vezes ao humor, sem receio de brincar com clichês, na expectativa de que o espectador embarque sorrindo nessa catártica jornada de cinema.

Elogios iniciais cabem a todos os envolvidos no roteiro. O argumento vem de um romance francês publicado em 2018, Écoute (Ouvir, em tradução livre), do jornalista francês Boris Razon. Ambientado em Paris, num universo de ultraconectividade digital em que todos são vigiados, o livro tem como protagonista um traficante que decide transformar-se fisicamente em seu primeiro amor, uma jovem morta brutalmente por uma gangue rival. O advogado a quem recorre para ajudá-lo na tarefa decide isolar-se, em tentativa de compreender o alcance psicológico do que o perigoso cliente lhe pede, e dedica-se à leitura da obra completa do poeta português Fernando Pessoa.

Zoe Saldana interpreta a advogada Rita Mora Castro em 'Emilia Pérez' Foto: Shanna Besson/PAGE 114 Divulgação

Não seria surpreendente se o espanhol Pedro Almodóvar, por exemplo, resolvesse adaptar Écoute sem alterar muito as linhas gerais do romance — é uma praia semelhante, afinal, à de A Pele que Habito (2011). Já Audiard, com auxílio dos roteiristas Thomas Bidegain (que trabalhou com o diretor em Um Profeta e Ferrugem e Osso, além de ter escrito A Família Bélier, que deu origem ao vencedor do Oscar No Ritmo do Coração) e Léa Mysius (parceira do diretor e de Bidegain no roteiro de Paris, 13º Distrito), resolveu transportar — melhor seria “transcriar”, neologismo mais adequado à situação — as coordenadas da história para uma circunstância sociopolítica do seu interesse.

Em Emília Perez, a ação começa na Cidade do México, onde uma jovem advogada (Zoe Saldaña) está incomodada por ganhar dinheiro livrando milionários da cadeia. Ela sente que vendeu a alma ao diabo, sensação redobrada quando um traficante de drogas (Karla Sofia Gascón) a contrata sigilosamente para cuidar dos detalhes de uma cirurgia de redesignação sexual. Começa então a montanha-russa dramática que fará a história circular por outros países, com mais duas personagens que ajudam a transformar o filme em diagnóstico do mundo doente que os homens governam, e do poder feminino de resistência e transformação: a mulher do traficante (Selena Gomez) e uma vítima de violência doméstica (Adriana Paz).

Desde o início da história, diversas músicas — compostas por Camille e por Clément Ducol — atravessam a cena. Às vezes, um diálogo se transforma em canção, e a canção retorna quase imperceptivelmente à forma de diálogo. Em outras ocasiões, dezenas de figurantes se juntam aos protagonistas — a carismática personagem de Saldaña é a mais presente nesses momentos — em números coreográficos que provocam estranheza (e fascínio). Haverá quem os considere inadequados à situação, como se o gênero musical servisse para outros fins, mais leves e ligeiros, mas o que está em jogo também é a própria tradição do musical. O recurso lembra um pouco o aspecto incômodo e perturbador que o dinamarquês Lars von Trier propõe em Dançando no Escuro (2000) — um musical (ou antimusical?) sobre uma operária (Bjork) que perde gradativamente a visão e sofre, sofre, sofre.

Emilia Pérez é cinema que celebra o prazer narrativo, a gratificante recompensa do ingrediente surpresa para o andamento da trama, a piscadela de olhos para o espectador, a quem parece que o filme está conversando o tempo todo com a plateia. Ao mesmo tempo, como fazem Um Profeta e Deephan, é cinema que aspira se conectar com o debate social, incorporando temas da agenda política e comportamental do nosso tempo a uma estética que é também do nosso tempo. Fala de transformação, e portanto convida o espectador a contemplar-se no espelho. Não é pouco, hoje, ainda que se possa desgostar do resultado — o que sempre fez parte da experiência do cinema.

Quando estreia Emilia Pérez no Brasil?

Emilia Pérez estreia em 6 de fevereiro de 2025 no Brasil.

Quando será o Oscar 2025?

A cerimônia está marcada para 2 de março.

Filmes que pretendam arrastar espectadores — cada vez mais arredios — às salas de cinema precisam alimentar a percepção de que oferecem uma experiência cinematográfica que só funcionará plenamente na tela grande, na sala escura e na companhia de outras pessoas. Desde que a pandemia habituou o público a desfrutar comodamente da oferta infindável de longas-metragens e séries nas plataformas de streaming, o desafio envolve, em primeiro lugar, realizar algo que fuja da padronização e da mediocridade reinantes. Depois, é preciso criar na mídia e nas redes sociais uma narrativa que leve um nicho de público a pensar: “preciso ver isso”.

Ao cumprir muito bem as duas tarefas, Emilia Pérez, pré-indicado na categoria Filme Internacional do Oscar 2025 - ao lado de Ainda Estou Aqui -, pavimentou o terreno para se tornar um dos êxitos da temporada. É um filme exuberante, que decidiu correr riscos imensos sabendo que poderia facilmente naufragar na tentativa de combinar elementos díspares. Sabia também, pelo vespeiro dos seus temas, que teria potencial para incomodar muita gente. Mas, como a estreia no Festival de Cannes deste ano — em que recebeu o Prémio do Júri, o de melhor interpretação feminina (atribuído às quatro atrizes principais) e o de melhor trilha musical — já havia demonstrado, a aposta na ousadia revelou-se muito bem-sucedida.

Karla Sofia-Gascón em 'Emilia Pérez' Foto: Shanna Besson/PAGE 114 Divulgação

Não é a primeira vez que o diretor francês Jacques Audiard caminha sobre essa linha tênue — a do assunto sensível e polêmico abordado de modo realista e multicultural — e consegue equilibrar-se. Um Profeta (2009), que lhe valeu indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro e o Grande Prêmio do Júri em Cannes, é um moderno e violento filme de gângster sobre o aprendizado de um jovem árabe no mundo do crime. Ferrugem e Osso (2013) tira o glamour de Marion Cotillard em uma dolorosa história de amor. Dheepan (2015), Palma de Ouro em Cannes, traz um guerreiro do Sri Lanka em perigosa jornada de ressurreição em Paris.

A pauta explosiva de Emilia Pérez inclui traficantes de drogas, cirurgias de redesignação sexual, vítimas de assassinatos, sociedade patriarcal e protagonismo feminino. Não é ambientado na França em que vive Audiard ou em qualquer outro país europeu, mas no México — o filme é falado quase todo em espanhol. Não se apresenta como um drama clássico, mas como um musical que escapa às convenções do gênero. Apesar dos temas delicados que conecta na trama, recorre muitas vezes ao humor, sem receio de brincar com clichês, na expectativa de que o espectador embarque sorrindo nessa catártica jornada de cinema.

Elogios iniciais cabem a todos os envolvidos no roteiro. O argumento vem de um romance francês publicado em 2018, Écoute (Ouvir, em tradução livre), do jornalista francês Boris Razon. Ambientado em Paris, num universo de ultraconectividade digital em que todos são vigiados, o livro tem como protagonista um traficante que decide transformar-se fisicamente em seu primeiro amor, uma jovem morta brutalmente por uma gangue rival. O advogado a quem recorre para ajudá-lo na tarefa decide isolar-se, em tentativa de compreender o alcance psicológico do que o perigoso cliente lhe pede, e dedica-se à leitura da obra completa do poeta português Fernando Pessoa.

Zoe Saldana interpreta a advogada Rita Mora Castro em 'Emilia Pérez' Foto: Shanna Besson/PAGE 114 Divulgação

Não seria surpreendente se o espanhol Pedro Almodóvar, por exemplo, resolvesse adaptar Écoute sem alterar muito as linhas gerais do romance — é uma praia semelhante, afinal, à de A Pele que Habito (2011). Já Audiard, com auxílio dos roteiristas Thomas Bidegain (que trabalhou com o diretor em Um Profeta e Ferrugem e Osso, além de ter escrito A Família Bélier, que deu origem ao vencedor do Oscar No Ritmo do Coração) e Léa Mysius (parceira do diretor e de Bidegain no roteiro de Paris, 13º Distrito), resolveu transportar — melhor seria “transcriar”, neologismo mais adequado à situação — as coordenadas da história para uma circunstância sociopolítica do seu interesse.

Em Emília Perez, a ação começa na Cidade do México, onde uma jovem advogada (Zoe Saldaña) está incomodada por ganhar dinheiro livrando milionários da cadeia. Ela sente que vendeu a alma ao diabo, sensação redobrada quando um traficante de drogas (Karla Sofia Gascón) a contrata sigilosamente para cuidar dos detalhes de uma cirurgia de redesignação sexual. Começa então a montanha-russa dramática que fará a história circular por outros países, com mais duas personagens que ajudam a transformar o filme em diagnóstico do mundo doente que os homens governam, e do poder feminino de resistência e transformação: a mulher do traficante (Selena Gomez) e uma vítima de violência doméstica (Adriana Paz).

Desde o início da história, diversas músicas — compostas por Camille e por Clément Ducol — atravessam a cena. Às vezes, um diálogo se transforma em canção, e a canção retorna quase imperceptivelmente à forma de diálogo. Em outras ocasiões, dezenas de figurantes se juntam aos protagonistas — a carismática personagem de Saldaña é a mais presente nesses momentos — em números coreográficos que provocam estranheza (e fascínio). Haverá quem os considere inadequados à situação, como se o gênero musical servisse para outros fins, mais leves e ligeiros, mas o que está em jogo também é a própria tradição do musical. O recurso lembra um pouco o aspecto incômodo e perturbador que o dinamarquês Lars von Trier propõe em Dançando no Escuro (2000) — um musical (ou antimusical?) sobre uma operária (Bjork) que perde gradativamente a visão e sofre, sofre, sofre.

Emilia Pérez é cinema que celebra o prazer narrativo, a gratificante recompensa do ingrediente surpresa para o andamento da trama, a piscadela de olhos para o espectador, a quem parece que o filme está conversando o tempo todo com a plateia. Ao mesmo tempo, como fazem Um Profeta e Deephan, é cinema que aspira se conectar com o debate social, incorporando temas da agenda política e comportamental do nosso tempo a uma estética que é também do nosso tempo. Fala de transformação, e portanto convida o espectador a contemplar-se no espelho. Não é pouco, hoje, ainda que se possa desgostar do resultado — o que sempre fez parte da experiência do cinema.

Quando estreia Emilia Pérez no Brasil?

Emilia Pérez estreia em 6 de fevereiro de 2025 no Brasil.

Quando será o Oscar 2025?

A cerimônia está marcada para 2 de março.

Opinião por Sérgio Rizzo

é jornalista e crítico de cinema

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